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segunda-feira, 18 de julho de 2011

AI! A novíssima geração vai ao ‘paraíso’

(Publicado em ‘O Progresso’ de 17 de julho)
Na íntegra

Imagine um ambiente em que você tem quase tudo: equipamentos para enviar e receber e-mails, acesso à ‘net’ para navegar, gerenciar arquivos, conversar de graça com pessoas no exterior, aplicar em ações na Bolsa, acompanhando as cotações, além de fazer transações bancárias, receber planilhas e textos.
Nas horas de lazer, você pode ficar sentado e trabalhar fotografias, modificá-las, ver filmes, DVDs, ouvir toneladas de músicas, jogar ‘games’ eletrônicos, ver a previsão do tempo para o mundo inteiro, verificar a temperatura externa, a umidade, a velocidade do vento e o fator ‘chill’, que determina a sensação térmica, aqui ou onde quiser. Ou, ainda, assistir a programas em algumas TVs ou rádios do mundo inteiro, descobrir o melhor caminho da rua Paulista para a rua Barrânia em São Paulo, ou da 1ª. avenida para o Madison Square Garden em N. York, medir distâncias sem sair do lugar, ler a bula e o princípio ativo de todos os medicamentos do mercado, saber o preço médio, usar um ‘scanner’ para copiar documentos  e enviá-los para onde quiser, tudo isso sem sair do lugar. E, claro, sendo mulher, dar aquela ‘revisada’ no batom, um toque no cabelo ou uma pincelada com ‘blush’ olhando-se em um espelho virtual.
Você pode ter à mão ferramentas importantes como um paquímetro para medir coisas das mais diminutas, um decibelímetro para testar o nível de ruídos ambientes e externos, controlando  sua exposição a esse perigo em potencial, converter metros em pés e libras em gramas, centímetros em jardas, litros em ‘pints’. Tem uma calculadora científica modelo HP, medidor de pulsação cardíaca, etc. Sem falar em livros, dicionários, enciclopédias em várias línguas, e até o ‘vade mecum’ da legislação, com os textos completos. Por isso tudo, pode ser um ambiente de pesquisa, se assim o desejar. Ah, tudo é sempre de graça em sua estação de trabalho e lazer.
Sua privacidade e a alheia, se assim quiser, podem ser violadas: você pode fuçar em segundos a situação fiscal de pessoas e empresas antes de fechar negócios ou contratar funcionários, ou ainda consultar os arquivos da polícia (antecedentes criminais), os Tribunais de Justiça, o STF, o STJ, bisbilhotar a vida dos outros com um binóculo – até mesmo um que ‘enxerga’ no escuro, como os equipamentos militares, acessar páginas pessoais na Internet em ato de voyeurismo eletrônico.
Mantenha seus amigos atualizados e viole sua intimidade, faça seu ‘reality show’ particular (inútil e insuportável como todos os programas na TV o são), revelando a cada hora ou meia hora o que está fazendo, com o prazer oculto (a psicanálise que o diga) de despir-se para o mundo utilizando – sempre sem pagar – o melhor que a tecnologia oferece nos dias de hoje. Localize seu celular esquecido em alguma loja da cidade, leia jornais e revistas. Jogue xadrez, palavras cruzadas, curando a ansiedade na sala de espera do dentista. “Seja marginal, seja herói”, como disse há décadas o artista plástico Hélio Oiticica. Salve uma vida, salve sua vida. Sem sair do lugar.
Onde fica esse ambiente, essa estação de trabalho e lazer? Como ele comporta tanta coisa assim? E você ainda pode levar esse espaço para onde quiser, em viagens ao sertão, ao exterior, ou ao escritório, atelier ou banheiro! Simples, não? Tudo isso tem as seguintes dimensões: 6 x 11 x 0,7 – centímetros. É uma geringonça menor do que um maço de cigarros que anda mudando o mundo, e se você não aderir agora, provavelmente o fará mais tarde, com a tecnologia banalizada em pouco tempo, a baratear o produto nos balcões das lojas e sítios da Internet, parcelado “em até 24 vezes sem juros” (sic), com a indústria produzindo desenfreada e descontroladamente.
O brinquedo se chama Aifone. Vamos neologizar (o verbo existe) o nome do aparelho, enquanto ainda dá tempo, pois o ‘Iphone’ apenas começou. Porque tem também o Aipode (‘Ipod’), o Aipede (‘Ipad’), ai... Ah, esqueci de dizer: também faz e recebe ligações telefônicas! E pode ser chamado na intimidade de celular, como os demais aparelhos. Bons tempos aqueles em que o grande poeta Manuel Bandeira sonhava: “Vou-me embora para Pasárgada, lá sou amigo do Rei. Lá tenho a mulher que eu quero na cama que escolherei. (...) tem um processo seguro de impedir a concepção. Tem telefone automático, tem alcalóide à vontade...”

Telefone da juventude de Manuel Bandeira

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