LIVROS

LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****

sábado, 29 de setembro de 2012

SE O MEU STF TOCASSE...


I – Barbosa, Beethoven, Lewandowski, Liszt, Fux e Barenboim.
Beethoven
Joaquim Barbosa, mineiro de Paracatu e relator da Ação Penal 470, vulgo “mensalão”, toca piano e violino. Poderia ser Mozart, com esse duplo talento, mas seu gênio caudaloso e minucioso o aproxima mais de Beethoven. Fosse maestro, pela pompa, circunstância e serenidade, um Eleazar de Carvalho.






Liszt
O carioca Lewandowski, revisor, teria mais a ver com Haydn e Mozart e suas terminações femininas, resolvendo as dissonâncias no tempo forte. Como regente, seria preciso e econômico na interpretação, como George Solti conduzindo clássicos. Com o visual de hoje, o revisor lembra o virtuose Franz Liszt, mas seus votos no “mensalão” fazem contraponto renascentista sobre o cantus firmus de Barbosa.
Barenboim
Luiz Fux, carioca como Lewandowski, lembra o maestro Daniel Barenboim quando jovem: topete saliente, batuta segura. No popular, Elvis Presley, talvez, mas nada de Love me Tender, Love me Sweet... mas quem sabe outro sucesso, Jailhouse Rock (“Rock da Cadeia” – veja ao final da postagem). O voto de Fux sempre carrega em algum lugar o elemento surpresa, que ora pode ser uma cadência frígia – que termina meio tom acima do principal -, ora uma cadência plagal, que vem por baixo, fazendo a subdominante “emergir” na tonalidade principal.

II – Cármen Lúcia, Karajan, Celso de Mello e Schönberg.



O semblante da mineira Cármen Lúcia pode parecer amargurado, mas revela também a paciência e sabedoria das boas avós. Prefere votar de cor, e com seus cabelos naturalmente grisalhos, poderia ser um regente como Herbert Von Karajan: controle absoluto da música na cabeça, e doce mesmo ao dar uma sentença amarga. Quando escreve sobre servidores públicos, lembra Haydn e seus funcionários - mas não obedece ao príncipe como o compositor.
Toscanini
Schönberg
O tatuiano Celso de Mello, o mais antigo na corte, se fosse regente com certeza seria Toscanini: fiel à letra da partitura, faz uma leitura distanciada, quase que desprovida de emoção pessoal. A fidelidade ao texto era marca registrada do maestro italiano, que comungava com o ministro grande erudição. Se cantor popular, Mello seguramente seria um João Gilberto, aquela batida discreta no violão, a voz sem grandes ondulações e alterações de volume. Como compositor, talvez fosse Schönberg, pai do dodecafonismo, criando sobre regras bem definidas e matematicamente calculadas. 

III – Marco Aurélio, Eleazar, Rosa e Carl Maria Von Weber.

Eleazar de Carvalho
O Max de Weber,por Louis Gentille

Marco Aurélio de Mello, também carioca da gema, talvez o mais sorridente da corte, lembra o maestro Eleazar de Carvalho com suas as “polainas” brancas nos cabelos. Mas sua regência seria mais emocional, com certa ginga, como Leonard Berstein. Bom carioca, o jeito calmo de falar, cantaria com a voz meio grave do Tom Jobim, entre o cool e o apaixonado, se é que é possível. Já a gaúcha Rosa Weber tirou a sorte grande musical já no nome: Constanze Weber, paixão eterna de Mozart, ou ainda Carl Maria Von Weber, que brilhou na transição do classicismo para o  romantismo. Mas Rosa não tem nada a ver com a ópera “O Franco-atirador” (Der Freischütz) de Weber, drama em que Max dispara sete balas, sem saber que uma pertence ao diabo. Na teoria musical, ela seria a cadência de engano, que ao invés de resolver na tônica, acorde principal, vai para a chamada relativa menor, frustrando os que apostavam em uma suposta parcialidade em vista de sua recente nomeação pela Presidente.  Enganaram-se os que acreditavam na cadência que julgaram mais óbvia, mas persiste em alguns votos a relativa menor. 

IV – Britto, Mazur, Toffoli e Silvio Silva Jr.


Ayres Britto, sergipano presidente da Casa, traz no rosto a segurança do sertanejo, pois, como bem lembrou Euclides da Cunha em seu “Os Sertões”, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.  Ao dirigir a mais alta corte do país, rege com a precisão e a determinação de Kurt Mazur, gestos precisos e econômicos, conduzindo o ritmo com a rédea curta. Cantor, seria talvez um Zé Ramalho, lembrando suas raízes nordestinas, mas com a argúcia sizuda de um Renato Russo.
Stan Getz
Já Dias Toffoli, paulista, é um novato com menor domínio da partitura, um artista antes desconhecido; talvez na MPB fosse o Silvio Silva Jr. Mas quem é Silvio? Ora, você não sabia? Mas a música dele você conhece. Silvio foi parceiro de Aldir Blanc em “Amigo é pra essas coisas”. “Muito obrigado, amigo / - não tem de quê / - por você ter me ouvido / - amigo é pra essas coisas (...) / - sua amizade basta / - pode faltar / - o apreço não tem preço...”  Ou seria um Stan Getz, aquele saxofonista americano de improvisos econômicos, calculados, um “cool jazz” nada emocional. Mas também tem suas surpresas, não é uma partitura 100% previsível. No solo de clarineta meio monocórdico (monocórdio: instrumento de uma corda só criado na Grécia antiga), tenta afinar com o violino spalla (Lewandowski). [Veja e ouça abaixo “Amigo é pra essas coisas, de Silvio Silva Jr. e Aldir Blanc, pelo MPB4]

V – Gilmar Mendes, Brahms e Diego & Diogo.

Joahannes Brahms

Gilmar Mendes, matogrossense de raiz, estudioso do código civil, seria um compositor que escreve com uma pena mais dura, de melodia sofrida, como foi sua aprovação para o STF, que logrou obter após 16 votos a 6 na comissão do Senado. Seria talvez Johannes Brahms, que levou 10 anos para terminar sua 1ª Sinfonia, mas deixou-a para a história. Na época da indicação de Mendes, o jurista Dalmo Dallari publicou um artigo na Folha de São Paulo que levou o ministro (sem sucesso) a mover-lhe uma ação penal. E pensando in dubio pro reo (“na dúvida, para o réu”) Mendes ficaria bem com uma dupla de conterrâneos dele lá de Cuiabá, Diego & Diogo, autores de “Sem Defesa” e “Perdoa”.  

domingo, 23 de setembro de 2012

O SOM NOSSO DE CADA DIA

Pau Casals
I – “TECENDO A MANHÔ.
Não resisto a esse título de um poema de João Cabral. Acordo às 6h30, os peões da obra em frente à minha casa já falando alto. Estranho costume esse, de se conversar à distância, ou de um lado do balcão da padaria para o lado onde se senta um outro. Às 7h, os peões ligam o rádio, e saio às vezes com a boa e velha moda de viola, em outras aquele estilo mais “brega chic” de sertanejo. Ligo o carro e com ele um de meus muitos CDs de violoncelo, hoje a primeira das seis suítes de Bach para o instrumento, que alterno entre dois mitos: Pau Casals e Jacqueline Du Pré. (Quando ouço música por livre escolha, sou muito seletivo, só gosto do “crème de la crème”, como dizem os franceses).

II – “SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI” E O BANDONÉON.



"Seja Marginal, seja herói"
(Agora o subtítulo é uma citação de um trabalho do artista plástico Hélio Oiticica). Infelizmente (ou felizmente, pois não moro em metrópole), dura pouco o meu trajeto: de casa até o trabalho, chego em coisa de seis, sete minutos. Para variar, talvez um pouco de Dave Brubeck, um jazz inteligente com aqueles compassos que balançam a gente confundindo o tempo forte, o nosso “chão”. Tendo ido a São Paulo ontem, para uma gravação na TV UOL, poderia ter ouvido a integral daquelas 6 suítes, sendo que as três primeiras na rodovia Castelo Branco até a Marginal e o restante... até chegar na Av. Paulista! Mas isso não é exatamente o que eu posso chamar de deliciosa fruição musical: o sofrimento na Marginal é de amargar.
Voltemos a Tatuí. Como minha sala fica a poucos metros do pessoal da técnica do Teatro Procópio Ferreira, o som dos ensaios frequentemente “vaza”, o que me faz levantar para ouvir a Banda Sinfônica executar ora um trecho de Petruchka, de Stravisnky, ora um ensaio de tango, com direito à passagem de palco de dançarinos - essa dança sensual e sinuosa de nossos hermanos argentinos. Volto à sala, ao lado do computador está meu “Dicionário de Termos e Expressões da Música” (Ed. 34); abro no verbete “tango” e lembro que o ritmo deve sua origem a uma dança da província espanhola de Andaluzia, tendo chegado à Argentina durante a Primeira Grande Guerra. Torno a olhar o ensaio de cima do “aquário” (de onde os técnicos operam suas maravilhosas engenhocas de última geração). Ouço um bandonéon, que é a cara do tango: um instrumento de fole, mas sem as teclas com jeito de piano do nosso acordeão. Apenas botões, muitos botões em ambos os lados, dificílimo para se dominar. Mas que lindo som! Veja e ouça abaixo o “rei do bandonéon”, Astor Piazzolla, tocando “Fracanapa”:

III – HORA DE ALMOÇAR! “TAKE FIVE” E “CHICLETE COM BANANA”!


Hora do almoço, no caminho talvez mais alguns compassos quebrados do Take Five do Dave Brubeck, o ar condicionado ligado, pois os alto-falantes da campanha eleitoral passam zonzeando como abelhas pela cidade. Em casa, almoçando, o precioso silêncio, pitadas de conversa. Na volta, relaxando, alguma coisa bonita como o primeiro movimento do Concerto para Violoncelo de Elgar - claro, com a insuperável Jacqueline Du Pré. No trabalho, alguma pesquisa no Youtube, essa ferramenta maravilhosa da Internet às vezes necessária, mesmo que com prejuízo da qualidade do som. Na Rádio Cultura FM, ouço às 11h das terças minhas entrevistas com músicos como Emmanuele Baldini e Pedro Gadelha, violino e contrabaixo solistas da OSESP, Renato Bandel, um violista que é sinônimo de excelência no país, e André Micheletti, violoncelista da última geração que considero uma grande promessa de solista de ponta no Brasil. E toma música. Veja e ouça abaixo o Dave Brubeck Quartet tocando “Take Five”, em uma lendária gravação de 1964:

Big Band do Conservatório de Tatuí - foto: Kazuo Watanabe
Enfim, voltemos à rotina do Conservatório. Vou ao banheiro, e para isso tenho de passar pela sala dos técnicos, de onde eles operam spots e a mesa de som responsável pela distribuição e mixagem de microfones e captadores. A Big Band do Conservatório de Tatuí ensaia um belo standard, e por alguns minutos me deixo cativar por uma inspirada improvisação ao piano de um excelente aluno, aliás, um verdadeiro profissional chamado Oscar Alejandro. (Explicando: standards, em inglês, são as músicas consagradas do jazz). O jovem Oscar improvisou um chorus com um suingue que só os latinos sabem levar. (Chorus, voltando ao dicionário, é a estrutura harmônica - sequência de acordes, para simplificar -  de um tema qualquer, sobre a qual o músico improvisa). Mais um pouco, e a Big Band ataca “Estamos Aí”, samba corrido com jeito de bebop do grande gaitista Maurício Einhorn, belo convite a improvisos rápidos. (Jackson do Pandeiro gravou um samba-xote corrido com jeito de bebop, “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e Almira Castilho: “Só ponho bebop no meu samba /quando o Tio Sam pegar no tamborim / quando ele pegar no pandeiro / quando ele entender / que o samba não é rumba / aí, eu vou misturar / Miami com Copacabana / chicletes eu misturo com banana / e o meu samba vai ficar assim”). Veja e ouça abaixo Jackson do Pandeiro cantando “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e Almira Castilho:

IV – O GRITO, O CÁLICE DE CHICO E O COBERTOR DO SILÊNCIO.

"O Grito", de Münch

Em casa, tarde da noite, já embalado por um Mozart para dormir, cubro-me com o silêncio mais profundo, o velho e bom silêncio. (E não aquele do Chico Buarque do passado: “Esse silêncio todo me atordoa / e atordoado permaneço atento / (...) na arquibancada pra’a qualquer momento / ver emergir o monstro da lagoa”. O “monstro da lagoa” era o fantasma da repressão nos anos de chumbo, e o silêncio de Chico, o pavor, como naquela bela pintura de Münch, “O Grito” - e que grito absolutamente silencioso! “Cai a noite, cai o silêncio”, disse o poeta. Não, não, não. Entrecortando músicas, o silêncio não cai – pelo contrário, levita. Estamos na “Capital da Música”!)
[Veja e ouça o “Cálice” de Chico e Milton:]

domingo, 16 de setembro de 2012

Jacqueline e Daniel: “Tudo está relacionado - o poder da música”

I – Nascimento, alegria e sofrimento de Daniel.
Daniel adolescente
Daniel Barenboim foi um típico menino prodígio. Nascido em 1942, em Buenos Aires, filho de pais judeus russos ashkenazi, iniciou-se no piano com sua mãe aos cinco anos de idade. Já aos sete, apresentou seu primeiro recital como solista. Passou a estudar com o pai, e, aos dez anos, mudou-se com a família para Israel, que havia sido fundada apenas três anos antes.
Daniel com sua orquestra de jovens judeus e árabes palestinos

Cosmopolita, Daniel possui nada menos do que quatro nacionalidades: argentina, espanhola, israelita - e palestina. Como regente, divide seu tempo entre grandes orquestras como a Filarmônica de Berlim, a Vienna Musikvereine e a Staatskapelle. Incansável defensor da paz, escreveu três livros, todos imersos em música e filosofia - esta última, área em que transita com razoável facilidade, leitor versado que é, além de imbuído de uma inteligência muito acima da média. Antes de sua luta como pacificador, há que se lembrar uma fase de intensa alegria, destruída em pouco tempo por um profundo sofrimento que lhe dilacerou o coração.

II – Jacqueline Du Pré: o amor e o mito.

"Magic" Jacquie no auge

Em suas andanças, Barenboim conheceu a bela violoncelista britânica Jacqueline Du Pré (confira o link no final do texto), para mim e para muitos a ‘número um’, a eleita. Nascida em 1945, foi talvez uma das musicistas mais inspiradas do século XX. Prodigioso talento, ela aprendia e memorizava com a naturalidade dos gênios: e era como um deles que ela tocava, brincando, sorrindo, levando ao extremo a idéia de que jouer, spiel e to play, em francês, alemão e em inglês, significam tanto tocar quanto brincar (a língua portuguesa fica nos devendo essa). Barenboim entregou-se a Jacqueline apaixonadamente, e abraçou não apenas um par e cúmplice musical da maior grandeza: encontrara o elo entre a música e o espírito, a razão de sua vida. Jacquie e Daniel apresentavam-se juntos, ora tendo ele como regente e ela como solista, ora em duo, trios ou quartetos com grandes musicistas amigos do casal. Sempre com o espírito de brincadeira musical. Veja e ouça abaixo Gravação de 1967 com Jacqueline ao cello e Barenboim regendo a Filarmônica de Londres no 1º movimento do concerto para violoncelo e orquestra de Elgar. Almas gêmeas... Veja e ouça abaixo a magia de Jacquie, no 1° movimento do Concerto para violoncelo de Elgar.

III – Jacqueline: um casamento pela música e pela paz no Oriente Médio.

As bodas de Jacquie e Daniel, junto ao Muro de Jerusalém

(É de se frisar que Jacquie não era nenhum modelo de postura, tanto da mão esquerda quanto da direita, com o arco. Qualquer professor mais conservador e ‘politicamente correto’ faria reprimendas quanto à sua postura. No entanto, Jacquie era Jacquie, e com certeza sabia como os mestres viam suas ‘liberdades’). A cerimônia das bodas do casal aconteceu junto ao Muro Ocidental de Jerusalém, fazendo-o símbolo de da opção de Barenboim pela luta pelo ideal da paz.
Jacquie, já padecendo da doença
Aos 28, Jacqueline para de tocar, devido a uma gravíssima doença degenerativa e fatal, a esclerose múltipla. Foi definhando e ficou imobilizada até a inevitável morte precoce, em 1987. Com ela, foi-se um dom que só se justifica como sendo de inspiração divina: arrebatamento, técnica, bom gosto, beleza, charme, gestos harmoniosos, graça, suavidade de uma brisa ou garra firme ímpar nos ataques quando preciso. Assim, ela protagonizou interpretações irretocáveis. Nos tempos finais da doença de Jacquie, a vida de Daniel Barenboim ficou severamente abalada, e mesmo antes do falecimento dela ele já havia se largado nos braços da pianista russa Bashkirova, escapando para suportar a dor. Inspirava-lhe cada vez mais a emoção e uma causa ainda hoje aparentemente impossível: a paz no Oriente Médio. Veja e ouça abaixo um ensaio (1999) da Orquestra Leste-Ocidente (West-Eastern Divan Orchestra), com jovens judeus e palestinos, conduzido por Daniel Barenboim. E veja a alegria desses jovens, mostrando que a convivência pode ser pacífica. E divertida.

IV – Uma orquestra de jovens judeus e árabes palestinos.

Daniel e Edward Said, sua "metade" palestina

Juntamente com seu melhor amigo, Edward Said, palestino-americano, o regente criou em Sevilha, na Espanha, a Orquestra Divan Leste-Ocidente (1999), que congrega crianças judias e palestinas. Ele as ensina que não há futuro para os homens fora da paz, e que todos são iguais perante Deus. Passou a reger Richard Wagner, compositor cristão que se declarava antissemita, até mesmo em sua Israel de adoção, quebrando mitos e preconceitos.

V – As conexões filosóficas e musicais de Barenboim.



Seu livro “Everything is connected - the power of music” (em português, “Está tudo ligado - o poder da música”. Ed. Bizâncio, 2009) é um exercício de inteligência e de como a compreensão da música está relacionada à da nossa existência e ao universo. Uma lição de paz e amor ao mundo que merece ser lida por todos. Diz ele logo no prefácio: “Este livro não é para músicos, e tampouco para não-músicos, é muito mais para a mente curiosa que deseja descobrir paralelos entre música e vida, e a sabedoria que se torna audível ao ouvido pensante”.  Daniel segue seu caminho como um dos mais importantes regentes do mundo, enquanto Jacquie tem seu lugar eternizado em nossas estantes de CDs, um filme biográfico e em todos os corações que aprenderam a se inebriar com sua mágica arte. 

domingo, 9 de setembro de 2012

ANDRÉ RIEU, CORNUCÓPIA E FORMAÇÃO DE PÚBLICO

I- :O artista e sua cornucópia.
De uns tempos para cá ressurgiu no circuito acadêmico, dos músicos de orientação clássica e, especialmente, nas redes sociais, uma antiga discussão: trazer música sertaneja, samba ou música brega para apresentações sinfônicas traz público para a música clássica? Antes de discorrer um pouco sobre minha opinião, uma vez que não sou Ministro do STF, primeiro voto, para depois fundamentá-lo: não.
O tema é recidivo como uma doença crônica, e dessa vez os sintomas foram trazidos por um cidadão holandês que atende pelo nome de André Rieu. Milhares e milhares de dólares, valores incalculáveis, à frente no palco um violinista que não ingressaria em certa orquestra brasileira, um regente de fachada arrastando uma cornucópia de fazer inveja aos nossos “mensaleiros”. (Na Grécia antiga, hoje cambaleante nas contas públicas, a cornucópia era um vaso em forma de chifre, símbolo da fortuna e da abundância). A pergunta é: quantas pessoas – a despeito da opinião dos leigos que advogam o contrário – que foram aos concertos de Rieu ou adquiriram seus CDs e DVDs passaram a frequentar as salas de concerto e adquirir CDs de Mozart, Beethoven ou Haydn? Ainda não conheço nenhum, em que pese estar sempre disposto a ser apresentado a tal cidadão novo-frequentador de bons concertos. 

II – Mc Luhan e sua massagem.


Volto-me a um pensador norte-americano dos anos 1960, Marshall Mc Luhan, autor de “The Medium is the Massage”, infelizmente mal traduzido para o português. Digo mal traduzido porque já no título - “O Meio é a Mensagem” – a tradutor omitiu a grafia correta da palavra “massage” (criação de Luhan), já que o “mensagem” em português significa apenas “message”, em inglês. Perderam um belo “achado”, com as desculpas pelo jogo de palavras: Luhan quis dizer “mass-age”, trocadilho entre mensagem e “era (‘age’) da massa (‘mass’)”, povo – isso, sem esquecer mais um sentido: massagem. Em suas previsões – à época tidas como malucas e alvo da antipatia da esquerda -, Mc Luhan vaticinou: “o povo só gosta daquilo que ele re-conhece” (assim mesmo). 

III – De como a propaganda na TV e as trilhas de filmes fazem o povo reconhecer certas obras clássicas e continuar gostando de propaganda e filmes, sem se tornarem público da música clássica.

Posso buscar na música exemplos de como certas obras clássicas se tornaram mais conhecidas do público: basta lembrar os batidos “tchã-tchã-tchã-tchã” (citando a introdução do tema da 5ª Sinfonia de Beethoven) de um comercial de aparelho de barbear (1987 -  veja e  ouça abaixo); 
“Uma Pequena Serenata Noturna” (“Kleinenachtmusik”), de Mozart, em uma propaganda de desodorante feminino (veja e ouça acima); 

IV – O “biscoito fino” e o Teatro Municipal de Mário de Andrade.


Os novos apreciadores desse tipo de música pasteurizada passaram a frequentar salas de concerto e comprar CDs clássicos? Não. Eles continuaram a gostar das propagandas e dos filmes que lhes apresentaram a música a que o grande Mário de Andrade se referia como “biscoito fino”, que deve ser servido ao povo, e não apenas às elites (aliás, Andrade disse, textualmente, que “o Teatro Municipal de São Paulo é um lugar onde as madamas sacodem suas novas joias enquanto os maridos fumam charutos e falam frivolidades nos corredores”).
A elite talvez não veja com bons olhos o “canto da sereia” dos que vendem a música de fundo clássico como embalagem de Michel Teló e outras apelações. Porém, posso garantir às nossas socialites da melhor estirpe que os cultores de coisas como a música de Teló ou escolas de samba não vão “invadir sua praia”, ou melhor, seus templos sagrados da mais fina música clássica. E digo mais: infelizmente! Se essa “cornucópia” dos cachês desenfreados tivesse o condão de trazer o povo para dividir o “biscoito”, seria uma bela justificativa. Mas não: quem gosta dos “clássicos” de André Rieu vai continuar gostando do show espetaculoso dele, e não de música clássica. 

V – Na literatura não é diferente.


Podemos fazer uma analogia com a literatura: oferecer Paulo Coelho na escola vai levar adolescentes a ler Machado de Assis, João Cabral, Faulkner, Thomas Mann ou Balzac? Nunca, penso eu, e desculpem-me por bater novamente nessa tecla. Mas gostaria de um exemplo apenas para ser mais complacente. Quem começa o hábito da leitura por “O Alquimista” e “Harry Potter” vai continuar a ler Paulo Coelho e J. K Rollen, o gosto vai de cada um. Mas como interferimos, então?  Meu filhos adolescentes estão lendo Machado de Assis e José de Alencar, em parte por obrigação escolar e em parte por tradição familiar que vem de antes de meus avós. 

VI – A formação de público.


O David, de MIchelangelo
E quem gosta de música clássica na maioria das vezes cresceu ouvindo-a. Não há imposição, há o aprender a gostar. Aqui no Teatro Procópio Ferreira e nos demais de todos do Brasil, não nutro grandes ilusões de um dia ver a casa tomada por novos apreciadores da música clássica em idade já adulta, com gosto e opinião – que respeito, claro – formados de maneira diferente desde crianças (e isso vale, claro, para o Brasil inteiro).
Petrushka, de Stravinsky, em versão proposta por escolas de Tatuí, com sua Bande Sinfônica. 
Questionamentos de Mc Luhan
A música “transformista” de Rieu e seus assemelhados mundo afora só faz duas coisas: encher os bolsos desses superstars com cachês milionários, sem falar, no Brasil, com incentivo fiscal (via Lei Rouanet) de nossos já achacados cofres federais (vide os recentes julgamentos no STF, com a douta participação e votos certeiros de um ilustre tatuiano), e conquistando uma massa cada vez maior de incautos que passarão a gostar cada vez mais do meio, e não da mensagem, como diria o outrora renegado Mc Luhan. 

sábado, 1 de setembro de 2012

SUPERSTIÇÃO E PIMENTA AGOSTO! – I – Primeira grande guerra, Hiroshima e Tonelero.

Há muito tempo lançou-se (como se sabe, diz-se assim quando não se sabe quem) a ideia de que agosto é o “mês do azar”, com ápice no dia 13, especialmente quando cai em uma sexta-feira (deu até filme de terror), sabe-se lá o porquê. No Brasil, especialmente na política, a história é pródiga de exemplos de azar. Mas antes tomemos de início logo o dia 1º: em 30 de julho de 1914 as forças do Império Germânico derrotaram a França nas conquistas da guerra com a Prússia. 

Em 1º de agosto aconteceu a declaração de guerra à Rússia, a quem o Reino Unido se aliou no dia 4. Começava a 1ª Grande Guerra. No dia 6 de agosto, já em 1945, os EUA lançaram o mundo ao pânico despejando a bomba atômica sobre Hiroshima, sob as escusas do fim para a guerra, mas pela sua hegemonia a qualquer preço. No dia 9 de agosto, Nagasaki foi o segundo alvo do ataque da mais poderosa arma de guerra concebida até então, criada por uma centena de cientistas no chamado “Projeto Manhattan”, em NY.

Lacerda no famoso atentado da R. Tonelero
No Brasil, foi em 5 de agosto de 1954 que o udenista radical Carlos Lacerda, subindo a rua Tonelero, em Copacabana, sofreu um atentado a bala em frente à sua residência. No dia 8, Gregório Fortunato, capanga de Getúlio - de quem Lacerda era fidagal desafeto - assume sua parte da culpa no crime. 

II – Os doutores da lei, a “pindura” e o código penal.

Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

Mas nem tudo é tragédia em agosto: em um dia 11, em 1827, foram fundadas as duas primeiras escolas superiores de direito do país, sendo uma em Olinda e outra em São Paulo, o sempre reputadíssimo berço de grandes doutores do Largo de São Francisco, hoje parte da USP. No mesmo dia foi criado o Centro Acadêmico XI de agosto, um agrupamento estudantil de grande erudição do qual foram presidentes pessoas notáveis, bem como os mais recentes Aloysio Nunes Ferreira Filho, e Fernando Haddad. O Centro participou ativamente das lutas contra as ditaduras e de campanhas nacionalistas como “O Petróleo é Nosso”.
No lado irônico – claro, eram estudantes! -, criaram o “Dia da Pindura”, corruptela (algo como uma distorção da linguagem) para “pendura”, do verbo pendurar (“a conta no prego”, claro). O “Dia da Pindura”cai, claro, em todo 11 de agosto. (Curiosidade: há magistrados que entendem que o  “pindura” não é crime tipificado no Art. 176 do Código Penal. Diz a Lei: “é crime tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento". Ora, a estudantada tem como pagar, mas dá o calote “de farra”. Por conclusão, “pindura” só no 11 de agosto, fora dele, sem ter como pagar, é cana!).

III – Tatuí, Lampião, Collor de Mello e o Muro de Berlim.

Teatro Procópio Ferreira, do Conservatório de Tatuí

Ainda do lado “do bem”, 11 de agosto é o dia do aniversário de Tatuí (fundada em 1826), Capital da Música por decreto, sede do Conservatório estadual que leva o nome da cidade que tanto dele se orgulha. É também dia do advogado (claro) e dia do estudante. Em 12 de agosto nasceram os nordestinos Lampião, “O Rei do Cangaço”, e Collor de Mello, antes no banco dos réus, hoje no do julgador. O dia 13 de agosto é também uma data de triste memória para o mundo livre: nesse dia, em 1961, foi erguido o “Muro da Vergonha”, dividindo Berlim e metade do mundo.

A queda do Muro de Berlim
Quase três décadas depois, sob intensa pressão popular dos dois lados, o governo do lado oriental começou a liberar a passagem; breve, a juventude subia no muro, dava-se as mãos e, em ambos os lados, iniciaram a obra maior: a destruição do símbolo do mal, em 1990, tarefa que (os desígnios do destino são impenetráveis) logo passou a ter a colaboração dos dois governos. 

IV – Exu e Getúlio, Jango e Jânio?

Em 24 de Agosto de 1954 - dia de todos os exus do Candomblé -, Getúlio Vargas, presidente do Brasil, suicida-se com um tiro no peito, em seus aposentos no Palácio do Catete, sede da Presidência da República no Rio de Janeiro, deixando à história uma imagem controvertida: às vezes era “O Pai dos Pobres” (título inspirado no Livro de Jó, do Antigo Testamento), outras um ditador de inspiração fascista, à maneira de Mussolini. Em sua carta-testamento, sob intensa pressão política, gravou a histórica frase: “saio da vida para entrar na história”.
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renuncia à Presidência, deixando o poder nas mãos de um político de pensamento sindicalista e fantasia de caudilho, João Goulart. A caserna não suportou a movimentação das massas nas mãos de Jango, e em 1964 tomou as ruas e a República com um golpe que teve o famoso comício (de Jango) da Central do Brasil e o discurso do deputado Moreira Alves como fachada. Em sua carta-renúncia, entregue a ministro Pedroso Horta, Jânio reclama de “forças terríveis”, conspiratórias. 



V – A fábula da princesa traída e a superstição traidora de Rossini.

A bela Lady Di
Charles e Camilla Parker-Bowles

Em 28 de agosto de 1996, Lady Di, a adorável princesa, joia da Coroa da Inglaterra, carismática, linda, separa-se do marido, o Príncipe Charles, após escândalos de traição com que os tabloides ingleses a massacraram impiedosamente. O caso teve como pivô uma duquesa muito, muito feia, Camilla Parker-Bowles – fato que deve ter inspirado na princesa, com grande justiça, um profundo ódio, mais do que a traição em si (nós que conhecemos as mulheres, sabemos). Em 31 de agosto do ano seguinte, Diana morre em um terrível acidente de automóvel em Paris. 
Giocchino Rossini
Parece que o Brasil escolheu agosto como “o mês do desgosto”, ou o “mês do cachorro louco”. Mas a sexta-feira 13 é superstição internacional, e remonta ao início do século 19. O grande compositor de óperas Gioacchino Rossini (de “O Barbeiro de Sevilha”) tinha horror ao número 13 e às sextas-feiras, conhecidas como um mau dia desde o século 14, conforme registra o livro de contos “Canterburry Tales”, de Chaucer. (Curiosamente, o próprio Rossini faleceu em uma sexta-feira 13). Em 1907, Thomas Lawson escreveu sua novela “Sexta-feira Treze” (“Friday Thirteen”), plena de maldições que foi usada por especuladores da bolsa de NY para causar pânico no mercado de ações.
Se você pinçar as coisas boas e ruins em qualquer mês, verá que elas devem acontecer tanto quanto em agosto. Contudo, pelo sim, pelo não, caro leitor, chegamos a setembro!