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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

É PLÁGIO !!!


Lista de 10 famosos plagiadores
Conversando com um amigo jornalista, Sergio Martins, da revista Veja, tratamos de uma questão controversa, que não se restringe apenas à área musical, mas que é a primeira que vem à cabeça quando ouvimos esta palavra: o plágio. Plágio, do grego plágios (por meio oblíquo, velhaco), seria a apropriação indébita ou reprodução integral ou em parte de ideias, teorias, publicações e obras de arte, no caso em questão, a música. Não é raro nas universidades, quando, constatada a quebra da ética, o caso levar à demissão e ‘queima’ do nome na comunidade.

O ‘corte e cole’ do computador tornou-se mais frequente, dos trabalhos escolares às teses acadêmicas: conheço casos de tradução parcial de um livro em francês pouco conhecido. Porém, é preciso saber quando gritar ‘plágio!’, porque este é um problema técnico, não simples lembranças saltando aos olhos e ouvidos do leigo.

A Mona Lisa de Duchamp
A intervenção é uma forma bem aceita, como a que Marcel Duchamp (1887-1968) na famosa Mona Lisa de Da Vinci: pintou bigodes na ‘Gioconda’ e legendou a obra com L.H.O.O.Q. (letras que soam, em francês, Elle a chaud ao cul - ‘ela tem  calor no...’. Ver ilustração).

T. S. Eliot, em cópias de si mesmo
T. S. Eliot (1888-1965), poeta americano, e ele mesmo considerado plagiador, foi irônico: “Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam”. Já brinquei com uma frase de Lavoisier (1743-1794), o pai da química moderna: “na música nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. Não há referência a plágio em nosso Código Penal, e nos EUA essa ‘apropriação indébita’ não é crime. Cai sempre na área cível, lá fora com as devidas altas indenizações e participações.

Chiquinha Gonzaga
Quando é necessário citar a fonte, a depender do público, faço-o entre aspas com o nome do autor entre parênteses. Para frases bem conhecidas indico apenas as aspas para lembrar a autoria de outrem. Às vezes, nem aspas coloco: no último texto publicado neste espaço, escrevi assim mesmo: abrem alas para passar em sua sala de visitas sem lhe pedir licença. É óbvio que a frase foi tirada da marcha carnavalesca (1901), da Chiquinha Gonzaga: “Ô abre alas, que eu quero passar”.

Encenação artística de Mozart surpreendendo com seu 'miserere' de ouvido
Mozart, ainda criança, ouviu na capela um certo ‘miserere’; ao chegar em casa, repetiu-o ao fortepiano na íntegra. Trechos musicais penetram (genialidade de Mozart à parte) sem querer nas mentes de compositores. Já citações ou variações sobre músicas de outros autores são inúmeras (o conceito de originalidade começou a surgir em meados do século 19).

Página autográfica de rascunho das Variações Diabelli, de Beethoven
Variações eram comuns, haja vista as ‘Variações Diabelli’, de Beethoven; ‘Sobre um tema de Moisés no Egito’, de Rossini, por Paganini; ou ‘Sobre um tema de Haydn’ de Brahms. Tchaikovsky, em sua Abertura 1812, cita literal e musicalmente ‘A Marselhesa’. O compositor Jorge Antunes em sua ópera ‘Olga’ faz um intermezzo  eletrônico sobre o Prelúdio de ‘Tristão e Isolda’, de Wagner.
Essa conversa com Sergio Martins surgiu a propósito de um suposto plágio da música ‘Cais’, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos (abaixo, link 1), pelo cantor David Bowie, em 'Sue' (idem, link 2). Ouvi ambas e achei que, fora algumas poucas coincidências no curso da melodia na primeira parte, nada mais consta. Maria Schneider, orquestradora da música, entrevistada pelo jornalista, disse que Milton Nascimento é conhecido no mundo inteiro, mas não houve intenção de citá-lo.



Inspiração talvez seja o caso do ‘Samba em Prelúdio’, de Jobim e Vinícius (abaixo, link 1), do tema e título do lindo ‘Prelúdio’ da Bachianas Brasileiras nº 4, de Villa-Lobos (abaixo, link 2, gravação TV Cultura do Youtube), que por sua vez tem algo do ‘Prelúdio’ da Suíte nº 2 para violoncelo solo, de Bach (abaixo, link 3). Meu amigo Antonio Ribeiro lembrou, com grande acerto, que o motivo e a frase iniciais da Bachianas nº 4 Bach bebeu direto no 'Musikalisches Opfer' ('Oferenda Musical', de Bach. Abaixo, no link 4). E sinto familiaridade por vivência estadunidense entre o coro final da 9ª Sinfonia de Beethoven, ‘Ode à Alegria’, e a segunda parte do ‘Star Spangled Banner’, hino nacional norte-americano. Mas são apenas associações vagas que passeiam por minha cabeça.

Vinicius: Samba em Prelúdio


Villa-Lobos: Bachanas Brasileiras nº 4: Prelúdio. 
Ñelson Freire, em versão para piano
.

Bach: Suíte nº 2 para Violoncelo Solo. Prelúdio. Yo-Yo-Ma

Bach: Musikalisches Opfer. N. Harnoncourt

O amigo questionou se uma música de Cole Porter, Night and Day, também não guardaria grandes semelhanças com o ‘Samba de uma nota só’, de Jobim. Pelo fato de o ritmo da melodia da primeira parte de uma coincidir com o da segunda, e a sequência ser de uma só nota apenas - não podendo ser chamada melódica – também, não vejo fraude, apesar das influências do jazz na obra de Jobim.

Ella Fitzgerald canta Night and Day, de Cole Porter

 

Há uns quinze anos, fui perito em um processo movido por um compositor contra uma emissora de TV, que teria utilizado uma música dele como vinheta (tema que identifica um programa) de Copa do Mundo. Depois de ouvi-las e anotá-las em partituras, concluí em parecer: uma era exatamente a outra, só mudaram a letra.

Line e Loulou (assentos do centro)
Caso semelhante aconteceu na Califórnia, onde o paulista Maurício Alberto Kaisermann (1951), de nome artístico Morris Albert, vendeu milhões de cópias de Feelings (abaixo, link 1) A Suprema Corte da Califórnia o condenou pelo plágio de Pour Toi (1956), de Loulou Gasté (1888-1965), composta para sua cantora e esposa Line Rénaud (abaixo, link 2). As melodias e mesmo as tonalidades são absolutamente coincidentes, e a Corte, usando a sabedoria salomônica anglo-saxônica, deu 7/8 dos royalties para Gasté, pela música, e 1/8 para Maurice, por sua letra original. Lembrança, inspiração, citação ou semelhança, são coisas comuns, em arte. Somos todos vulneráveis em nossos ouvidos. Mas plágio é plágio. É fraude premeditada mesmo, para ser mais preciso.
Morris Albert canta Feelings


Line Rénaud canta Pour Toi, de Loulou Gasté


Por fim, parece que um dos campeões no ramo é o grupo (acreditem os fãs, inclusive eu...) Led Zeppelin. No video abaixo, há comparações entre 10 músicas do conjunto que estão ou já foram alvo de processos judiciais e condenações. A lista parece ser grande. Umas mais, outras menos, há desde semelhanças a enormes coincidências, para se dizer o mínimo:








sexta-feira, 24 de outubro de 2014

'NOVO FOLK', 'NOVO COUNTRY' E 'SERTANEJO'

Bob Dylan
Semana passada, fui procurado por uma repórter de um jornal de Brasília para falar sobre um certo novo folk brasileiro. Aproveito para estender mais o assunto e repassar ao leitor meus pensamentos. O folk americano tem letras típicas de canções de protesto, como Blowin’ in the Wind, de Bob Dylan, ou histórias de fatos ou personagens, como ‘Joe Hill’, de Joan Baez. São simples melodias e harmonias, seguidos por instrumentos como violão de 6 ou 12 cordas e gaita de boca, principalmente.  Folk music refere-se à música folclórica norte-americana, e, assim como nos EUA, em cada lugar e época a seu modo, o gênero está presente na cultura de todos os povos, como parte de seu folclore (de Folk Lore: ‘sabedoria do povo’, em tradução livre), e abrange toda uma cultura em seu sentido mais amplo: tradições culinárias, artesanato, arte, causos e estórias, lendas, mitos e superstições. (Abaixo, veja e ouça Bob Dylan, ao vivo, em 1963: Blowin' in the Wind)

Bela Bártok recolhendo ao gramofone músicas folclóricas
Villa-Lobos pesquisou a música folclórica brasileira (exemplo é seu ‘Guia Prático’, canções por ele coletadas), e assim como ele, o húngaro Bela Bártok (1881-1945), recolhia músicas de camponeses para inspirar suas criações clássicas. Já esse folk norte-americano de que se fala foi um ressurgimento, em pleno século 20, de práticas do passado, executadas com voz, kazoo (instrumento rudimentar de sopro), tábua de lavar (washboard ), harmônica de boca, banjo e violões de 6 ou 12 cordas. Esse renascer da música folk dos anos 1960 é conhecido como ‘segunda onda’, e representado por Bob Dylan, Joan Baez, Arlo Guthrie (filho de Woody Guthrie, vovô folk dos anos 1920). Essa ‘segunda onda’ tinha um pé dentro do pop e do rock’n’roll, tendo conquistado grande projeção pela repercussão mundial do histórico festival pop de Woodstock (1969). (Abaixo, veja e ouça Joan Baez no histórico Joe Hill, pela libertação de companheiro preso pela recusa em servir no Vietnã. Woodstock, 1969)

Há até quem procure alguma possível influência desse novo folk-rock sobre nosso ‘sertanejo’. De início, é preciso fazer uma distinção básica sobre de qual sertanejo falamos: seria o sertanejo de raiz ou o ‘sertanejo’ urbano, gestado a partir das construções paulistas, principalmente, e que é uma mistura de influências caipiras, nordestinas e da Jovem Guarda, com direito a ‘banho de loja’ norte-americana: cinto de fivelão, bota decorada, jeans de grife e chapéu de caubói do Texas. Se no sertanejo caipira não há nada, no ‘sertanejo da TV’, há pouco a ver com o folk americano.
Com Almir Sater, no encerramento do Torneio de Cururu de 2009,
do Conservatório de Tatuí, na Concha Acústica Spartaco Rossi (Foto Xpres)
Conheci Almir Sater e sou dele grande admirador. É uma pessoa culta, chegou a estudar direito, não é um primitivista (naïf ): faz uma música suave, bem feita, canta bem, traz na bagagem o folclore brasileiro e mesmo latino, como quando canta guarânias (como ‘Chalana’), gênero do vizinho Paraguai, perto de seu Mato Grosso do Sul. Usa uma ‘pitada’ da cultura musical americana cá e lá, não muito mais do que isso.
Tinoco, também no encerramento do Torneio de Cururu de 2009
do Conservatório de Tatui, na Concha Acústica Spartaco Rossi. (Foto Xpres)
Tinoco conheci também aqui em Tatuí, em 2011, e era uma pessoa agradabilíssima que ainda fazia shows, apesar da idade avançada. Quando a dupla Tonico e Tinoco era viva, duvido que tivessem sequer ouvido falar em Joan Baez, Bob Dylan e trupe. A dupla sempre foi castiça, mais ligada ao chão de barro, à porteira da fazenda e à moda de viola paulista. Trabalharam juntos por mais de 60 anos - muito antes, portanto, desse new folk norte-americano.
Roy Rogers, cantor, cowboy e ídolo da criançada na TV
O ‘sertanejo universitário’ é um gênero tipicamente urbano e de classe média, e sofre influência direta da chamada country music, porém muito pouco do que podemos entender como folk. O ‘universitário’ tem apenas alguns ingredientes folclóricos das tradições de certas regiões sulinas dos EUA (na Georgia de origem, Texas e Louisiana, entre outros). O country empregava fiddles (violinos rudimentares, como rabecas) e, mais tarde, violinos modernos, gaitas de boca e o slapping bass (contrabaixo acústico tocado com o músico percutindo a mão direita sobre as cordas). O gênero vem desde Jimmy Rodgers (anos 1920), Roy Acuff e o lendário ator Roy Rogers, caubói cantador, surgidos um pouco antes dos anos 1940 – portanto, mais uma vez, muito antes do ‘folk’ dos tempos de Woodstock. A influência da ‘country music’ sobre o sertanejo universitário é óbvia, principalmente a terceira geração do ‘country’, que veio na esteira do cantor e apresentador de TV Johnny Cash.
Sá, Rodrix e Guarabyra (foto: mpb.net)
No Brasil, Sá, Rodrix e Guarabira (depois a dupla Sá e Guarabira) tinham algo a ver com a folk music de raiz, aquela coisa campesina, a singeleza, melodias simples e lindas como ‘Casa no Campo’, imortalizada por Elis Regina. Apesar disso, acredito que era apenas por inspiração, sem vínculo maior com o folk americano. Talvez a novíssima Paula Fernandes seja mais folk, aliada ao melhor brega americano, como o excelente The Carpenters, e faz com que a imagem da lendária Karen Carpenter surja em sua voz simples, suave e sedutora. Até os cenários de Paula lembram Karen, como quando canta sentada em um balanço sustentado por cordas ornadas com flores. (Veja e ouça abaixo Karen Carpenter)


Doutor Jupter, de Ribeirão Preto (foto: doutorjupter.blog.br)
A música popular universal torna-se cada vez mais vulnerável a influências daqui e dali, com o advento de mídias e tecnologias como a TV e a internet. Por isso, a nova onda do folk brasileiro, como nas bandas Doutor Jupter e Vanguart, observa as características instrumentais de origem da country music e guardam influências do folk americano. Trata-se, no caso, de transposições (como diria Mário de Andrade) à nossa música. Mas são interlocuções sadias, divertidas e bem-vindas, em contraposição ao que ao que toca nas ruas, lares e bares, e mais ainda, principalmente nos finais de semana nas TVs abertas, que abrem alas para passar em sua sala sem lhe pedir licença.
(Elis Regina, abaixo, magistral em Casa no Campo)




sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A PIANOLATRIA VIVE

Mário de Andrade
Grande escritor, poeta, musicólogo, ensaísta, o ilustre modernista Mário de Andrade (1893-1945), também foi diretor de Cultura da Prefeitura paulistana e professor de gente como nosso maior compositor, Camargo Guarnieri (1907-1993). Andrade  cunhou o termo “pianolatria” para referir-se a esse ‘sarampo’ brasileiro, a paixão nacional pelo piano. A lista de astros é enorme, e ilumina o céu com uma constelação: Magdalena Tagliaferro, Guiomar Novaes, Heitor Alimonda, Arnaldo Estrella, e os mais recentes (vivos ou não) Guedes Barbosa, Yara Bernette, Edson Elias, Roberto Szidon, Moreira Lima, Cristina Ortiz, Arnaldo Cohen, Nelson Freire, Diana Kacso, Fernando Lopes, entre tantos outros.

Mas de onde esse amor tão intenso pelo piano, mais distante de nossa cultura popular do que o violão? O instrumento veio da Europa, e deve sua origem a Bartolomeo Cristofori (por volta de 1709), com seu fortepiano, maravilha de maquinário, construção e sonoridade absolutamente diferentes de seu antecessor, o cravo. No Brasil colônia chegaram os cravos, instrumento de cordas ‘pinçadas’ e não percutidas por martelos, como no piano, de sonoridade para lá de agradável, coisa como o dedilhado de uma harpa ou um violão.

Na Minas Gerais colonial, era de bom-tom as mocinhas exibirem as prendas que fariam delas boas casadoiras  aos olhos dos pretendentes às suas cobiçadas mãos (‘per questa bella mano’, diria um Mozart apaixonado naquela linda ária), além do ‘dote’ financeiro do patriarca, claro. Isso tudo seduzia o candidato a noivo a se apresentar ao pai da jovem - de olho, claro, nas melhores posses do casamento. Esperava-se que as raparigotas soubessem fazer doces, quitutes, bolos, iguarias; bordar, costurar, serzir; falar bem, vestir-se com discrição e, por fim mas não por último, tocar cravo, fortepiano (mais tarde, o piano moderno).

Esses instrumentos chegavam ao Cais do Porto do Rio de Janeiro em navios, e parte deles iria para Minas em carroças ou mesmo lombo de burro (até os pianos de armário Pleyel chegaram já em 1911 ao Teatro Municipal, em vias de ser inaugurado, nas costas de magrelos animais, como ilustram fotos da época). Ah, no passado cantar também era aquele ‘plus’ para a moça agradar ao ‘senhor seu pai’, como se dizia, e encantar os pretendentes, que poderiam se deleitar com a melhor música europeia em época em que não havia em casa qualquer tipo de geringonça reprodutora de gravações.

Steinway Grand Concert D
Levando o instrumento para seus novos lares, as filhas das esposas pianistas também eram delicadamente forçadas a estudarem música, parte de uma boa formação. Após gerações, a febre foi se consolidando, e vieram os pianos Petrof, Bösendorfer, Bechstein, Grotrian Steinweg e, finalmente, os Steinway, preferidos por 10 entre 10 estrelas (há quem diga: “não toco piano, toco Steinway”!). Os últimos estão entre os melhores, e passaram a frequentar recitais e os conservatórios que iriam surgir na primeira metade do século (mas raros eram os Steinway, dos quais temos no Conservatório de Tatuí dois exemplares de concerto, de cauda inteira). E acaso foi aplacada essa febre da pianolatria? Arrefeceu o ‘mal virtuoso’ que após tanto tempo contaminou milhares de mocinhas, e depois também rapazes? Já estamos no século 21, em plena era de teclados eletrônicos, samplers, sintetizadores, pianos elétricos e eletrônicos, mas o velho e bom teclado de martelos permanece mais vivo do que nunca.

Boa vitrine foi o VII Encontro Internacional de Pianistas realizado no Conservatório de Tatuí de 8 a 11 de outubro deste ano, em tempo integral e ritmo muito intenso. Mais de 300 inscritos vieram de toda parte em busca de troca de ideias musicais e informações, bons recitais, concerto com orquestra e mesa-redonda que fizeram desse evento um marco importante também para a constatação de que a ‘pianolatria’ se reproduz, mesmo que, de anos para cá, haja crescido paralelamente o interesse por tantos outros instrumentos, do violino ao contrabaixo, da flauta aos metais (trompete, trompa, trombone, tuba e seus ‘parentes’).

Beatrice Berthold
Todos puderam assistir a um recital da excelente Luciana Noda (Profª Drª da UFPB) pela manhã, Mauricy Martin (UNICAMP) à tarde a simpaticíssima Beatrice Berthold (excelente pianista alemã da incensada PUC do Chile) à noite, e, no dia seguinte, mais dois recitais e um concerto com orquestra, tendo como solista Fábio Luz, que hoje faz sólida carreira internacional a partir de sua residência na Itália. Some-se a este seleto grupo a grande ‘dama do piano’ Eudóxia de Barros, Renato Figueiredo (Teatro Municipal de SP), Antonio Vaz Leme Sergio Gallo (Univ. Georgia, EUA), Scheilla Glaser (EMM-EMESP), André Rangel (da Unesp), o badalado Nahim Marum e diversos outros, como George Boyd, afinador favorito das estrelas, e as excelentes ‘pratas da casa’ Míriam Braga e Cristiane Blóes, coordenadora do evento. É piano para ninguém colocar defeito.

E não há antídoto, já que a ‘pianolatria’ não é doença, e assim sendo não carece de cura. Sermos por ela inoculados faz-nos muito bem e não causa mal algum, fora padecer de amor pela música de alguns intérpretes. O piano foi o primeiro instrumento que levou o Brasil a ser reconhecido mundo afora, tal o contingente de virtuoses aqui nascidos. Negar a importância histórica maior do piano seria de uma burrice homérica. Quem dera tivéssemos também uma violinolatria, uma cantolatria e afins, todas febres terçãs a contagiar pelo simplesmente ouvir, coisa de emoção pura! Pois foi aqui, nesses longos dias em Tatuí, que o piano mostrou a importância que tem em nossas vidas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

PESQUISA MUSICAL E ELEITORAL (ou: você acredita em duendes?)

J. S. Bach
Dia desses, veio-me à cabeça a ideia de fazer uma pesquisa sobre a preferência popular na música de concerto. Depois de muito elucubrar, resolvi que a consulta deveria ser realizada entre três compositores bem diferentes, que representem seus próprios apreciadores. Escolhi Bach, Mozart e Beethoven, donos de estilos e gêneros distintos.

Teatro Procópio Ferreira (Conservatório de Tatuí)
Logo, passei a especular onde poderia ser feito esse levantamento: no Conservatório de Tatuí, claro, talvez aqui no salão menor, o Villa-Lobos, ou o da Unidade II, ambos para coisa de até 200 pessoas. Daria para entrevistar todos os presentes, mas o universo de pesquisa seria ínfimo para um levantamento de abrangência nacional. Isso porque o público da cidade é bem homogêneo e diferenciado, acostumado que está a um número enorme de concertos. Porém, o resultado ainda não representaria o universo dos ouvintes brasileiros. Pensei, então, no nosso Teatro Procópio Ferreira, com mais de 400 lugares - mas isso não excluiria boa parte da população, que ainda vê ali, infeliz e equivocadamente, uma coisa de rico?

Concerto: Sala São Paulo
Ousar não custa: e se essa pesquisa fosse feita na imponente Sala São Paulo, um programa inteiramente dedicado a Bach, Mozart e Beethoven? Acostumada com um repertório bastante variado, a plateia de 1.500 pessoas opinaria sobre sua preferência com determinação, já que se trata de um extrato de público refinado, no mínimo bem iniciado no assunto. Mas se a pesquisa for feita entre os que compram a assinatura da temporada inteira, ela vai refletir um gosto bem mais genérico, o do público que gosta de música clássica de todos os gêneros. E se indagarmos em uma das séries de concertos? Ah, talvez a estatística já nasça contaminada pela preferência desse público mais seletivo. E deveria ser entrevistado o pessoal das filas dos fundos, meio ou frente? Para ouvir música de Bach com cravo e pequena orquestra, eu mesmo prefiro os assentos fronteiriços ao palco.

Beethoven
Para a música de Mozart, em formação típica do classicismo, desejaria o requinte dos detalhes, e as fileiras do meio do auditório seriam suficientes. Já Beethoven, com os sopros dobrados e grande orquestra, em sinfonias como as de nº 5 e 7, e, claro a 9ª, o concerto poderia ser ouvido com grande clareza em toda a Sala. Portanto, a localização dos assentos seria também mais uma condicionante da pesquisa. Mesmo assim, difícil imaginar que o levantamento representaria uma parcela sequer da preferência do brasileiro quanto à música de concerto.

Imaginei até um grande estádio de futebol, mas isso dependeria da região escolhida, e novamente já estaria comprometido o levantamento: a ingressos baratos ou gratuitos, haveria os que desgostassem de todas as obras, ou os que prefeririam a massa mais audível de Beethoven. E mesmo se a pesquisa fosse feita em diversos estádios brasileiros cheios – coisa que ainda espero ver em vida! -, não chegaria a representar a preferência de parte significativa dos brasileiros.

Durante a campanha eleitoral do 1º turno neste ano de 2014, diversas pesquisas, feitas com número reduzido de eleitores - 1.800, 2.000 – mais serviram para estimular intenções do que realmente como instrumento de aferição confiável. ‘A margem de erro é de apenas 2% para mais ou para menos, e a confiabilidade de 95%!’ (diz com segurança o âncora da TV que divulga os números, e com a mesma verve afirma que uma pesquisa similar repetida 100 vezes 'traria resultado igual em 95 delas!’).

Um desses institutos (responsável por pesquisas de grande aceitação) é ligado a um importante jornal, conhecido por abrir espaço para críticas – seja de uma pessoa contratada para isso (o ‘ombudsman’), ou de convidados (‘ombudsman por um dia’). Pois o jornal teve a honestidade de expor suas próprias feridas em ‘mea culpa’ na edição de 7 de outubro. Em ao menos sete estados do Brasil, entre eles três dos maiores colégios eleitorais – São Paulo, Minas e Rio -, conclui-se por questionar a confiabilidade até das proféticas entrevistas realizadas na véspera, portanto supostamente passíveis de mínimos erros: foram onze resultados, ao menos, de 4,5% para cima, bem ao largo do final proclamado pelo TSE.

A saber: em São Paulo, Padilha, terminou com 5,22% a mais do que a previsão; no Rio de Janeiro, ‘Pezão’, + 4,57% (Crivella, - 4,74%); no Paraná, Richa, com + 4,44% (Requião, - 4,44%); em Minas Gerais, Veiga, + 4,89%; No Rio Grande do Sul, a ‘barrigada’: Sartori obteve 11,4% a mais do que o previsto na véspera – vale o ditado: peru não morre de véspera (e já Ana, - 7,21%); em Pernambuco, Câmara surpreendeu com 7.08% para cima (Monteiro, - 5,94%), e no DF, discretamente mas também fora da curva, Frejat, com 3,97% a mais. Pior ainda, ouvidas 18 mil pessoas, na votação maior, para presidente, a mesma pesquisa pecou pelos 7,55% recebidos a mais por Aécio e 4,45 para menos por Marina – uma escorregadela de 12% sobre a disputa pelo lugar ao sol no segundo turno! O jornal expôs sua ferida, mas e esses números? A grande pergunta que não cala é: se eles não refletem com a tal ‘metodologia científica’ a real opinião (como se fosse possível), não se prestam essas pesquisas, mesmo que não intencionalmente, mais a induzir opiniões, a cabalar votos para fulano ou cicrano?

Não acredito em duendes, com todo o respeito aos que cultuam esses simpáticos entezinhos. Quanto à música, declaro-me indeciso e anulo o voto: adoro tanto Bach quanto Mozart e Beethoven, e esta seria uma pesquisa que aplaudiria de pé se o placar terminasse empatado.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

PRELÚDIO E ‘MORTE DE AMOR’. Canções da separação e do exílio


Se eu tivesse de escolher entre tudo o que se escreveu em letra de música ou poesia sobre a separação, começaria pela saudade, lágrimas femininas gotejando na aquarela da maquiagem derretida. Leio Vinicius de Morais, mestre em criar até na forma ‘engessada’ de quatorze versos (linhas), o soneto, como no ‘da Separação’, brilhantemente musicado pelo maestro soberano Brasileiro de Almeida, o Tom Jobim, apaixonado pela vida tal qual o ‘poetinha’: “De repente do riso fez-se o pranto / silencioso e branco como a bruma / e das bocas unidas fez-se a espuma / e das mãos espalmadas fez-se o espanto...”. Só um gênio é moderno sobre formas clássicas, e ainda mais com rimas interpostas! O sorriso que se transfunde em lágrimas, as mãos em palma... Tudo tão “de repente, não mais que de repente”.
O ‘Poetinha’ do amor, da ironia, da angústia, da alegria, era o personagem vivo de seus poemas, como no campestre Soneto da Intimidade: “...respirando o cheiro bom do estrume / entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme /... nós todos, animais, sem comoção nenhuma / mijamos em comum numa festa de espuma”. Eis o trovador zombeteiro, amante do bom uísque e das belas mulheres, que traduzia em versos até mesmo o urinar entre bichos: ele, o autor, humildemente celebra os animais com juventude pastoril, pois o pastoral é também fermento de sinfonias como as de Mahler e 6ª de Beethoven!
Acorde inicial (Am6) de Pra Dizer Adeus
Quem não queria ter composto “Adeus, vou pra não voltar / e onde quer que eu vá / sei que vou sozinho /... Tão sozinho, amor / nem é bom pensar / que eu não volto mais / desse meu caminho”?  Claro, Edu Lobo, o amante que abandona mas quer voltar, “nem que seja só / pra dizer adeus”. O tempero musical é um progressão cromática (cromo: cor) no baixo dos acordes (a linha tocada na corda mais grave, tangendo o som mais triste do violão), e que é fio musical que desvela a separação não resolvida, em lento caminho descendente, a passos pequenos, caindo vez e vez mais, sombreando o drama do jogo melancólico das palavras. De repente, a modulação para uma tonalidade maior traz um suspiro mais sereno, um leve sorriso de afeto na despedida: “Ah, como eu não saber / como te contar / que o amor foi tanto / e no entanto que queria dizer vem... (E aqui surge novamente a melancolia da tonalidade menor. É comum o uso de tonalidades maiores como sugestivas de alegria, altivez, e as menores traduzidas em lamento, tristeza, tensões e relaxamentos próprios da arquitetura da composição). (Veja e ouça abaixo, com Edu e Toquinho, o exemplo musical acima). 

Capa do disco da magnífica gravação sob a regência de Otto Klemperer
Até mesmo nos textos bíblicos a morte é o símbolo maior da separação. Deste mundo para o desconhecido, da matéria para o reino imaterial, em que o espírito se dissocia da realidade temporal a caminho da eternidade. O que não teria sido a morte de Cristo, senão sua separação da Terra para a qual veio em missão, para depois juntar-se à direita do Pai? Bach (1685-1750) escreveu duas majestosas e longas Paixões, sendo minha favorita a chamada Segundo Mateus. Ali, narra a saga da perseguição, do sofrimento, do calvário do Salvador com uma longa música coral com solistas, dois coros e duas orquestras, entremeada de recitativos (as narrações do Evangelista), uma massa sonora tão grandiosa que parece poder, em um instante fortuito, levar o ouvinte incrédulo a encontrar a fé. 
JK volta do exílio para depor, na ditadura
Já o exílio é a separação forçada da mãe-pátria, é uma morte lenta e doída que não tem meio nem fim. Gonçalves Dias (1826-1864) escreveu em sua Canção do Exílio: "não permita Deus que eu morra / sem que eu volte para lá / ... sem qu’inda aviste as palmeiras / onde canta o Sabiá”. O Exílio de Dias abriu caminho para várias paródias e alegorias, começando pela jocosa poesia do mesmo título do grande Murilo Mendes (1901-1975): “Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturamos de Veneza /... nossas frutas são mais gostosas / mas custam cem mil réis a dúzia /... chupar uma carambola de verdade / e ouvir um sabiá com certidão de idade”. O irreverente Oswald de Andrade (1890-1954) já o havia feito à sua maneira: “...que saudades que eu tenho / da aurora de minha vida /... debaixo da laranjeira / sem nenhum laranjais /... da cocaína de infância...”.
O suave exílio, o da Sabiá (Jobim convenceu Chico de que o pássaro deveria ser mulher, e não palavra masculina, como querem os dicionários): “vou voltar, sei que ainda vou voltar / para o meu lugar /... vou voltar à sombra de uma palmeira / que já não há / colher a flor / que já não dá...”. Era uma época de metáforas em que a imaginação redesenhava as mensagens com criatividade, produto em falta nos dias de hoje nas prateleiras da vida. A ‘Sabiá’ cantou o exílio político, na calada da ditadura, homenagem aos que tiveram de abandonar seus lares e pares em busca do resguardo de seu direito de ficarem vivos e livres. E com voz rouca canta o Chico, na música de Silvio Rodriguez: “Vivo en um país libre / cual solamente puede ser libre / en esta tierra en este instante /...  Soy feliz, soy un hombre feliz / y quiero que me perdonen / por este dia los muertos de mi felicidad”.
Final do Liebestod: Tristão e Isolda
(O título deste artigo se refere a dois trechos de uma das maiores composições de todos os tempos, Tristão e Isolda, de Richard Wagner. Não por acaso, em alemão ‘Morte de Amor’, título do final da ópera, se diz: Liebestod, como se a morte (Tod) e o amor (Liebe) se fundissem em uma palavra só).


[In memoriam: Autran Dourado, meu pai, escritor, pelos dois anos de falecimento completados no último dia 30. Acima, a palavra viva]