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sábado, 24 de setembro de 2016

EU TE SAÚDO, MARIA

Do original, em grego
Je vous salue, Marie, é o início da oração Ave Maria, em francês (Je vous salue, Marie, pleine de grâce), com que o arcanjo Gabriel anuncia à escolhida que seria a mãe do Salvador (Lucas, 1:28). Dá título a um filme (1985) do mestre do moderno cinema francês Jean-Luc Godard, que transpõe a anunciação de Maria para o mundo moderno, com personagens mundanos e atores comuns. Detalhe: Godard era anarquista, e, como todo ateu de grande inteligência, tinhas suas frequentes recaídas na fé.

A Marie de Godard
No filme, Marie é uma estudante que ajuda seu pai em um posto de gasolina e gosta de jogar basquete. Orgulha-se de sua virgindade e mantém um relacionamento casto com seu namorado Joseph, motorista de táxi que abandonou a escola, e que se mantém fiel a Marie mesmo tendo ela negado reiteradamente deitar-se com ele. 


A anunciação (detalhe): Fra Angelico, 1426
Um senhor chamado Gabriel surge para anunciar à casta Marie sua gravidez. Ela fica absolutamente transtornada e decide relatar a Joseph o acontecido. O jovem, enlouquecido, a acusa de traição, mas Gabriel intercede para convencê-lo de que sua Marie daria mesmo à luz o filho de Deus, e que Joseph deveria aceita-lo com fé. Simbolicamente, Marie encontra algumas respostas em suas orações, entre visões de elementos como o sol, a lua e água.

Correndo em paralelo, Eva, também estudante, tem um caso com seu professor, que a seduziu com um “xaveco” sobre ela ser uma superdotada, especial, fazendo uma trama cotidiana em contraponto. A história paralela de Eva mostra a dúvida de fé de Godard no mistério da Virgem, como era difícil para ele entender um texto bíblico frente à sua realidade, mas o filme prossegue com Marie se casando com Joseph e, sem ser por ele tocada, dá à luz um menino, que cresce e cedo sai de casa para assumir os negócios do Pai, clara referência à missão de Jesus na Terra. E Marie, enfim, que o havia amamentado, descobre seu corpo de mulher, humana que é.

Alphaville, de Godard
O filme, claro, chocou alguns países mais conservadores, e no Brasil foi proibido por José Sarney, então presidente, autodeclarado devoto de Nossa Senhora (mas nunca visto como dono dessa pureza como político. A Argentina, claro, também proibiu). Na França, berço da chamada Nouvelle vague (no Brasil, Cinema Novo), Godard se tornara, já de há muito, um ícone da chamada sétima arte. Dos filmes a que assisti marcaram-me Desprezo, de 1962, e Alphaville, de 1965, um lugar fictício em que era proibido o amor e todos os cidadãos eram controlados por um supercomputador (Alpha-Soissante) - qualquer semelhança com os dias de hoje, meio século depois, é mera coincidência.

Weekend
Adorei Pierrot, le Fou (Pierrot, o Louco, também de 1965), com Anna Karina e Jean Paul Belmondo, cujo título, traduzido para o português, é lastimável: “O Demônio das 11 Horas”. Outros foram Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela, A Chinesa, de 1967, inteiramente rodado em um cubículo, e Weekend à Francesa (1968), uma crítica à classe média parisiense, que no fim de semana saiu da cidade e engarrafou as estradas para a praia de tal forma que, parados, os carros em fila tornam-se mesas de pôquer ou de comida, alternando alguns acidentes, mais adiante as crianças brincando, uma vida comunitária forçada muito mais neurótica do que a da capital que deixaram para descansar. O filme é um marco por trazer o talvez mais longo travelling da história do cinema: a câmera desliza sobre um longo trilho, filmando por onze minutos em movimento constante a fila de carros e as loucuras dos parisienses que aconteciam no engarrafamento.

Stones no estúdio, com Godard
Um filme marcante foi One Plus One: Sympathy for the Devil (Devoção ao Demônio, de 1968), em que Godard faz uma salada de ideias, verdadeira loucura. Há ensaios do grupo Rolling Stones tocando a música que deu título ao filme (“Por favor, permita me apresentar / sou um homem de riqueza e bom gosto”), contando a história do demônio na Terra. 


Sympathy for the Devil
A letra fala desde “eu estava perto quando Jesus Cristo / teve seus momentos de dúvida e dor” até a morte dos czares, e, na época, no original, até quando Guevara foi assassinado. “Encantado em conhece-lo / espero que tenha descoberto meu nome”, diz o demônio. Os ensaios no estúdio são perpassados por cenas de jovens lendo poemas de Mao-Tsé-Tung enquanto andam entre pilhas de carros em um desmanche, e outras cenas totalmente surreais.

Pier Paolo Pasolini
Voltando ao mistério de Maria e José, um contemporâneo de Godard, também ateu, mas comunista e homossexual assumido, o italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975), é autor de uma obra-prima, Teorema, de 1968, em que um jovem, interpretado pelo ídolo das garotas da época, Terence Stamp, seduz família inteira, levando o caos ao seio de um lar burguês. 


O Cristo de Pasolini
Pasolini filmou com não-atores seu Evangelho (Il Vangello Secondo Matteo) em 1964. Buscava a imagem com que visualizava Cristo, judeu palestino, interpretado por um rapaz pobre, franzino e de rosto comum (nada de branco loiro com olhos azuis). Recaída de fé de outro intelectual ateu engajado politicamente, como Godard! O francês, anarquista, e o italiano, comunista. 


O velho e bom Cine Paissandú
Entre esses e Antonioni, Resnais, Bergman, Costa-Gravas, Glauber, Diegues, vivi uma juventude muito rica. Ia ao Cine Paissandu, frequentado pela turma mais esclarecida, onde vim a ser apresentado e conhecer um solitário frequentador, Milton Nascimento. Verdade que cabulávamos aulas do colégio de padres para ir ao cinema, mas o que perdíamos em classe era recuperado e, acima de tudo, coroado por um conhecimento bastante amplo de uma arte que não existe mais: perdeu para Hollywood, com seu cinema pasteurizado, modelo imposto ao mundo. Hoje há séries e filmes como Narcos, Capitão América, Cidade de Deus, Harry Potter, Ghostbusters e Hobbit, efeitos sobre efeitos produzidos em computadores e pouca riqueza de conteúdo e objetivos. Ah, e novelas da TV. Não sou contra, mas também não costumo frequentar. Só que o meu cinema sumiu. Uma pena. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

PARAOLIMPÍADAS: QUANDO TODOS SÃO CAMPEÕES

Tiraram o “o” de paraolimpíadas não por acaso, foi por imposição do IPC (International Paralympic Committee). Muitos contestam a grafia errada da palavra. Pasquale Cipro Neto, especialista veterano na análise de assuntos idiomáticos, diz que, uma vez que em inglês se escreve Olympic Games, a distorção se deve a puro marketing, para diferenciar esses jogos dos deficientes dos outros, tradicionais, as Olimpíadas. Segundo o Houaiss, “Paraolimpíadas”, leva o prefixo “para”, do grego, sugerindo “semelhança”, ou “ao lado de”. Mas diversos órgãos de imprensa insistem na grafia “paraolímpicos”. (Voltaremos a esse tema no final, por relevante).  

O Discóbolo. Grécia, @ 445 a.C.
Os Jogos Olímpicos são uma grande festividade, à tradição surgida na Grécia antiga. Já as paraolimpíadas congregam atletas portadores de deficiência visual ou mental, distrofia muscular, paraplegia, quadriplegia, espinha bífida ou deficiências, entre outras. A ideia surgiu entre veteranos ingleses da II Guerra, em 1948, que organizaram um pequeno evento para seus esportes. Em 1976, os Jogos de Verão incluíram atletas deficientes de 40 países. Mais tarde, as Paraolimpíadas passaram a acontecer imediatamente após o encerramento dos Jogos Olímpicos, à sua imagem e semelhança. Como perto de 80% dos participantes foram vítimas de acidentes, o esforço para se concentrarem em um esporte tornou-se uma arma poderosa contra a depressão que persegue as vítimas de acidentes ou de problemas congênitos. As Paraolimpíadas simbolizam para eles uma janela para a vida.
Pessoalmente, gosto do aspecto plástico das competições, sem dar lá muita importância para medalhas, milímetros, décimos de segundos e afins. Aprecio  a beleza plástica dos esportes. Atraem-me várias modalidades, especialmente a ginástica olímpica, o salto com vara, o nado sincronizado e todos os que me causam a impressão de estar assistindo a uma festa artística entre nações.
Neymar: um chute com fé
Como bom brasileiro, tenho orgulho dos nossos medalhistas, e confesso que torci pelo Neymar naquele gol, o último chute, último pênalti. Tanto pelo tento perfeito quanto pela emoção do jogador, que sabia que, errando, seria sacrificado no Coliseu imaginário por público e crítica, como já vinham lentamente punindo o garoto santista de há algum tempo, por não manter a performance espetacular de sempre. Uma exigência cruel a que se sujeitam os grandes atletas tornados ícones e frequentemente destruídos pelos que antes os idolatravam. Aplaudi o gol, mas vibrei mais pelo Neymar, que com uma só bala na agulha não poderia errar. Salvou-se da turba linchadora de sempre.
Sinto-me pequeno diante desses heróis, esses jovens que fazem, a despeito de deficiências, o que a imensa maioria de nós, livres delas, sequer cogitariam fazer. Ao chegarem nas piscinas, pistas e arenas, já são todos vencedores. Nas Paraolimpíadas, vejo a ideia de competir, mais do que nas Olimpíadas, como sendo ainda menos relevante. Claro que temos grandes nomes, como Ítalo Pereira, nado de costas, Daniel Dias, nos 20 m livres de natação, Ricardo Costa Oliveira, atletismo, o recordista da corrida de 400 m rasos Daniel Martins - entre ouros, pratas e bronzes, e podemos imaginar o que isso significa para eles. Se perderam algo na vida, por outro lado erguem-se no Olimpo. E se no peito lhes adorna uma medalha, é um mérito a mais, já que têm como grande vitória sua luta para serem atletas.
Não importam falhas e gafes na abertura, especialmente tratando-se de competição desse porte e tantas especialidades. Se aconteceram em maior grau do que na Inglaterra (2012), é natural para um país estreante como o nosso, sede pela primeira vez. O gosto de alguns shows na abertura pode ser discutível, outros por terem custado muito mais do que nossas combalidas finanças públicas deveriam custear. Mas tudo isso é secundário quando se trata de uma festa de titãs, sonhadores que não se entrevaram por causa de alguma deficiência nata ou adquirida. Pelo contrário, chamam mais atenção para a necessidade de termos gente como eles inserida em nossa sociedade, pois se são melhores no esporte do que poderia a grande maioria de nós, podem ser no mínimo iguais no estudo e no trabalho.
Termino com severas críticas. A obrigação do IPC de utilizarmos “paralímpicos” para diferencia-los dos Jogos Olímpicos não me agrada. Assim como acho um absurdo apagarem os tradicionais aros, representeando os cinco continentes, símbolo de união. Em algumas pistas, “manchas” dos aros ainda podiam ser vistas. Em seu lugar, foram adotados lenços coloridos estilizados. Um atleta inglês, que tinha os aros tatuados no peito, teve de cobri-lo com um adesivo da bandeira da Inglaterra, e isso é triste. Se minha opinião valesse alguma coisa, faria o contrário: ampliaria o número de modalidades dos Jogos Olímpicos para abraçar os gêneros hoje chamados paraolímpicos: a isso se chama inclusão! Todos igual, nada es mejor (Enrique Ricardo Discepolo, 1935, gravado por Carlos Gardel).

Para macular de vez a festa, expuseram-nos como povo extremamente mal educado e grosseiro. Falo das vaias, dos gritos, interrupções seja contra ou a favor de quem quer que seja, um triste retrato de nossa incivilidade exibida ao resto do planeta. Isso, quando as luzes deveriam estar apenas nos atletas, que, junto aos colegas brasileiros, devem ter-se sentido perplexos, já não bastasse a humilhação do péssimo exemplo de mau-caratismo basilar que temos exposto ao mundo, uma imensa e interminável festa de desvios, saques aos cofres públicos, corrupção generalizada e pilantragem.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

EINSTEIN: O GÊNIO E SEU ERRO IMPERDOÁVEL

Jean Genet: dramaturgo, gênio e marginal
Nunca espere de artistas e cientistas, em geral, coerência entre sua vida particular e sua obra. Poderíamos desconstruir muitos deles, inclusive no Brasil. Eles não têm o condão divino da infalibilidade, são mortais, erram, e frequentemente se comprometem ou aparecem em situações que você não espera. Igualmente, nunca espere deles uma grandiosidade espiritual e generosidade à toda prova. Pessoas com extrema visibilidade são mais suscetíveis a escorregadas absurdas; algumas, imperdoáveis, como a que contarei adiante.

Com sua mente brilhante, Einstein marcou uma das reviravoltas fundamentais na história da humanidade, desde aquela pequena – porém imensa - fórmula de letras e um pequeno número sobreposto, resultado de muitos e muitos anos de esforço e estudo, muitas vezes entrecortados por algumas saudáveis pausas para seu violino, que, convenhamos, não tocava lá tão mal. A grandiosa “E=MC2”, fórmula-símbolo da teoria da relatividade especial, criada em 1905, transformou a concepção da relação espaço-tempo de Isaac Newton, acrescentando-lhe um elemento revolucionário: a temporalidade. Nunca na vida vou compreender sequer a dimensão dessa descoberta e mesmo algumas críticas posteriores vindas de colegas ou dele próprio. São raciocínios distantes galáxias do meu conhecimento e capacidade de compreensão da minha física colegial.

Mais de duas décadas adiante, as pesquisas de Albert Einstein direcionadas ao urânio levaram-no à conclusão de que seria possível construir o artefato de guerra mais poderoso e letal já inventado pelo homem. Dividiu suas ideias com os físicos Leó Szilárd e Eugene Wigner, que reforçaram suas conclusões. Uma simples carta datilografada por ele em agosto de 1939 ao então presidente Franklin Roosevelt (fonte: President’s Secretary Files) convenceu o mandatário da nação mais poderosa do planeta de que os nazistas já poderiam estar trabalhando na ideia do processamento do elemento químico, o que fez com que Roosevelt, plenipotenciário presidente americano, formasse o Comitê Consultivo de Urânio Briggs, de onde surgiu o famoso Projeto Manhattan, que envolveu coisa de 130 mil pessoas. Com o também físico Oppenheimer entre seus líderes, técnicos e cientistas mergulharam no estudo de projetos para a construção da maior arma de guerra jamais criada.

"O que você vê aqui, o que você faz aqui, o quer você ouve aqui,
quando você sai daqui, deixe ficar aqui" (Projeto Manhattan)
O projeto Manhattan foi primeiramente sediado na ilha nova-iorquina do mesmo nome, com o apoio dos EUA e Canadá. Ali, foram concebidas, gestadas e nasceram, em 1945, Little Boy e Fat Man, nomes ironicamente suaves para as terríveis bombas nucleares que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando e deformando centenas de milhares de vítimas com duas únicas descargas aéreas.

Little Boy pesava 4,4 T, e foi lançada do superbombardeiro batizado, pelo piloto Cel. Paul Tibbets, que o escolheu, com o nome de sua mãe, Enola Gay. Um enorme B-52.

Carta de Einstein para Roosevelt: 2ª página
Em sua carta datada de 2 de agosto de 1939, que levou Roosevelt a desembolsar uma fortuna incalculável em verbas secretas para o projeto das bombas, Einstein informava que havia chegado à conclusão de que o urânio 235 “poderia se transformar em uma nova e importante fonte de energia”. E mais: que uma grande massa de urânio poderia gerar uma reação nuclear em cadeia que produziria essa energia em extrema abundância. Descreveu o poder que uma bomba desse tipo poderia, a partir de um ataque de navio a um porto, afirmando que ela simplesmente destruiria não apenas todo o cais, mas também o território de suas adjacências. A primeira bomba, lançada sobre Hiroshima, provocou um calor de 6.000o C, comparável ao da superfície do sol. Estima-se que o centro da explosão tenha chegado a absurdos um milhão de graus.

Einstein e Roosevelt
Daí, o físico passou a orientar também sobre questões estratégicas, focando no Congo Belga, uma vez que os EUA são pobres nesse minério, embora Canadá e Checoslováquia possuíssem urânio em maior quantidade (hoje, o maior produtor é a Austrália, seguida pelo Cazaquistão). Orientou o presidente sobre como organizar estrategicamente meios para a obtenção de urânio, e sobre a necessidade de se obter verbas fora dos círculos de pesquisa universitários, cujos valores eram minguados demais para um projeto da envergadura pretendida. Em apenas duas páginas datilografadas, Einstein convenceu o presidente, seduzido pela imensa sabedoria do cientista, de que aquele seria um caminho revolucionário. Com ela, mudou-se o curso da guerra e a energia que hoje move o mundo.

Mais tarde, reconheceu que aquela carta de 1939 fora o grande erro de sua vida. Apenas quinze anos depois, Einstein chegou a negar sua posição inicial (“Eu sempre condenei o uso da bomba contra o Japão” – EINSTEIN, Albert. Einstein on Peace. NY: Nathan and Northen ed., 1960). Contradizem-no documentos como a carta a Roosevelt, fotos e outros. Fica a pergunta: se ele descreveu, sugeriu, alinhavou as estratégias para o uso do urânio 235, descrevendo, inclusive, o poder de destruição da bomba que preconizara em um porto e seus entornos, e depois afirmou que “sempre fui contra o uso da bomba no Japão”, para onde a bomba que imaginara se destinaria? Alguma nação do Eixo, com certeza. Seria a Alemanha, país onde nascera em 1879, lá matando centenas de milhares de civis, seus compatriotas? Todas essas perguntas ficam sem resposta. As emendas de Einstein, com certeza, foram “piores do que o soneto”.
Depois desses conflitos pessoais, o gênio só deixou ao mundo uma certeza: já era tarde demais.


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

ELEIÇÃO, DE CACARECO A WHATSAPP

Conhecer o básico da lei não é apenas um direito do cidadão de qualquer país, ao mesmo tempo verdadeiro objetivo e agente dos rumos de sua vida e do papel que representa em sua nação. Mais do que direito, é um dever: reza uma máxima latina que “não se pode alegar ignorância da lei”. Esta humilde contribuição visa a refletir sobre o grande momento político de todos os municípios do país, tanto para o legislativo quanto para o executivo, ou seja, prefeitos e vice-prefeitos.

Estamos a menos de um mês do exercício do voto livre, direito consagrado pelo nosso estado democrático e amparado pelo manto da Constituição Federal de 1988, marco zero da ampla democracia no país. Competirão – após homologados pelo Tribunal Superior Eleitoral – mais do que 16.300 candidatos a prefeito e outro tanto a  vice-prefeito, fora os 456.006 candidatos que disputarão cargos em todas as casas legislativas dos 5.570 municípios do Brasil.
Esses números mostram a magnitude do sufrágio do dia 2 de outubro, que indicará de uma única vez os eleitos nos municípios com menos de 200 mil habitantes (os que têm mais população irão enfrentar um segundo turno para a disputa das vagas dos cargos executivos).

Brasão da cidade do Rio de Janeiro
O marco legal das eleições é a lei 9.504/97, que define o calendário dos anos eleitorais. As regras compreendem os prazos que permitem a liberdade de ampla divulgação de publicidade oficial, de 1º de janeiro até o início de julho, mais precisamente até 90 dias antes do pleito. A partir de então, é absolutamente vedada a publicidade dos atos, programas, obras e serviços de todas as entidades públicas federais, estaduais ou municipais, e mesmo da chamada administração indireta. Atos eleitorais e partidários, contudo, são peremptoriamente proibidos nas instituições públicas. As restrições institucionais se encerram no momento da proclamação dos resultados pelo TSE, após o que todos os atos suspensos pela lei poderão ser retomados. Marcas que identificam gestões, como logotipos e slogans, deverão ser suspensas no prazo estabelecido para as esferas federal, estadual e municipal, sendo permitidos apenas os símbolos e brasões históricos. As restrições se estendem a fotografias, filmes e análogos, e são bastante amplas.

É uma política de contrastes: a novidade de hoje é que há veículos muito mais poderosos do que os velhos programas publicitários, outdoors e os monótonos programas do “horário eleitoral gratuito”, que não atraem a simpatia do telespectador mais do que o botão de desligar do controle remoto. Refiro-me às ferramentas de informática, conquistas definitivas dos novos tempos. Sim, a lei impõe restrições aos sítios institucionais na Internet e redes sociais, mas há liberdade de informação e debates em nível informal.

Desses instrumentos, o mais recente e difícil de ser regulado por lei – e que espero nunca seja – é o mais veloz, o mais propagador, o mais dinâmico de todos, caso do programinha WhatsApp, que não pode ser violado sem risco de ser ferida de morte a telefonia e nossa liberdade individual. Não pode haver controle da comunicação entre as pessoas, pois daí a se resvalar para invasão aos direitos e garantias individuais como um todo seria um passo.

A lei permite eventos, desde que não configurem publicidade eleitoral. Na realização de atos públicos é vedada por lei a contratação de artistas por meio de verbas os tesouros nos três meses de resguardo (Art. 77 da lei). Eventos de grande porte que congregam grande número de pessoas, como feiras e exposições, devem ter autorização prévia dos TREs.

(Cooperforte)
O Art. 73 veda a cessão de bens móveis e imóveis, assim como quaisquer materiais e serviços das administrações públicas que possam vir a beneficiar candidatos, partidos ou coligações, seja em nível federal, estadual ou municipal. Titulares de cargos em comissão, de confiança, não podem ser nomeados ou exonerados, assim como é vetada a posse de candidatos em cargos efetivos aprovados em concurso. Agregam-se as punições impostas pela lei 8.429/92 (a chamada LIA), que são severas, especialmente tratando-se das penalidades dispostas no Art. 12.

A modernidade trouxe uma nova dinâmica; foi-se o tempo dos eloquentes discursos e grandes oradores, como Getúlio, Juscelino, Jango, Tancredo, das urnas e do protesto nas cédulas, que o antigo voto escrito, antes dos atuais aparelhos, permitia. Talvez o primeiro episódio de exótico de protesto tenha sido o de Cacareco, rinoceronte do Zoo paulistano nacionalmente famoso, que recebeu 100 mil votos para vereador - um número monumental para a época - nas eleições municipais de 1959, enquanto o partido mais votado não chegou a 95 mil votos. O folclórico cronista e humorista Stanislaw Ponte Preta publicou no jornal Última Hora que a cúpula do PSP (Partido Social Progressista) foi vista perto da jaula do Cacareco indo busca-lo para entroniza-lo na vaga de Ademar de Barros, então prefeito de SP em pleno exercício. Cacareco foi notícia até no exterior. 

Tião, em plena campanha (humorística)
No Rio, quase trinta anos depois, o Macaco Tião teve mais de 400 mil votos em 1988, e ficou entre os mais votados para prefeito. O bom-humor do brasileiro não resiste às tiradas anedóticas sobre política, e isso vem desde os tempos do Império. Nisso, a habilidade de caçoar tanto de cariocas quanto de paulistanos empata até em disputa de pênaltis. 

Hoje, a velocidade de comunicação via apps é impressionante: supondo que determinada mensagem política seja repassada para um modesto grupo de 100 de eleitores, e cada uma delas replique para uma média de 10 amigos, e cada uma das 1.100 desse total ainda alcance outros tantos, chegaremos direto, fora a expansão dessa verdadeira corrente ao longo de horas ou dias, a uma cifra impressionante: 11.100. O efeito desse número em uma pequena cidade de 30 mil eleitores não pode ser negligenciado.


A tecnologia impõe novos métodos e táticas, e tudo isso escapa às tentativas de controle mais pífias. E quem há de ser contra a liberdade de se comunicar como pessoa? Será contra a própria! Há que se acatar os novos tempos e deles usufruir ou morrer como cidadão! A política não escapa à modernidade.