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sexta-feira, 27 de abril de 2012

I - PAU-BRASIL, PAU PRA TODA OBRA!

I – A CHEGADA DAS NAUS PORTUGUESAS.

Madeira nobre de nosso litoral (principalmente o nordeste), a espécie foi explorada à exaustão pelos colonizadores portugueses, com suas ‘armas e barões assinalados’, que naquela nebulosa viagem às Índias Ocidentais iriam buscar especiarias; contudo, devido a supostas ‘calmarias’, tiveram suas naus, “Santa Maria, Pinta e Nina” -como nos ensinaram nos colégios-, aportando na Bahia, a terra da promissão lusitana: Vera Cruz, Santa Cruz, e finalmente, Brasil.
O pau-brasil (caesalpinia echinata, da família das leguminosas) possui diversas variedades, como  o pernambuco, o pau-rosado, o pau de tinta e o sapão. Entre os indígenas, chamava-se arabutã, ibirapitanga ou orabutã. Da madeira era extraída tintura para tecidos, pois um simples verter de água sobre ela fazia escorrer uma tintura vermelha, que os portugueses utilizavam para colorir suas vestes, panos, cortinas e o que mais lhes conviesse. O pau-brasil era também muito empregado na fabricação de móveis, madeira extremamente resistente (não apodrece) que é inimiga de pragas como o cupim, pois além de dura é extremamente amarga. Muitos desses móveis coloniais permanecem intactos até os dias de hoje. Alguns postes de luz em Niterói (RJ) e cidades do interior são cobiçados, assim como no campus Butantã da USP e em inúmeros outros lugares. Na frente do Teatro do Conservatório de Tatuí há um belo e frondoso exemplar, plantado há 25 anos por Durvalino Longanezzi, motorista da instituição (foto acima). 

II - PAU-BRASIL, PAU PRA TODA OBRA!

O CONFISCO DA MADEIRA E A FABRICAÇÃO DO ARCO.

O pau-brasil quase desapareceu da costa brasileira, dada a ambição insaciável dos colonizadores. Em tempos mais recentes, o Governo Federal (Lei 6607/78) declarou o pau-brasil patrimônio nacional, em vista da eminente extinção da espécie, proibindo o corte. O Ibama confisca quantidades enormes de pau-brasil ilegal, e chegou a oferecer ao Conservatório de Tatuí lotes apreendidos no Porto de Santos, para serem usados na oficina de luteria. Hoje, só se corta se houver a contrapartida do replantio.
O preço da vareta crua – ou ‘virgem’ -, chega a mais de 300 dólares no mercado norte-americano. A madeira é trabalhada, curvada sob o calor de uma simples lamparina e tem esculpida sua ponta superior, onde se ata uma das duas pontas da crina; na outra extremidade, é encaixado o talão, geralmente feito com o lindo ébano negro de Madagascar, peça onde é atada a outra extremidade da crina. Um fino parafuso de ajuste do talão é inserido no centro da vareta, e serve para retesar para mais ou para menos a crina que irá friccionar as cordas do instrumento, produzindo o som. 

III - PAU-BRASIL, PAU PRA TODA OBRA!

OS ARCHETAIOS, ARTESÃOS DO ARCO.

Assim como entre os próprios instrumentos, cada arco é inteiramente diferente do outro em suas qualidades. A ponta é talvez a peça mais importante para a identificação do autor, pois seu desenho é uma espécie de ‘grife’ do artesão (na foto, uma ponta de arco "tourte"). O fabricante de arcos é conhecido como archétier (em francês) ou archetaio (do italiano), palavras ainda não incorporadas ao vocabulário nacional. (Já lutier - de luthier, em francês, que é o fabricante de instrumentos, é palavra devidamente dicionarizada).
Pela ponta do arco, podemos reconhecer a assinatura de alguns grandes famosos, a partir de Tourte –que foi quem consolidou o uso do pau-brasil, o parafuso do talão e a curvatura moderna, convexa: Peccatte, Voirin, Lamy, Lafleur, Lupot e Savart. Repare que os grandes archetaios são franceses, assim como os mestres maiores da construção dos instrumentos de cordas foram quase todos italianos (Stradivarius, Del Gesù, Montagnana, Rogeri, Ruggeri, Storioni, Da Salò...).

IV - PAU-BRASIL, PAU PRA TODA OBRA!

A TÉCNICA DO ARCO

Há alguns expoentes do violino que dizem preferir um excelente arco e um violino mediano a um excelente violino e um arco medíocre. Pois é essa vareta – mágica, por sinal – quem ‘ordena’ o som, sua duração, seu timbre, seus ataques, sua coloração e volume. Há toda uma gama de gestos e movimentos da mão com a vareta chamados ‘golpes de arco’: jeté, martelé, spiccato, gettato, col legno... Em meu livro “O arco dos instrumentos de cordas”, cataloguei esses golpes em verbetes, explicando-os, e foram nada menos do que 327 deles! É pau pra toda obra de arte!
(capa do livro acima, óleo sobre madeira de Henrique Boliani)
É o domínio desses golpes que fornece ao instrumentista as ferramentas para modelar sua interpretação, seja nos momentos agitados ou mais lentos aos agressivos ou femininamente suaves. E para não dizer que não postei música, vejam o Ministro da Cultura da Ucrânia exibindo seus dotes com o arco. Se não vale tanto pela qualidade musical, serve para demonstrar que tudo é possível com o arco, assim como fazia Paganini, com suas estripulias. E, a título de comparação, como andam países como a Ucrânia em relação aos seus Ministros de Cultura e nosso... pobre Brasil...

V - PAU-BRASIL, PAU PRA TODA OBRA!

SOM DOCE, PREÇO SALGADO.

Em 2007, um pregão do leiloeiro Tarisio, de NY, vendeu dois arcos de violoncelo da melhor linhagem de Tourte, peças que pertenceram no passado a Romberg e Piatti, que fazem parte da história do instrumento. Cada peça custou a bagatela de US$ 200 mil, ou seja, R$ 360 mil. Um bom peccate custa hoje na faixa dos $ 150, $ 300 mil dólares. O recorde ficou com um tourte, vendido em 2011 pelo leiloeiro Bonhan’s, de Londres, por meras 150 mil libras – R$ 434 mil. O grande violinista Jasha Heifetz (1901-1987), um dos maiores de todos os tempos, possuía um estojo especial para seus 8, 10 arcos. Para cada obra escolhia o ideal para a execução, a depender do estilo. Pau-brasil pra toda obra!

Conseguir comprar instrumentos e arcos dos grandes gênios artesãos (luthiers e archétiers) está cada vez mais longe do alcance dos músicos: um conjunto de violino e arco pode esbarrar em alguns milhões de dólares. Cada vez mais, são as grandes Fundações internacionais que presenteiam jovens virtuoses com instrumentos em regime de comodato: eles os ‘terão’ enquanto viverem. Mas tudo isso não deve ser motivo para sua preocupação, jovem músico: nem só de Rolls-Royces e Bentleys vive o homem, e menos ainda o glorificam.

BOA NOTÍCIA: BLOG COMPLETA 18.155 VISITAS EM 9 MESES E MEIO

Pela ordem decrescente, as visitas foram, além do Brasil, claro, de países como Brasil, EUA, Alemanha, Reino Unido, Portugal, Rússia, Suíça, Argentina, Canadá, Itália, Emirados Árabes e Espanha.
Abaixo, a situação quando da migração do blog antigo para o atual, blogspot:

Logo adiante, com reformulação gráfica, de conteúdo e outras, segue a captura da tela na sexta-feira, dia 27 de abril de 2012.

Se você quer ser ‘seguidor’ do blog, na faixa azul escura bem no topo da tela de seu monitor, ao lado do espaço de busca em branco, há a opção ‘seguir’. Clique lá e confirme.


Foram 385 postagens (artigos) até hoje, no blogspot, mais 68 pelo blog anterior, totalizando 453, e versando sobre os mais diversos assuntos, mas sempre com um pé na música. Foram 453 postagens entre os dois dois blogs, mas as cinco mais lidas das 291 do atual blogspot que você lê foram, pela ordem, “A Apple e a maçã-símbolo do ‘pecado’”, de 2 de dez de 2011 (278 visitas), “Geografia do Brasil: Rio de Janeiro, parte 2/5”, de 27 jan de 2011 (246 visitas), “Nelson Rodrigues, o ‘Anjo Pornográfico’”, de 10 fev 2012 (245 acessos), “Filme novo?”, de 12 set 2011 (222) e “Leis que pegam e leis que não pegam”, de 8 nov 2011 (157 visitas).


Uma média de 1.911 acessos por mês, 65 por dia. Obrigado pela leitura!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

I - O ENLACE INCESTUOSO ENTRE A MÚSICA CLÁSSICA E O PODER PÚBLICO

I – Nuremberg, os Mestres Cantores e os vapores do Danúbio

No século XVII, a prefeitura de Nuremberg, Alemanha, resolveu disciplinar seus músicos, afeitos à costumeira baderna nos ensaios. Proibiu ensaios fora da prefeitura (foto ao lado), e passaram a ter a estrita vigilância de um subprefeito que conhecia música, para não ser ludibriado. Além disso, mais burocracia: passaram a classificar os músicos em categorias. O iniciante era um Schüller; quando promovido, tornava-se um Schüllfreund; depois, Sönger, assim que aprendia a ler música (Tablatur). Com o tempo, chegava ao posto de  Dichter e finalmente Meister. Quem não conhece a ópera “Os mestres cantores – Die Meistersinger - de Nuremberg”, de Wagner, e sua famosa abertura? (veja e ouça no vídeo abaixo). Os cantores eram classificados em Singermeister, Singermeistermeister, e finalmente em Singermeistermeistermeister. Não é piada, é sério.  Coisas da língua alemã. 

O ‘Guinness’ registra como palavra mais longa um certo... Donaudampschiffartselektrizitaetenauptbetriebswerkbauunterbeamtengesellschaft: ‘Clube dos Oficiais de Vapor do Rio Danúbio’. Haja fôlego.

[Abaixo, veja e ouça a Filarmônica de Viena, regida por Christian Thielemann, na abertura da ópera “Die Meistersinger von Nürnberg]


II - O ENLACE INCESTUOSO ENTRE A MÚSICA CLÁSSICA E O PODER PÚBLICO

II – Mozart, Haydn e o poder
Mozart (1756-1791) foi compositor oficial da Câmara Imperial de Viena, recebeu encomendas de Leopoldo II e encantou Francisco I e Guilherme II. Haydn (1732-1089, ilustração ao lado) foi protegé do Príncipe Esterhàzy. Este, ao ouvir falarem sobre o popular compositor vienense, convidou-o para um encontro no palácio. Deu-lhe um cargo, mas pediu que lhe dessem um ‘banho de loja’: botas de salto alto (Haydn era baixinho), certo pó de arroz e rouge no rosto, já que era tísico, e uma bela peruca, os dedos cheios de anéis. Haydn também compôs para o Conde Von Morzin e Frederik William, rei da Prússia. (Divertido: Beethoven apelidou Haydn, que fora seu professor, de “Velha Peruca”. Pois a “Peruca” do professor transitava com desenvoltura nos círculos do poder e da nobreza).

III - O ENLACE INCESTUOSO ENTRE A MÚSICA CLÁSSICA E O PODER PÚBLICO

III – Burity, a Sinfônica da Paraíba e o Espaço Cultural
Saltando no espaço e no tempo, Tarcísio Burity, Governador da Paraíba (1979/87 e 1982/91), foi um político famoso, falado e cantado em cordel como coroné ao estilo da velha oligarquia nordestina. Como a esposa do governador queria porque queria trazer o Chico Anysio para um show em João Pessoa, e a produção disse que não havia uma sala compatível com o espetáculo, a primeira-dama, com todo o poder que mulheres de governantes têm ‘intramuros’, exigiu que fosse construído um teatro magnífico. Pois em pouco tempo foi levantado o ‘Espaço Cultural’ (foto acima). Burity, orgulhoso por essa súbita visibilidade no meio cultural, teve o insigne maestro Eleazar de Carvalho como Regente Titular da Orquestra Sinfônica. Eleazar levou para lá alguns dos melhores músicos do país, assim como diversos do exterior, e criou um festival com grandes nomes, como Parisot e Gingold, expoentes do violoncelo e do violino.

IV - O ENLACE INCESTUOSO ENTRE A MÚSICA CLÁSSICA E O PODER PÚBLICO

IV – O atentado à vida de Burity e o renascimento da música na Paraíba sob a batuta de Alex Klein
Cunha Lima, sucessor de Burity no governo paraibano, não escondia que era um bronco e nem ligava para esse tipo de “biscoito fino”. Perguntado pela imprensa se manteria a Orquestra Sinfônica, o governador novato soltou uma de suas bravatas: “meu negócio é orquestra sanfônica”. E disse mais: “num dô dois conto pra tocador de bumbo”. 
Anos depois, em 1993, desafetos os dois na música e na política, Lima entra no restaurante Gulliver e dispara 3 tiros em Burity (na foto, capa da Veja sobre o assunto). 
Coisa de sertão paraibano, terra de macho. E a cabeça da orquestra passou a viver sob a ‘espada de Dâmocles’ (ilustração ao lado) da desativação, descaso. 
Por obra e graça da usual ‘cornetada’ política, recentemente espalhou-se maldosamente que o Secretário Chico César tinha intenção de pulverizá-la em pequenas bandas pelo interior. O mal entendido foi desfeito com a nomeação de nosso amigo e grande músico Alex Klein, de altos coturnos internacionais.

V - O ENLACE INCESTUOSO ENTRE A MÚSICA CLÁSSICA E O PODER PÚBLICO

V – A “visita da velha senhora” e uma canhestra heresia
Por volta de 1995, durante a gestão Paulo Maluf na Prefeitura de São Paulo, uma senhora, conhecida da primeira-dama Da. Silvia, pediu-me uma reunião, já que eu na época tinha cargo de direção no Teatro Municipal de São Paulo, frente à sua Escola de Música. A ‘visita da velha senhora’ – com a devida licença por pegar emprestado um título do dramaturgo Dürrenmatt (ilustração da época) – era o pano de fundo para um pedido de contratação para o filho dela como professor. Sem quaisquer condições ou experiência, restou-me a negativa; insistente, a zelosa mãe escreveu diretamente ao Prefeito Maluf, o que, por sua vez, como de praxe na burocracia, gerou um expediente (processo), a cuja documentação foi juntado um poema da lavra de seu talentoso rebento, um texto que reproduzo fielmente a seguir: “Maluf nosso que estás no auge/ glorificado seja o teu nome/ (...) seja eleita a tua pessoa/ assim em São Paulo como em Brasília./ O pão nosso de cada dia barateai hoje/ (...) e não nos deixeis morar embaixo da ponte/ mas livrai-nos dos marajás/ amém”. Não colou, ainda mais com essa heresia absurda. 

VI - O ENLACE INCESTUOSO ENTRE A MÚSICA CLÁSSICA E O PODER PÚBLICO

VI – Música clássica e Poder Público: o enlace umbilical e as Organizações Sociais
O flerte entre o poder e a música é tão visceral, no Brasil, que faz parte do vocabulário político desde que um primeiro fulano acusou sicrano de ‘orquestrar’ uma campanha contra o governo, que o Plenário, “em coro”, aprovou as medidas, que a oposição fica “batendo no mesmo bordão”, que os sindicatos vão “botar a boca no trombone”, e que o adversário ‘enfiou a viola no saco”.
Ilustração: Glória a Deus Pai e os Anjos, afresco de Fiammenghino (1608)
Ora, o que fazer? Esse enlace (música clássica e governo) é um casamento incestuoso, pois também é umbilical. Se uma parte é por natureza autoritária a outra é submissa, porém nem sempre fiel. Contudo, a união é absolutamente necessária, já que a música clássica é deficitária por natureza, é amante teúda e manteúda. 
Com o advento das Organizações Sociais, associações civis sem fins lucrativos que passaram a ser contratadas pelo Governo - sob a mais estrita vigilância quanto ao cumprimento de metas pré-estabelecidas e prestação de contas -, a relação foi recomposta e modernizada. A gestão de equipamentos como a OSESP (foto acima) e o Conservatório de Tatuí (ao lado), por exemplo, foi dotada de maior autonomia e flexibilidade, abrindo à música clássica e seu ensino caminhos para a construção de um futuro que seja espelhado não nas relações emperradas de antigamente, e sim na história das melhores orquestras e escolas de música do mundo. 

BOA LEITURA: CONSERVATÓRIO DE TATUÍ NO CÉU AZUL

MATÉRIA DA REVISTA CÉU AZUL, DISTRIBUÍDA POR COMPANHIAS AÉREAS, FALA SOBRE O CONSERVATÓRIO DE TATUÍ:
“A CIDADE QUE RESPIRA MÚSICA” – 250 MIL EXEMPLARES, 1 MILHÃO DE PASSAGEIROS:




sexta-feira, 13 de abril de 2012

O SOM DO SILÊNCIO - Parte 1

“Ninguém ousou perturbar o som do silêncio” – Parte 1

“Olá escuridão, minha velha amiga/ vim conversar com você novamente/ (...) e a visão que foi plantada em minha mente/ ainda permanece dentro do som do silêncio” (...) “meus olhos foram atacados/pelo brilho de uma luz de neon/ que cortou a noite/ e tocou o som do silêncio” (...). E prossegue: “pessoas conversando sem falar/ pessoas ouvindo sem escutar/ ninguém ousou perturbar o som do silêncio”.


O SOM DO SILÊNCIO - Parte 2

Os silêncios de Beethoven e Leboyer

Essa linda letra da música de Paul Simon e Art Garfunkel (The sound of silence) bem demonstra a força, o poder do silêncio. Não foi à toa que Beethoven um dia disse que “o som é prata, mas o silêncio é ouro”. É no silêncio que se encerra o mistério maior, o universo, o vácuo, o antes e o depois da vida. Silêncio tem a ver com reflexão, contemplação. Porém, contraditoriamente, o silêncio não existe de fato para nós. 


Neste exato momento em que escrevo, com o ar condicionado silencioso de minha sala em casa ligado (e nada mais), um aplicativo instalado em meu celular mede absurdos 60 dB – sessenta decibéis (medida de volume sonoro), apenas 30 abaixo do limite para o início de uma perda neurossensorial (nome elegante para surdez parcial), se exposto diariamente por mais de 8 horas.
Então não existe o silêncio? Ora, conceitualmente sim, claro, mas na realidade não. Explico: experiências feitas com voluntários confinados em uma câmara virtualmente à prova de som demonstraram que, ainda assim, o ser humano ouve basicamente dois ruídos: um bem agudo, que é produzido pelo sistema nervoso, e outro grave, o da circulação sanguínea. Leboyer, pesquisador com experiências pioneiras em partos, colocou recém-nascidos em espécies de banheiras com água morna, em quartos quase escuros. O ambiente possuía caixas acústicas com um som grave, suave e oscilante, como que reproduzindo, nessa ‘transição’ gradual do saco amniótico para a vida exterior, o que os bebês deviam sentir quando ainda nas barrigas de suas mães (foto acima). Mais ainda: um homem lançado ao espaço ouve seus próprios sons internos, embora um desses aparelhinhos (decibelímetros) possam acusar nível zero dB, uma vez que no vácuo não existe material por onde o som possa se propagar. O silêncio, pasme, a rigor não existe para os seres vivos, e nem mesmo para os surdos. “No princípio era o verbo, e o verbo era Deus, e o verbo estava com Deus” (Jo 1:1-3): o verbo, a palavra (lat.: verbis), o som do silêncio, portanto, sempre existiu, e muito antes de nós - e continuará a existir para sempre.   

O SOM DO SILÊNCIO - Parte 3

O silêncio de John Cage 

O norte-americano John Cage, que completaria seu centenário de nascimento neste ano de 2012, curiosamente, teve em uma obra inusitada sobre o silêncio a celebridade fora do mundo contemporâneo e acadêmico: 4’33” (leia-se: 4 minutos e 33 segundos). Nesta obra para piano (que tem sido executada por outros instrumentistas também), o intérprete senta-se ao banquinho, em frente ao instrumento, observa um cronômetro ou  um relógio e, durante o tempo que dá título à peça, não toca absolutamente nada. Sobre esta obra, o próprio compositor lança um sofisma (‘sofisma’ é um raciocínio de aparência lógica, mas na verdade um ‘jogo’ que não leva a conclusão alguma): “A música é feita de sons e silêncios. Não tenho nada para falar. Portanto vou dizer”. Absurdo? Não. Lembre-se da letra de “Som do silêncio”, de Simon e Garfunkel: “pessoas conversando sem falar/ pessoas ouvindo sem escutar/ (...) ninguém ousou perturbar o som do silêncio”. 

O SOM DO SILÊNCIO - Parte 4

O silêncio dos grandes mestres


O silêncio – que nós materializamos, na música, em forma de pausa -, é um elo precioso na  arte musical. Preciosas são as pausas que nos fazem prender a respiração logo após as quatro primeiras notas na introdução do primeiro movimento na 5ª Sinfonia de Beethoven (o ”tchã-tchã-tchã-tchã”). Esta sinfonia é toda permeada de pausas: suspenses, surpresas. As pausas são tão importantes na música que têm sua duração calculada e interpretada, exatamente como as notas. A Sinfonia nº 2 (1872) de Bruckner ficou conhecida como “Sinfonia das pausas” exatamente pelas diversas e enormes delas para toda a orquestra, dotando o texto musical de grande dramaticidade. 
Em “Assim falou Zaratustra” (1891), um dos temas utilizados na “Odisseia no espaço”, de Stanley Kubrick, Richard Strauss (1864-1949) deixou uma longa pausa após as sucessivas e fortes batidas dos tímpanos, preparando para o glorioso solo de trompete. No dramático Prelúdio do 1º ato da ópera “Tristão e Isolda”, de Wagner (vídeo abaixo), o lamentoso solo introdutório do violoncelo é sucedido por uma das mais belas pausas. Em vista disso, o leitor leigo já pode compreender, agora, que o breve intervalo -sem aplausos!- entre os movimentos de um concerto ou sinfonia é fundamental para a compreensão dessas obras, pois faz parte delas.


O SOM DO SILÊNCIO - Parte 5

Os silêncios de Eleazar de Carvalho e de Hamlet


A melhor definição por mim ouvida para essa ‘materialização’ do silêncio, consubstanciado em pausa musical, veio de Eleazar de Carvalho, maestro de todos nós (que este ano também estaria completando seus 100 anos). Com sua sabedoria, em um ensaio, o maestro proferiu esta pérola - ou melhor, este puro diamante, com a voz potente e dramática de grande ator, pausada e com os olhos esbugalhados, como na peça “Hamlet” de Shakespeare: “O rei...está...morto!!!”.
Foi assim que o maestro resumiu sua definição de silêncio enquanto pausa, esbravejando as frases com largos intervalos entre si, ressaltando em ‘fortissimo’ os acentos tônicos de cada palavra: “o silêncio... é uma faca!... sem lâmina... e sem cabo!!!”. Pausa na orquestra. Depois, silêncio. "Intervalo!"

quinta-feira, 5 de abril de 2012

POR QUE SOU CONTRA A “MÚSICA ERUDITA” – Parte 1 de 4

Música clássica e música erudita

Calma lá. Não tire conclusões precipitadas. Erudito e erudição (do latim: eruditio+onis), termos existentes nos mais diversos idiomas, encontram um uso meio atravessado na língua portuguesa do Brasil, totalmente desvirtuado de seu conceito e sua etimologia (origens e evolução da palavra).


Curiosamente, em Portugal não existe a tal ‘música erudita’, como se usa por aqui. Em alemão, temos Gelehrsamkeit; em espanhol, erudición; em francês, érudition; em inglês, erudition; em italiano, erudizione, e por aí vai. Em nenhuma dessas línguas existe a expressão ‘música erudita’; entre todos os povos, emprega-se Klassischemusik (al.), música clásica (esp.), musique classique (frn.), classical music (ing.), musica classica (it.), respectivamente, quando a referência é a música de Bach, Mozart, Beethoven e tantos outros.

Recentemente, falando sobre esse malfadado costume brasileiro com um amigo, o maestro Felix Krieger (foto à direita, crédito ao site http://www.xpress.com.br/), de Berlim, este mostrou-se estupefato quando lhe falei sobre esse nosso vício, nossa ‘música erudita’ – e disse mais, que achava que não fazia o menor sentido, não tinha o menor cabimento! E ficamos com a nossa Klassischemusik – aliás, couvert saboroso de nosso almoço, no restaurante convenientemente chamado ‘Opera Mix’, em Tatuí.

POR QUE SOU CONTRA A “MÚSICA ERUDITA” – Parte 2 de 4

JK e as sutilezas da burocracia estatal

Ora, o Brasil tem lá suas peculiaridades e seu ‘jeitinho’ para tudo. Para cada problema, quando não há solução, existe um remendo. Em 1959, após um sarau que comoveu JK (ver foto ao lado), o presidente ‘pé de valsa’ mandou regulamentar a profissão do músico, o que viria a acontecer em 1960 (Lei 3.857, de 22 de dezembro). Em 1961, foi criada a Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC/RJ. Mas os vencimentos dos funcionários federais de carreira, de formação mais básica, não poderiam pagar o músico da orquestra (às vezes sem formação de segundo grau) com salários condizentes com a nobre profissão. Simples: com a denominação de ‘professor de orquestra’, no quadro de cargos e salários federal, os músicos da OSN puderam ser enquadrados em parâmetros salariais bem acima da média dos demais servidores públicos. Possivelmente, foram equiparados aos professores universitários federais.

Belo truque. O mais incrível é que o título ‘professor de orquestra’ permanece, por uso e costume, em parte das orquestras brasileiras e nas anotações das carteiras de trabalho assinadas. Os  solistas de ‘naipe’ ou seção (líderes das primeiras estantes), eram chamados ‘chefes de naipe’, pois os que ocupavam esses postos eram de confiança do maestro, e intermediários de seus subordinados, os músicos ‘de fila’ (ou seja, os demais). Essa denominação ainda resiste em Campinas e Belo Horizonte, mas deixou de ser usada na maioria das orquestras brasileiras.

POR QUE SOU CONTRA A “MÚSICA ERUDITA” – Parte 3 de 4

A música na universidade

Voltemos à erudição, e aos novos jeitinhos. O Conservatório de Música do Rio de Janeiro (1848) passou a Instituto Nacional de Música (1890), e depois, em 1931, foi incorporado à Universidade do Rio de Janeiro. Em 1937, passou a se chamar Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, e, em 1965, por decreto, Escola de Música da UFRJ (Foto). Com os músicos e professores brasileiros sem diploma superior (já que não havia tal curso até então), como é que eles seriam admitidos na universidade sem o devido diploma? Ora, recorreu-se à figura do ‘notório saber’, para justificar essa intrusão dos poetas da arte dos sons nas cátedras eruditas – todas encasteladas e isoladas do mundo, imersas no mais profundo saber da pesquisa acadêmica.

Com essa terminologia mágica, foi estendido aos músicos o mesmo padrão dos sábios arautos catedráticos do direito, da economia e da medicina, todos de toga e capelo (capa e capuz dos titulares das grandes e antigas universidades).

Ora, o professor da música de Mozart (ilustração ao lado) e Beethoven não era um sambista que tocava ‘de ouvido’, pensaram, justificando o ingresso deles no seleto clube acadêmico. Daí, criou-se para eles o título de ‘músico erudito’!

Verdade seja dita: o Rio de Janeiro, onde o termo ‘música erudita’ surgiu, foi um dos primeiros estados que, há uns bons anos, o aposentou. E adotaram duas denominações para o gênero: ‘música clássica’ – como nas demais línguas, no mundo inteiro -, ou ‘música da concerto’, sendo a primeira quase consenso. Assim, a música do Rio afinou-se com a música do resto do mundo na denominação ‘clássica’. Se é assim no mundo inteiro, por que haveria de ser diferente no Brasil?

Um gozador norte-americano, chamado Peter Schickele, publicou um livro em que mostra sua descoberta de partituras originais de um certo PDQ Bach, certo filho - que nunca existiu - renegado de Johann Sebastian Bach. É um esculacho total à ‘erudição’ musical. Veja pela capa do livro, ao lado.

POR QUE SOU CONTRA A “MÚSICA ERUDITA” – Parte 4 de 4

Clássicos, classicismo e música clássica

O período do classicismo na música é aquele que vai aproximadamente de 1750 a 1830. Esse seria o período de Haydn, Mozart, e quase toda a obra de Beethoven. Mas clássicos, classicismo e música clássica são coisas diferentes. Para que não restem controvérsias, clássicos podem ser Tom Jobim, Duke Ellington, Piazzolla (veja e ouça o vídeo abaixo) e Gershwin, no sentido de serem modelos, gênios que cunharam com perfeição suas obras, elaboradas segundo suas próprias concepções, e destinadas à perenidade. Sem nos esquecermos do classicismo grego, muito distante do período clássico como estilo de época. E não é que se diz que Fla x Flu e Corinthians x Palmeiras são clássicos do futebol, bem como “E o vento levou” e “Ben-Hur” são clássicos do cinema?


Portanto, abandonemos, aproveitando este momento, o termo ‘erudito’, que tanto mistifica o trabalho do músico e o distancia do povo; deixemos essa erudição às cátedras universitárias, onde musicólogos pesquisam a música, seus fatos e sua história com pretendido rigor científico, assim como os cientistas sociais, pesquisadores de física e de química. Enquanto isso, fartemo-nos de ouvir a música de Mozart, Beethoven, Bach, Brahms, Wagner e Villa-Lobos. “Bebei o vinho, embriagai-vos!’’, disse o poeta Baudelaire. Embriagai-vos de música clássica! (Veja e ouça abaixo A Filarmônica de Berlim, sob a batuta de Trevor Pinnock, executando trecho do primeiro movimento da Sinfonia nº 40, de Mozart).