O contador do blog estourou, nesta segunda-feira, dia 21 de maio de 2012, 20 mil acessos. O número é interessante, porque equivale a uma média de 1.740 leituras por mês, ou 58 por dia. Foram centenas de postagens, e os acessos vieram dos seguinte países, por ordem decrescente de acessos: Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Reino Unido, Rússia, Itália, Argentina, Canadá, Suíça, Espanha, Egito, Angola, Bolívia, Colômbia e Cuba. Certamente, lido pelos nossos brasileiros residentes no país ou espalhados pelo mundo.
Para comemorar, vamos reproduzir os 5 mais lidos, pela ordem, entre as centenas de postagens. Divirtam-se!
Mas é descendo que desenrolo o fio da nossa história: no Rio de Janeiro em que se aporta pela baía de Guanabara, onde o índio Araribóia, de nome “cobra feroz”, cacique e valoroso arqueiro de taba e caiçara, defendeu-nos desde a praia contra a invasão do estrangeiro (com garrucha e espadim), em lutas de muito sangue como foi em Uçurumim. Prosseguindo pelas praias, chegamos a Copacabana (que é “oceano no olhar”), a que Dick Farney deu fama tocando sua obra-prima, a “Princesinha do mar”. Logo na ponta do Forte, à direita se vê Ipanema, lugar onde se encontram as formosas garotas de lá: as jovens, cariocas da gema, saudáveis, de pele morena (vem daí “Kari oká”).
Na outra ponta da praia, subindo o morro onde o pobre, caniço com samburá, de cima da rocha arrisca um peixe pra ele jantar, do meio do morro que abre a enorme saia de espuma na Barra, e indo até o Recreio como fosse renda branca se espalhando pelo mar. Dali mais para frente, e ralando um bocado de chão (no asfalto ou na areia pelando), avista-se a imensidão da Restinga da Marambaia, que também é dividida com Itaguaí e Mangaratiba (as três quase a mesma praia).
Obs: a ideia desta série foi fazer um percurso pelo Brasil, totalizando mais de 60 palavras indígenas em uma lauda e meia, mostrando a importância da nação que deu nome até a este país.
Agora, a “Apple”, segundo o autor “o maior exemplo de condicionamento de massas que conseguimos criar até o momento”. E, pasme, “Steve Jobs está vivo!!!” Provavelmente, eu deduzo, junto com Elvis Presley, o verdadeiro Paul Mc Cartney, Hitler e outros. Jobs utiliza o símbolo do proibido como sua logomarca.
Ora... Nova York é a “Big Apple” desde os tempos do avô de Jobs, existiu (existe ainda?) uma companhia aérea cujo símbolo era... a maçã. Não a do pecado, mas da maçã do amor símbolo da metrópole norte-americana.
NY é uma cidade repleta de macieiras, daí a “Big Apple”. Era assim que os músicos de jazz dos anos 1920 chamavam a cidade, quando se reuniam em ‘jam-sessions’ (sessões de ‘jazz after midnight’: ‘Jam’) após os trabalhos regulares em casas noturnas. O livro “Tales of the jazz age” (“Contos da era do jazz”), de Scott Fitzgerald (1922), bem retratam a explosão musical da época da “Big Apple”. Nem o pai de Jobs, com certeza, havia nascido. O símbolo é mais velho do que o jazz nova-iorquino.
2012 é também o ano do centenário do grande teatrólogo, cronista de futebol e jornalista Nelson Rodrigues, autodeclarado “de direitíssima”, sobre quem meu pai, com quem se dava no Rio, conta que a cada um que elogiava uma obra sua ele pedia, com a voz mole de sempre: “escreva, escreva”. (Para registro próprio, já que não era lá de confiar muito nos outros). Nelson, muito ligado aos militares durante os anos de regime de exceção, deixava a “burguesia chocada”, como diria seu filho também Nelson Rodrigues, militante político (então preso): peças como “Bonitinha, mas ordinária”, “O beijo no Asfalto”, “Perdoa-me por me traíres”, “Vestido de noiva” e “Engraçadinha” eram na época de fazer corar os profetas do “Aleijadinho”. O teatrólogo se autodefinia, também, como “um menino que tudo vê pelo buraco da fechadura, um anjo pornográfico”.
Com o título acima, o ‘Estado’ (6 de setembro, pág. A6) chama a atenção para o chamado ‘controle da mídia’, proposto no 4º congresso do PT. Segundo o jornal, a Presidente teme perder apoio da classe média e setores mais bem informados da população.
Qualquer tentativa de ‘regulamentação’ dos órgãos de comunicação tende a ser vista como perigosa: a sombra do caudilho Chávez parece estar sempre presente. E há quem saia defendendo que uma coisa é partido, e outra governo, esquecendo-se de que nas eleições tudo é ‘a mesma coisa’.
A posição de Dilma é salutar e cautelosa. Porém, essas leves ‘peitadas’ lembram o início do governo Erundina em São Paulo, que provocaram uma cisão em sua base que levou à perda do controle da máquina.
Lembro-me de que, para ‘passar’ leis na Câmara de São Paulo - a exemplo de uma por nós gestada, para o Teatro Municipal -, a Prefeita chegou a ‘entregar’ projetos nas mãos de alguns vereadores pouco expressivos (e em busca de holofotes) da oposição, para que vingassem.
Terminou assim aquela que foi considerada pelas áreas de Educação e Cultura a melhor gestão da capital paulista por décadas.
Karl Marx ainda é querido por tantos ainda afeitos com rigor às suas idéias - apesar de ser da lavra do pensador alemão a frase ‘a única coisa que não mudará na minha filosofia é que ela mudará sempre’, o que nos faz supor que a esquerda mais conservadora não leu este pensamento. Marx dizia que ‘A história se repete, mas da segunda vez como farsa’. Ora, não há fatos inéditos na história, e sim personagens. Portanto tudo é história ou tudo é farsa.
Deixemos de lado os devaneios e fiquemos observando o que as decisões pessoais de Dilma podem trazer de positivo, e como ela enfrentará o chamado ‘fogo amigo’. O apoio deve ser sempre para quando ela estiver certa, como nesse caso da ‘regulamentação’.
É impossível falar de fantasia sem falar de um filme produzido nos estúdios de Walt Disney em 1940 – aliás, uma das primeiras fitas estereofônicas da história. Com o maestro Leopold Stokovsky à frente da imponente Orquestra de Filadélfia, 8 trechos de obras da música de concerto universal travam um diálogo mágico entre sons e imagens: Bach (“Toccata e fuga em ré menor”), Tchaikovsky (“Quebra-nozes”), Dukas (“O aprendiz de feiticeiro” - com Mickey Mouse no ‘papel’ de aprendiz: ver o vídeo ao final da postagem), Stravinsky (“Sagração da Primavera”), Beethoven (Sinfonia “Pastoral”), Ponchielli (“A dança das horas” - tendo animais como personagens), Mussorgsky (“Noite em Monte Calvo”, em um halloween) e Schubert (“Ave Maria”).
Todos os 24 quadros por segundo da “Fantasia” de Disney foram feitos à mão um a um, em estúdio; cada movimento do desenho acompanha com assombrosa perfeição cada tempo, cada compasso, cada frase das músicas executadas pela orquestra. O resultado artesanal de Disney – há mais de 70 anos! - serve para colocar certo pé no freio sobre a badalada genialidade tecnológica de Spielberg e seus seguidores. Disney fez tudo isso manualmente, várias décadas antes! O filme não é difícil de ser encontrado nas locadoras – quem já viu, sempre verá de novo; quem não viu, saiba que está perdendo uma obra-prima. (Abaixo, trecho de “O Aprendiz de Feiticeiro”, com Mickey Mouse no papel de aprendiz)
Hoje há patrulhas para tudo. Como as que criaram as cotas raciais nas universidades públicas, abrindo espaço para injustiças e até fraudes ao invés de buscar soluções sociais. Gritam contra qualquer coisa onde vêm algum indício de ‘homofobia’ – mesmo que não haja algum. Seria a cota negra uma espécie de ‘remorso branco’, lembrando o flagelo que a corte portuguesa e nossos antecedentes brancos impuseram à raça negra que escravizou? (Imagem: escravos, por Debret). Remorso tardio, portanto, pois acabou a escravidão, há uma miscigenação incomum em nosso povo, tudo caminha para um futuro mais igual para todos – o foco deve ser a justiça social. Porém, a igualdade racial não funciona por decreto. Ela é cultural. (E existe a “Lei Afonso Arinos”, de 1951, que pune todos os tipos de preconceito de raça, qualquer que seja ela).
O Ministério Público Federal de Uberlândia quer censurar a palavra ‘cigano’ em uma publicação. O termo tem diversas acepções, e vem de muito longe. No caso, seria ‘malaco’. Ora, ‘ganjão ou gajão’ é o termo com que os ciganos se referem aos não-ciganos. E por que não censurar também ‘baiano’ (preguiçoso), ‘turco’ (comerciante duro na queda), ‘mineiro’ (desconfiado), ‘carioca’ (malandro), ‘judeu’ (mão de vaca), ‘paulista’ (metido) que são usados popularmente e na literatura? Quando se entra em locais onde predominam negros, e eles se referem a alguma pessoa como sendo um ‘branquinho igual você’. Quem se incomoda? Acho que ninguém, eles o fazem carinhosamente... E muitos ainda dizem “uma moça (ou rapaz), de cabelo bom”...
E que dizer da pecha ‘português’, quando alguém quer dizer de outro que não entendeu alguma coisa? Tenho amigos portugueses e judeus que são os primeiros a desfilar piadas sobre suas origens! A ofensa está no contexto, na intenção, não na palavra, e é claro que elas existem aqui e ali. Uma coisa é o uso e costume em tom de brincadeira. Outra é a injúria e a ofensa. (Na foto, Estátua ao navegador português Gaspar Corte-Real, em Terra Nova).
E essa história dos afrodescendentes, tão nova mas já tão batida e desgastada? Pois ela ronda o que há de melhor na literatura e na música brasileira, e o primeiro exemplo pode ser o “Negrinho do pastoreio”, do nosso folclore, tanto na lenda quanto na música.
Talvez alguém lance seus olhos ‘corretos’ (sim, a espada da ‘patrulha’ há pouco passou rente à cabeça do Monteiro Lobato) sobre “O navio negreiro”, uma das mais importantes obras de nossa literatura, junto com “Gonzaga”, de Castro Alves, e “Iaiá Garcia” de Machado de Assis: ele mesmo conhecido como um 'mulato'. Há personagens negros libertados pela Abolição que continuaram fieis e subservientes aos seus amos. E que tal “O mau negro”, de José de Alencar, ou “O bom crioulo”, de Afonso Caminha, ele mesmo ex-escravo e gay, opção adotada quando passou a frequentar certos galpões da Marinha?
Mais de um século de músicas seriam postas de lado: “Vem cá, mulata” (1902), de Arquimedes de Oliveira e Bastos Tigre, “Urubu malandro” (autor desconhecido), “Esta nega qué me dá”, de Caninha e Lezute (1921), “Mulata Fuzarqueira”, de Noel Rosa, “O teu cabelo não nega”, dos Irmãos Valença e Lamartine Babo, “Por causa dessa cabocla”, de Ary Barroso (foto) e Luís Peixoto, “Nega do cabelo duro”, de David Nasser e Rubens Soares, e por aí vai. Sem falar em nosso ‘segundo hino’, a “Aquarela do Brasil”, com aquela ‘merencória’ introdução: “Brasil, meu Brasil brasileiro/ meu mulato inzoneiro...”. E o que seria de “Olha a cabeleira do Zezé” (“... será que ele é/será que ele é...”), do João R. Kelly e Roberto Faissal? E com o “Vira”, de J. Ricardo e Luli, gravado pelos Secos e Molhados (“Vira, vira, vira homem...”)? Em 1903 também já se cantava “O bonequinho”, de Bahiano, sobre um certo boiola da Lapa, e em 1931 “Mulato bamba”, de Noel, sobre o perigoso travesti carioca “Madame Satã” (veja e ouça abaixo).
Damos agora um salto no tempo para chegarmos ao “Upa, neguinho”, de Edu Lobo; ao “Sim, sou um negro de cor”, de Simonal (“Tributo a Martin Luther King”, foto), e também a Caetano: “A tua presença mantém sempre teso/ o arco da promessa/ (...) É negra, é negra, é negra, é negra, a tua presença”. E “Black is beautiful”, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, e “Preta, preta, pretinha”, dos Novos Baianos, quem não se lembra, vai?
E as ‘mães pretas’, de nossos pais, os “Ladinos e crioulos” (1964), livro de Édison Carneiro? Quem não sabe que D. Pedro I assinava cartas de amor para sua paixão secreta –‘pero no mucho’-, a Marquesa de Santos (ilustração ao lado), com um carinhoso ‘seu neguinho’ (Câmara Cascudo: “Dicionário do Folclore Brasileiro”). E o verbo que o povo fala sem pensar: ‘judiar’. Será que o populacho quer dizer que o personagem bíblico que ‘vendeu’ Cristo (e o ‘judiou’?) opõe o povo judeu ao cristão, quando na verdade o Salvador era não apenas também judeu, mas chamado ‘o rei dos judeus’. E ‘coitado’, você conhece a origem? Pois é palavra antiga, de ‘coito’, vinda do latim coactus, de ‘forçado a fazer algo coagido, violentado’. E o fulano que ficou “enfezado” (a origem da palavra é óbvia)? A gente fala todo dia, não?...
E as cançonetas populares como ‘Atirei o pau no gato’, ‘Boi da cara preta’? As versões feitas para apresentadoras de TV ‘politicamente corretas’ rasgam a tradição, ignoram a prosódia – que é a relação correta entre letra e melodia-, atropelam o ritmo e empobrecem a música. Ou alguma criança já atirou o pau no gato só por causa dessa música? Nunca ouvi falar de uma que seja. Puxávamos o rabo dos bichanos, mas era uma coisa que fazíamos quando bebês, sem pensar (foto). Fora isso, as crianças hoje estão mais ligadas nas novelas das mamães, nos games do irmão mais velho e nas redes sociais da Internet (quando podem dispor desses mimos, claro).
Para finalizar, é comum o povo referir-se ao patrão ou a pessoa ‘distinta’ como ‘dotô’. Mas é um gesto submisso, que vem desde a aristocracia e as oligarquias brasileiras. Nós continuamos a chamar médicos e advogados de ‘doutor’ por uso e costume. Mesmo que, a rigor, doutor seja aquele que fez o doutorado’ (também na medicina e no direito), assim como em outros idiomas. Por uso e costume, e não por submissão, continuarei a chamar esses profissionais a quem recorro de ‘doutores’. São coisas que a gente diz sem pensar, uso e costume. Que a palavra do povo nunca seja aprisionada: isso faria do nosso português uma língua morta, chata e pobre. (Veja e ouça abaixo ‘Café society’, de Miguel Gustavo, com Jorge Veiga, que começa com um “Doutor de anedota e de champanhota...” – letra feliz e muito divertida).
Por mais machistas que possam às vezes parecer, todos os comentários dos homens sobre as mulheres escondem uma reverência, uma adoração a elas. Tom Jobim (na foto, com Elis) cunhou aquela “nada no mundo é tão complicado que uma mulher não consiga piorar”. Vinicius de Morais suplicou para as muito feias "que me perdoem, mas a beleza é fundamental”. Ora, ambos foram dois dos maiores adoradores do outrora chamado sexo frágil na MPB. Já Chico gosta de cantar às vezes travesvestindo-se em seus versos da mulher de seus sonhos: “o meu amor / tem um jeito manso que é só seu / de me deixar maluca / quando me beija a nuca co’a barba mal feita...”. Ou “Quando você me deixou meu bem / me disse pra ser feliz e passar bem”. Essa cantou o Caetano: “ele é quem quer / ele é o homem / eu sou apenas uma mulher” (veja e ouça no vídeo abaixo). Essa inversão de papéis, essa vontade de entender o que a mulher sente é mais do que a nossa porção feminina, é tributo à mais inesgotável fonte de inspiração. Reverso da moeda, falso espelho, vontade de compreender quem deve apenas ser sentida e admirada.
A AMADA IMORTAL DE BEETHOVEN E AS MULHERES PODEROSAS.
Abençoados os que criam preciosidades musicais para suas amadas – sem citar-lhes o nome. Fala Beethoven em nome dos que não podem se expressar mas têm igualmente sua “K” (a “amada imortal”, mistério do compositor alemão) na vida.
A ascensão política feminina no século XX e no início do atual é incontestável: Eva Peron (foto abaixo), Thatcher, Michelet, Hillary Clinton, Indira Ghandi, Golda Meir, Benazir Bhutto, Cristina Kirshner e por aqui Marina Silva, Roseana Sarney, Dilma, Rita Camata, Marta Suplicy, Luiza Erundina, Angela Amin e Heloísa Helena (para todos os gostos e opiniões), além das ministras do STF Elen Gracie, Carmen Lúcia e Rosa Weber e a poderosa do CNJ, Eliana Calmon; são mais determinadas, mais justas porém mais implacáveis do que os homens - os rumos dos tempos futuros estão traçados para elas. Na ciência, Meitner e Madamme Curie, pensadoras, escritoras e líderes como Simone de Beauvoir, Marilena Chaui, Madre Maria de Calcutá e Zilda Arns.
Na música, a quase supremacia delas ao piano, especialmente as brasileiras Tagliaferro (na foto, com Villa-Lobos), Guiomar Novaes, Cristina Ortiz, entre tantas outras, além das insuperavelmente belas e virtuosas Jacqueline Du Pré, Anne-Sophie Mutter e as irmãs Labèque. Vai caindo por terra aquela woman is the nigger of the world (“a mulher é o negro do mundo”) de Lennon. Estaremos todos, de todas as raças, resignadamente dominados por elas e conformados. Veja e ouça a insuperável violoncelista Jacqueline Du Pré, abaixo (ainda criança!), tocando o intermezzo de Goyescas, de Granados:
MULHERES REGENTES, A VOZ DA VEZ E A MELANCOLIA PERFEITA DE CLARICE LISPECTOR.
Até o pódio dos maestros, de onde nem perto as mulheres chegavam – as orquestras eram exclusividade masculina, tediosos “Clubes do Bolinha” – foi invadido: vejam Chiquinha Gonzaga, a mais jovem Ligia Amadio, Marin Alsop e nossa amiga Naomi Munakata, do Coro Sinfônico da OSESP.
A era do vozeirão masculino na MPB parece viver momentos de estagnação. Parece que não se canta mais sem um par de saias, como indicam as recentes Maria Rita, Cássia Eller (foto), Badi Assad, Calcanhoto, Ana Carolina, Jane Duboc, Monica Salmaso, Zélia Duncan, Ná Ozetti e um longo e belo colar de nomes. Homens hoje são obviamente minoria na MPB; quando muito, um ou outro caso raro, ou um sertanejo, com voz entre contralto e falsete, jeito de femininas.
Amigas, nós não existiríamos nem viveríamos sem vocês - mães, esposas, namoradas, irmãs, amigas, colegas. Nós homens temos muitas falhas, mas mulher é como a democracia: tem lá seus defeitinhos, mas não foi criado nada melhor. Disse a grande escritora Clarice Lispector (ilustração): “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Temos que aprender a admirá-las sem compreendê-las.
UM PÉ NA BOLA, OUTRO NO DIREITO, E A CABEÇA NA MÚSICA.
Nascido no Rio, 1904, lá criado e vindo a falecer em 1963, Lamartine foi um gênio com criatividade especial. Teve uma infância precoce na música, compondo desde adolescente operetas e música religiosa, mesmo sem saber teoria musical. Seguiu a linha dos sambistas que abraçaram outros estudos –como Noel Rosa, médico de formação-, e levou o canudo de direito da conceituada UFRJ (a mesma do Luiz Fux, ministro novato do STF).
Lamartine caiu de vez no samba e tornou-se famoso com marchinhas: “Linda morena” e “O teu cabelo não nega, mulata...” – esta última, que a imbecilidade da patrulha do politicamente correto mutilaria (“afrodesecendente”?). Pois eram mulatas, mesmo, lindas como as do famoso Sargentelli, sobrinho do compositor. Pois 1904 foi uma bênção para nossa música popular: naquele ano também vieram se juntar a nós Araci Cortes, Luperce Miranda e Capiba, entre vários outros.
(Abaixo, vídeo com gravação de 1932 da famosa “Linda Morena”, que estourou no carnaval de 1933. Na voz do próprio Lamartine, Mário Reis e coro feminino. Repare como a gravação tem introdução e arranjos de caráter e hino militar -em marcha-, o que vem a mostrar que seu talento para hinos e para marchinhas populares fazia uma coisa contaminar-se pela outra).
O CORAÇÃO NO AMÉRICA, PRIMEIRO HINO, E SEUS PRESENTES PARA O VASCO E O FLUMINENSE.
Torcedor inveterado do América (aliás, “America Football Club”, como convinha ao então chamado ‘esporte bretão’), Babo compôs um belíssimo hino para a bandeira de sua paixão (vídeo ao final do texto): “Hei de torcer, torcer, torcer/ hei de torcer até morrer, morrer, morrer/ pois a torcida americana é toda assim/ a começar por mim...”. Claro, com um hino desses, as outras torcidas ficaram chupando dedo. Talvez, achando que era crueldade para com os adversários -Lamartine era afável, bom de papo e generoso -, passou a compor para todos os times do Rio. Veja e ouça a bela montagem sobre o hino do América:
O Vasco da Gama (1898) tem uma sede de regatas, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, em cujo píer brinquei minha infância e parte da adolescência (foto acima) - aliás, o time se chama Clube de Regatas por isso mesmo. Lamartine criou para o Vasco esta pérola: “Vamos todos cantar de coração: ‘a cruz de malta é o teu pendão’/ tens o nome do heroico português/ Vasco da Gama, tua fama assim se fez”. Enaltecia o time, o símbolo (a cruz de malta e a caravela no brasão) e o navegador lusitano que deu nome à agremiação. O clube foi criado por iniciativa dos remadores do clube, na bela Lagoa carioca.
E não ficou por aí: o Fluminense, que já tinha seu hino oficial, teve de abandoná-lo mediante a joia do presente de Lamartine (vídeo abaixo, com legendas): “Sou tricolor de coração/ sou dos clubes tantas vezes campeão/ fascina pela tua disciplina/ o Fluminense me domina/ eu tenho amor ao tricolor”.
HINO DO FLAMENGO: DO GRITO DE GUERRA DA TORCIDA AO ENCERRAMENTO DOS CARNAVAIS.
Como compunha como quem bate um prato de feijão com arroz, Lamartine cedeu aos anseios do Flamengo, cuja torcida era uma espécie de Fiel do Corinthians de antanho: “Uma vez Flamengo/ sempre Flamengo/ Flamengo sempre eu hei de ser/ (...) uma vez Flamengo/ Flamengo até morrer”. (Note aqui que o verbo morrer é recorrente não apenas nos hinos de times, mas também em outras obras do compositor). O hino do Flamengo é a marcha de encerramento obrigatória -faltou apenas um decreto do governo, para todos os bons bailes do carnaval carioca – e cantam todos juntos, porque o hino é do Flamengo, mas a folia é de todos! (Veja e ouça o vídeo abaixo).
MEU BOTAFOGO E OS TEMPOS IMBATÍVEIS (EM QUE SAMBISTA E JOGADOR MORRIAM POBRES).
E chegou a vez do meu Botafogo de coração: passei a morar a umas 3 quadras do clube, na praia do mesmo nome, onde jogava pelada com meus colegas de adolescência aos sábados (ver foto ao lado), e volta e meia puxava um ou outro jogador para umas bolas conosco. Esses jogadores eram ninguém menos do que Manga, Jairzinho, Gerson... craques e campeões mundiais! Manga catava umas bolas no gol, deixava entrar uma ou outra (por sentimento paternal), depois saía com sua maleta de plástico e ia para a rua... para pegar um táxi! Acredite, não tinham helicóptero, iate e nem Ferrari!
Mas voltemos ao meu time: “Botafogo, Botafogo/ campeão desde 1907/ foste herói em cada jogo, Botafogo/ por isso é que tu és” (1910 era para rimar com "tu és", até descobrirem um outro campeonato em, 1907, e mudaram a letra - sem rima). Veja e ouça o vídeo abaixo com slides (ah, antes de mais nada, o menininho que faz pipi no filme nada mais é do que no que um monumento copiado da Itália: depois de idas e vindas, o boneco chegou à frente da sede do Botafogo, onde ainda resta pipilento. Virou símbolo do time. Veja a foto -acima- do "Manequinho" que veio a se tornar ícone do Botafogo, e depois veja e ouça o hino):
A MORTE DE LAMARTINE, BOM DE COPO, O ‘KIT-FAMA’ E O PERÍODO DE ‘SECA’ NAS ARTES.
Cheio de amor em suas marchas, Lamartine só veio a se casar aos 47 anos, sofrendo um infarto fulminante apenas 12 anos depois. A morte, que tanto citara, lhe foi caridosa, caiu ‘como um passarinho’. Em “Cicatrizes”, Lamartine havia retomado o tema, talvez por causa de alguma desventura do passado: “Cicatrizes são feridas atrozes/ matando olhares e vozes/ e o desejo de viver”.
Os tempos de Lamartine foram chamados “A época de ouro”: atuavam no Rio Ari Barroso, Noel, João de Barro, Assis Valente, Vadico, Orestes Barbosa, Sílvio Caldas, Almirante, Carlos Galhardo, Moreira da Silva, Carmem Miranda... a lista é enorme! (Na foto, Lamartine e Cartola, de pé, Sinhôzinho, J. Efegê, Lan, Marcel Camus -isso mesmo, acredite! Para as filmagens de "Orfeu" - e assistente, e Da. Zica, esposa do Cartola).
Não, eu não vivi aqueles tempos, mas toquei muita coisa dessa época quando era novo, início de carreira, nas boates de Copacabana (Na foto, onde era o antigo “Beco das Garrafas”, berço da Bossa-nova). E aprendi a gostar. Para mim, houve dois divisores de águas da música popular: a “Época de ouro” e a bossa-nova – depois, o tropicalismo, que derrubou de vez as fronteiras entre diversos gêneros, como o rock, a Jovem-guarda, mesclando tudo isso com o antropofagismo cultural apregoado pela Semana de Arte Moderna de 1922.
Ai de quem me chamar de velho ao comparar esses bons tempos com os dias de hoje. Se tínhamos o Manga que pegava no gol para a molecada na saída do treino, hoje jogador famoso recebe logo o chamado “kit-fama”: corrente de ouro, carro importado e loura na cama – e talvez um iatezinho. Garrincha, o gênio, morreu miserável. Os da seleção de hoje ganharam status de estrelas pop americanas, e nossos mais medíocres expoentes musicais cantam mal, se vestem mal, compõem mal... mas têm uma “cachoeira” (palavra de amplo significado, nos dias de hoje) para gastar com os luxos mais estúpidos. Claro que não são todos, mas é a maioria deles.
Se a idade nos desperta a saudade dos bons tempos, não é porque estamos velhos: é porque já não há ‘bons tempos’ como no passado – que, pegando emprestado do Drummond, “é apenas um retrato na parede, mas como dói!” Seja no futebol, no samba, onde for, estamos em franca decadência há uns 30 anos. Mas isso não é exclusividade brasileira: as ideologias que os homens demoraram tanto para construir até o início do séc. 20 foram queimadas e suas cinzas espalhadas ao vento, e com elas o que tinha de melhor nas artes. É um ciclo da história. Mas que o Brasil precisava de mais “Lamartines”, na bola e samba no pé, ai, precisava sim! Para finalizar, por que não ouvir a ‘politicamente incorreta’ “O teu cabelo não nega”, gravada ao vivo pela Banda Imagem, em pleno carnaval de 2009 em... Brasília?