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terça-feira, 5 de julho de 2011

DUDAMEL E A ENTRESSAFRA DE MAESTROS

Íntegra do artigo publicado em ‘O Progresso’ no sábado, dia 2 de junho

O mundo viveu um período extremamente fértil no campo da regência, desde que se criou a figura do maestro ‘profissional’ (antes, os próprios compositores regiam suas obras). O alemão Hans Von Büllow (1830-1894) recebeu orientações de ninguém menos do que Wagner, e casou-se com a filha do virtuose pianista, regente e compositor Franz Liszt. Foi o precursor do ‘regente-não-compositor’, e abriu as portas para o reinado de Toscanini, Furtwängler, Karajan e muitos outros. A chamada ‘nova geração’ – Seiji Osawa, Abbado, Rattle -  já não é tão jovem assim: Osawa passou dos 76, Abbado dos 78 e Rattle é o ‘caçula’, com 56 anos.
No Brasil, não foi diferente. Depois de Eleazar de Carvalho e Isaac Karabtchevsky (este ainda em atividade), sem esquecer David Machado e os mais recentes Tibiriçá e Fábio Mechetti -, a entressafra é grande, a ponto de a OSESP contratar uma norte-americana, Marin Alsop. E o problema é maior: provavelmente nenhum desses nomes citados acima saiu regente de uma universidade, ou pelo menos aprendeu regência de verdade por lá. Regentes não são atraídos pela carreira acadêmica, de forma que, especialmente no Brasil, os professores dos chamados ‘cursos de composição e regência’ não pertencem à casta dos grandes nomes, sendo-lhes impossível, portanto, formar novos profissionais de maior quilate. Não é desmerecer a classe, é a realidade.
Gustavo Dudamel, aos 30 anos de idade, é um fenômeno - da regência ao marketing, figura meio ‘pop’ cuja imagem foi vendida com sucesso para o mundo. Pude vê-lo recentemente em São Paulo, e algumas coisas chamaram a atenção; primeiro, o traje: enquanto normalmente os músicos tocam de ‘smoking’, o regente usa casaca ou ‘summer’ branco. Quando tocam de terno, os regentes em geral optam entre o ‘smoking’ ou o ‘summer’. Dudamel se veste como seus músicos, de terno, e para receber aplausos desce do pódio (ficando à altura dos músicos). Esbanja tanta humildade que dá para desconfiar: já dizia o formidável professor da USP Aylton Escobar: “a modéstia é a arma dos soberbos e dos incompetentes”. Talvez não seja Dudamel  o segundo caso, mas tudo parece ser ‘ensaiado’ nele, como um regente concebido ‘in vitro’. As risadas e palhaçadas, como pulinhos e bravatas, ofuscam-lhe o verdadeiro talento de regente de primeiro mundo. Dudamel começou aprendendo no projeto ‘El Sistema’, da Venezuela, que ensina música clássica para 400 mil jovens, e foi parar à frente de uma fraquejante (financeiramente) Filarmônica de Los Angeles, uma das 10 melhores dos EUA – reerguendo-a e levando-a de volta à mídia. Dali, sai às vezes para reger algumas grandes orquestras do mundo.
Também da Venezuela, surge mais um novo talento. Este, segundo a primeira linha de críticos internacionais, está entre as ’10 melhores apostas para a regência mundial’: Diego Matheuz, de apenas 26 anos e 3 de carreira, é ‘adotivo’ de Claudio Abbado, de quem se tornou assistente, na Itália. Diferentemente de seu compatriota Dudamel, porém, Matheuz adota uma postura menos caricata, para assumir perfil mais tradicional, assumindo essas diferenças e forjando para si uma imagem que relembra a alvorada dos melhores regentes.
Nesses pouco mais de 100 anos da boa safra, criou-se a figura lendária do ‘maestro’ – ou ‘mestre’. Levaram às nuvens o poder, os cachês e salários, tornando as produções mais pobres, forçando os solistas a pedir cada vez valores mais altos, jogando em círculo vicioso de disputa pelo ‘vil metal’ os cachês de regentes a patamares ainda mais altos. Quem os consagra hoje não são mais os músicos, como na Filarmônica de Berlim: são comissões, conselhos, políticos, imprensa e, como dizia o memorável Mário de Andrade, “as madamas a chacoalhar suas jóias enquanto os maridos ficam nos corredores durante o intervalo fumando charutos e dizendo frivolidades”.
Um milionário norte-americano, Gilbert Kaplan, aprendeu, ‘de ouvido’ e com papeizinhos coloridos grudados na partitura, a reger uma única sinfonia, a 2ª de Mahler, o que faz frequentemente viajando pelo mundo (e ‘alugando’ orquestras). Toquei com ele na OSESP, há uns muitos anos.  Para a platéia, essa grandiosa 2ª. Sinfonia (“Ressurreição”) é um grande ‘show’ por si. Há ainda um belíssimo filme de Radu Mihaileanu – chamado ‘Le Concert’, – conta que o ex-regente da orquestra do Bolshoi, da extinta União Soviética, Andrei Filipov, reúne muitos anos depois em Paris 30 de seus ex-colegas. Vale ver. O ‘trailer’ do filme está disponível no ‘link’ abaixo, mas antes guarde para si uma pergunta: quem rege, no filme, é ator ou regente? Sua resposta ou sua dúvida podem servir de conclusão, comigo, deste texto.


Orquestra Simón Bolívar, de Dudamel
na imponente Sala São Paulo
Foto do blog

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