LIVROS

LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Parte 1: “SÃO AS ÁGUAS DE MARÇO FECHANDO O VERÃO”

A linda música de Tom Jobim, que nos abençoa com uma gravação em dueto com Elis, foi considerada pela crítica internacional como sendo uma das 10 melhores do gênero popular desde sempre, e desvenda o calendário e aponta o caminho da história. Março vem do latim ‘Martius’, deus romano da guerra (foto). Após os calendários  juliano e gregoriano, o mês de março deixou de ser o mês inicial, cedendo o lugar para 1º de janeiro (apesar de que em algumas raras culturas o ano ainda insista em começar em março). No Brasil, como se sabe, o ano começa “depois do Carnaval”, ou seja, empurra-se preguiçosamente para depois o entulho preguiçosamente não resolvido desde o ano anterior.

(Publicado na íntegra em O Progresso de 25/02)


Parte 2: 1961, 1964 E O HISTÓRICO COMÍCIO DA CENTRAL DO BRASIL

 Em março de 1964, os quartéis estavam aparelhados e preparados, já havia anos, para derrubar aquilo a que chamavam, à época, a ameaça da “república sindicalista” de Jango (ver vídeo histórico do Comício da Central do Brasil no final desta postagem). Talvez o mesmo mal que, na esteira da tresloucada renúncia de Jânio (foto à esqu., três anos antes, em 1961), travestiam-se nas chamadas “forças ocultas” em cada esquina, cada noite mal dormida (como se “forças ocultas” não existissem desde sempre na história). Em nome da Pátria, foi detonado um golpe de estado que trouxe com as águas de março uma tempestade e um longo, obscuro e tenebroso inverno. No dia 31 de março de 1964, afinal, veio o golpe, que cedo mostrou seu perfil inquisitório. Curiosamente, também em um 31 de março (1821) foi declarada extinta a Santa Inquisição em Portugal. E em 25 de março, também – data que deu nome à rua das bugigangas e contrabando do Centro de São Paulo -, Pedro I promulgou a primeira Constituição do país (1824).

Parte 3: AULAS, CAMPANHAS E A TEMPESTADE DE DESPESAS

Março traz às aulas os que ainda não haviam recomeçado na escola. E dá início às preocupações com o Imposto de Renda, IPTU, IPVA, seguro de automóvel, matrículas escolares e outras despesas, batendo sem dó na classe média. Mas se “são as águas de março fechando o verão”, seja também “a promessa de vida no teu coração”.

Em março próximo, as forças políticas têm de começar a se aglutinar em torno das candidaturas aos cargos de prefeitos e vereadores em todo o país- e que seja logo, “quae sera tamen”, para não perderem os bondes que já circulam com a partida dos trios elétricos e carros alegóricos. (Os registros no TRE acontecem apenas em junho, mas as campanhas, veladas ou escancaradas, estão aí). Em março, o arco das alianças é o dos arco-íris, aglutinando ora as cores dos grupos que querem um lugar na nas câmaras municipais, ora as dos que vão além, ambicionando também o cargo de Prefeito, trampolim para projetos de maior envergadura. É o tempo em que os cidadãos começarão a enxergar opções, desde já, para se definirem pelos seus preferidos, até o derradeiro instante de apertarem o botão nas urnas.

Parte 4: VOTO E FICHA LIMPA

É hora também de pensar no que acontece em Brasília, que em tudo reflete nos estados e no interior. E, com a “Lei Ficha Limpa” aprovada, há novo alento para ajudar a decantar, logo de princípio, aqueles que devemos evitar não por condenação transitada, mas por precaução bastante clara com quem está querendo mas não pode nos dirigir e representar. Voto é palavra de origem latina (“votum”), e tem na raiz o sentido de promessa, devoção (que é emprestado profanamente pela política à semelhança dos votos religiosos, como os de castidade ou promissão). Mas voto é coisa séria!

No vácuo da nova Lei, prefeituras como a de São Paulo, assim como o Governo do Estado, já promovem estudos para leis que proíbam a nomeação de pessoal em cargos de confiança segundo os mesmos critérios que a legislação federal estabeleceu para os candidatos já a partir de 2012.

Parte 5: O PÓS-CARNAVAL, A DIVINA COMÉDIA, RÔMULO E REMO

É também nesse março pós-carnaval que muitas vezes começamos a encarar o que havíamos deixado para depois: mudar de vida, de estilo, não mudar, perder peso, casar, separar (ou não), mudar de emprego (ou não), de endereço, construir a casa própria (“é o projeto da casa / é o carro enguiçado/ é a lama, é a lama”). Pois se a palavra março vem de Marte, deus romano da guerra, também vem da Itália o Dante da “Divina comédia”: “o céu cinzento cobria os animais que se deitam na terra, e eu sou um a me preparar para enfrentar a guerra”. O ano gregoriano, criado pelo Papa Gregório XIII (séc. 16) e meio que “arredondado” entre anos regulares e um bissexto (como este 2012), ainda deixou margem para que o ano brasileiro (fora outras culturas que ainda mantêm oficialmente março como o mês inicial) continue a começar, de fato, mesmo que não oficialmente, “depois do Carnaval”. Parece surreal, mas é fato. O calendário de Rômulo, que fundou Roma junto com seu irmão gêmeo Remo – ambos  amamentados por uma loba, diz a lenda (ver ilustração ao lado) -, tinha apenas 10 meses e começava em março.

Parte 6: AS ÁGUAS DE MARÇO E O DIA DA CRIAÇÃO

“São as águas de março/ fechando o verão/ é a promessa de vida/ no teu coração/ É uma cobra, é um pau/ é João, é José, é um espinho na mão/ é um corte no pé”. Este sábado, 25 de fevereiro, é o último e derradeiro para quem conseguiu  aproveitar o descanso, antes da chegada das águas de março que vão nos carregar, o ano passando ligeiro. “Porque hoje é sábado”, disse Vinicius de Morais, melhor parceiro de Jobim, em “O dia da Criação”: “Impossível fugir a essa dura realidade / Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios/ todos os namorados estão de mãos entrelaçadas/ todos os maridos estão funcionando regularmente/ todas as mulheres estão atentas / porque hoje é sábado”. Hoje é sábado, e na quinta que vem chegam as águas de março, que também trazem em sua brisa refrescante e reparadora a promessa de vida / no teu coração”.

"LOTTE & ZWEIG", DE DEONÍSIO DA SILVA, CHEGA ÀS LIVRARIAS

Conforme anunciado neste blog, o livro que conta a história da descoberta dos corpos de Stefan Charlotte e Zweig na aprazível cidade serrana de Petrópolis, em 1942, chega às livrarias. Realismo jornalístico, onde os ingredientes de aparente ficção criminal foram colhidos na própria história do caso.

Outro livro, de Alberto Dines, também aborda o caso, em que o corpo do casal fora encontrado pela diplomata e escritora chilena Gabriela Mistral, Nobel de literatura (1945), com profusão de detalhes. É óbvia a associação do caso com a fuga dos nazistas, além de subterrâneos rumorosos que passavam pela simpatia velada de Getúlio Vargas ao ideário de Mussolini.

“Lotte & Zweig”, de Deonísio da Silva. SP: Ed. Leya, 2012. 128 págs., R$ 39,90. Disponível via Internet nas livrarias (entre outras):



SICILIANO -

BOA LEITURA: EFEITO PÓS-FICHA LIMPA 1

Empresa pode consultar SPC, Serasa e órgãos de polícia antes de contratar, decide TST (notícia disponibilizada pelo site ultimainstancia.uol.com.br):
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/55106/empresa+pode+consultar+spc+serasa+e+orgaos+de+policia+antes+de+contratar+decide+tst.shtml

BOA LEITURA: EFEITO PÓS-FICHA LIMPA 2

Ficha Limpa paulista será retroativa, diz Alckmin

Governador anuncia para fim de março decreto que impedirá nomeação de pessoas com condenação em segunda instância (N.R.: Lei semelhante será votada pela Câmara de São Paulo). Disponibilizado pelo site estadão.jusbrasil.com):

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

CARNELEVARE! (Parte 1)

Carnaval, do latim carnelevare (lit.: carne+levare: suspensão da carne), festa profana que antecede a quarta-feira de cinzas, início da Quaresma cristã, assume feições próprias em cada local onde acontece. Na tradição gaulesa, havia o mardi-gras ("terça-feira gorda", foto à direita) de lá tendo sido levado para locais como Nova Orleans, no estado norte-americano de Louisianna, colonizado pelos franceses, e de lá ao Harlem nova-iorquino. No Brasil, a festa começou com o Entrudo (figura acima, à esquerda), mal-educado folguedo de rua trazido pelos portugueses (principalmente de Açores) no século 18: destelhavam casas e molhavam todo mundo, até transeuntes, padres, freiras, policiais e juiz. Deixavam a salvo apenas os doentes e crianças pequenas, os demais eram devidamente encharcados (há registro até de uso de urina) e cobertos com farinha do reino. No Recife, virou o mela-mela.
(Publicado em O Progresso em 18/02/2012)

RANCHOS, BLOCOS, A PRAÇA ONZE (Parte 2)

Depois surgiram os ranchos cariocas, que vieram dos ternos e ranchos da tradição natalina rural do norte-nordeste; esse gênero, por sua vez, deu origem aos blocos, já com bandas ou orquestras, autodivididos em três grupos: os “dos sujos”, os “de enredo” ou “de desfile”, e os “de embalo” ou “de rua”. Em 1930 aconteceu no Rio a primeira competição entre  agremiações, ainda com um pé nos ranchos, mas já com o nome de Escolas, na famosa Praça Onze, palco dos primeiros grandes carnavais. Lá, mesclavam-se a diversas etnias: judeus, negros, portugueses, espanhóis e italianos. E inspiração para Chico Anysio e João Roberto Kelly: “Esta é a Praça Onze tão querida/ do carnaval a própria vida (...)”
Acima: rancho

À esquerda: a antiga Praça 11

ESCOLAS DE QUÊ? (Parte 3)

Na verdade, nas Escolas de Samba não se ensina nada, no sentido de dar aulas. A primeira delas, a “Deixa falar”, tornou-se “Escola” porque ensaiava em um colégio público no bairro do Estácio de Sá, cravado na história por Noel Rosa (foto à esquerda) em “O ‘xis’ do problema”: “eu sou diretor da Escola do Estácio de Sá/ felicidade maior nesse mundo não há/ já fui convidado para ser estrela do nosso cinema/ ser estrela é bem fácil, sair do Estácio é que é/ o ‘xis’ do problema”. Daí, portanto, surgiu o título “Escola”. (Mesmo porque, como também disse Noel, em “Feito de oração” (1930) “o samba é um privilégio/ ninguém aprende samba no colégio...”. No vídeo abaixo, com a saudosa Clara Nunes).

OS PRIMEIROS DESFILES (Parte 4)

Na Praça Onze, o jornal O Globo se aproveitaria do crescimento do Carnaval para lançar a primeira competição, em 1932, sendo sagrada vencedora a Mangueira e, em segundo lugar, a (futura) Portela. Após 1965, com a fundação da TV Globo, o ‘casamento’ desta com o Carnaval já plantava a semente daquilo que vemos hoje: um desfile de péssimos sambas de enredo, com direito a atrizes e modelos lindas, “todas nuas ou quase todas nuas” (cit. Caetano), homenagens oportunistas a políticos de todos os matizes e palco para artistas viverem a fama (ou quinze minutos dela): consagrados, decadentes ou oportunistas messiânicos “fora d’água” – esses, em franca ascensão.
E os governos desde sempre, no Rio, se dando as mãos a bicheiros (e outros impublicáveis), para patrocinar 3 dias de luxúria, “pra tudo se acabar na quarta-feira” (Chico), quando as ex-BBBs, atrizes e modelos voltam desde já para a recauchutagem da ‘carroceria’ rumo ano seguinte, para gáudio da indústria do silicone, do botox e do bronzeamento artificial. Já o povão retorna às enxadas, às construções, ao tráfico ou à vida de doméstica. (“A gente trabalha/ o ano inteiro/ por um momento de sonho/ pra fazer a fantasia/ de rei ou de pirata ou jardineira/ pra tudo se acabar na quarta-feira” (Jobim e Vinicius. Abaixo, “A felicidade”, em memorável gravação de Jobim, Milton e Chico).

MUDANDO DE CASA: DA PRAÇA PARA A AVENIDA (Parte 5)

E DA AVENIDA PARA O SAMBÓDROMO


Da Praça o desfile foi para a Avenida Rio Branco, depois para o Sambódromo, criação do Niemeyer. No final da pista, onde as escolas fazem a “dispersão”, ele mandou erguer uma homenagem ao ícone mais decantado do desfile – a dérrière feminina. (Há quem veja ali o logo de uma rede de fast-food e, quem sabe, verá neste ano uma homenagem ao recém-falecido cantor Wando). 
Alguns associam a origem do Carnaval às mitológicas bacanais da Grécia antiga (óleo à direita) ou às Saturnais romanas. Fora as diversas manifestações que existem mundo afora, como em Nova Orleãs e Harlem (EUA), na França, em Veneza, na Espanha e Portugal, no Brasil a festa de rua assume a forma samba no Rio e São Paulo, frevo no Recife, axé na Bahia e culturas portuguesas e mouriscas misturadas ao bumba-meu-boi no Maranhão e adjacências. 




Saturnália romana

NÃO DEIXE O SAMBA MORRER! (Parte 6)

Já que os bons sambas de enredo acabaram, salve o gênio, mestre Cartola: “em Mangueira/ quando morre/ um poeta/ todos choram/ vivo tranquilo em Mangueira porque/ sei que alguém há de chorar quando eu morrer”. Salve Donga, Marçal, Zé Keti, Nelson Sargento, Ivone Lara, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Elton Medeiros!
As escolas de São Paulo estufaram, e infelizmente com o mesmo fermento carioca: mulher pelada, samba medíocre, muito luxo e pouca tradição, sobrando para a Gaviões e sua torcida incontrolável o show enlouquecido dos desfiles. E vêm com um samba diferente, que não é tão “no pé” como o carioca, é um samba mais de perna, gingado, em que o surdo de primeira pesa no primeiro tempo, enquanto o de segunda é mais fraco, ao contrário das marchas e dos sambas tradicionais. Mas cada um, cada qual.
Para encerrar, uma curiosidade: na quase totalidade das vezes, as escolas de samba não tocam samba, e sim marcha, marcha-rancho, marchinha. Mas nó pé vai samba mesmo. Vai entender... O importante é fazer um esforço para voltar à tradição, atendendo ao apelo de Edson e Aluísio (1975): “Não deixe o samba morrer/ não deixe o samba acabar/ o morro foi feito de samba/ de samba pra gente sambar” (Veja na voz e na ginga do Jair Rodrigues abaixo). Salve os velhos cordões, os blocos e o carnaval de rua!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

EFEMÉRIDES 2012 - Parte 1/4

A estranha palavra “efeméride” vem da astronomia, ou seja, o registro de um fato que acontece em tempos regulares, como a posição de um astro (imagem ao lado). Dela, teria derivado outro significado, nas artes e na história, assim como outros ramos do conhecimento humano: efemérides são a celebração de nascimento, homenagem póstuma a grandes nomes ou lembranças de fatos que marcaram nossa civilização.
Este ano de 2012 serve para lembrarmos os 30 anos sem Elis Regina, para mim a maior cantora brasileira de todos os tempos. Lutadora, combativa, desafiadora, esse era o seu lado menos conhecido (veja o vídeo abaixo, em que ela enfrenta Wilson Sandoli, interventor do regime militar na Ordem dos Músicos do Brasil por mais de 40 anos. Pelos trajes do ex-presidente da OMB, vê-se que a 'conversa' ocorreu em plena ditadura. Conheça o lado “não-diva” da cantora). Elis “peitou” poderosos e autoridades do meio musical, como uma “Davi” de saias frente a frente com Golias engravatados de óculos escuros. Salve os 150 anos de Debussy, que, apesar de algumas controvérsias, realmente influenciou Villa-Lobos e Jobim; salve Herivelto Martins, 100 anos de nascido e outros vinte de falecimento, autor de gemas preciosas como “Ave-Maria no morro”, “Cabrocha boa”, “Covarde” (com Dunga), “Estrela d’alva” e tantos outros. Salve os 100 anos também de  Luiz Gonzaga, “Velho Lua” e “O Rei do baião”, autor de clássicos
como “Assum preto”, “Asa Branca”: mestre da sanfona, do forró e do xaxado.


NELSON RODRIGUES, O “ANJO PORNOGRÁFICO” - Parte 2/4

2012 é também o ano do centenário do grande teatrólogo, cronista de futebol e jornalista Nelson Rodrigues, autodeclarado “de direitíssima”, sobre quem meu pai, com quem se dava no Rio, conta que a cada um que elogiava uma obra sua ele pedia, com a voz mole de sempre: “escreva, escreva”. (Para registro próprio, já que não era lá de confiar muito nos outros). Nelson, muito ligado aos militares durante os anos de regime de exceção, deixava a “burguesia chocada”, como diria seu filho também Nelson Rodrigues, militante político (então preso): peças como “Bonitinha, mas ordinária”, “O beijo no Asfalto”, “Perdoa-me por me traíres”, “Vestido de noiva” e “Engraçadinha” eram na época de fazer corar os profetas do “Aleijadinho”. O teatrólogo se autodefinia, também, como “um menino que tudo vê pelo buraco da fechadura, um anjo pornográfico”.

JOHN CAGE E O SOM DO SILÊNCIO - Parte 3/4

Salve os 100 anos do nascimento do compositor norte-americano John Cage, polêmico, no mais das vezes um ‘performático’ poeta-artista-plástico-compositor, envolvido em experiências eletrônicas e tudo mais que se chamava vanguarda. Não por ironia, a obra que o entronizou na história, para o grande público, chama-se 4’33” (4 minutos e 33 segundos), que consiste em... exatos 4 minutos e 33 segundos do mais absoluto silêncio. O artista chega, curva-se diante da plateia, senta-se ao piano (já vi até com outros instrumentos), coloca as mãos sobre o teclado, e, acompanhando o relógio, cronometra o tempo requerido. Levanta-se, recebe os aplausos (quando os há) e sai de cena. Claro, é uma obra conceitual, e nos leva a pensar em tudo: o ‘som’ é o ruído da plateia? Ou será um protesto contra a falta de assunto no mundo contemporâneo, uma vez que já se tinha visto de tudo, desde o chamado “ruído branco” (mistura de todas as frequências) a essa preciosidade, o silêncio? E Beethoven não dizia –sendo ele mesmo um surdo-, que “o som é prata, mas o silêncio é ouro”? Eu próprio me reservo não exatos 4’33” por dia, mas algo assim, para momentos de contemplação e abstração, mas isso é assunto para outra hora. (Abaixo, um vídeo com David Tudor interpretando a obra, após uma voz em off dizer algumas palavras do compositor: “A matéria da música é som e silêncio. Não tenho nada para dizer, e o direi”).


ELEAZAR DE CARVALHO - Parte 4/4

Quem mais me toca, claro, pela proximidade que teve comigo em vida, é o Maestro Eleazar de Carvalho, também centenário neste ano, falecido em 1906 (Eleazar é o único brasileiro a quem reservo o “M” maiúsculo para “Maestro”). Nos tempos em que ele estava bem de saúde, se os músicos do Brasil tivessem de escolher um regente para sua orquestra, os que trabalharam com o “Velho Zuza” –como era carinhosamente chamado pelos músicos nos bastidores e, claro, somente por trás  deles– o elegeriam com folga. Não me impressionam mais Zubin Mehta, Abbado e Osawa, que foram alunos de Eleazar. Eu nem mesmo teceria comparações com Barenboim e Rattle, e muito menos ainda com um grande jovem talento venezuelano, Gustavo Dudamel.
Como diria o jurista na tribuna, “data venia” para revelar um fato de que raras pessoas sabem sobre um episódio na vida de Eleazar! (Se é que há mais de 2 ou 3 pessoas conhecedoras do causo). Não poderia levar esse momento comigo sozinho. Tenho certeza de que ele abriria um sorriso e encheria os olhos de lágrima, como de costume, se me lesse hoje. Estava eu desfrutando de uma histórica festa de 75 anos do “Velho” em seu amplo apartamento nos Jardins, e uma pessoa que não posso identificar chamou-me a um canto para revelar-me um segredo sobre o Maestro: quando ele se aproximava dos 70, em uma das orquestras de que ele foi titular no país (grupo cujo nome não vou declinar), meu interlocutor contou que, para não deixar Eleazar ser ‘atropelado’ pela aposentadoria compulsória dos 70 anos (a que os funcionários públicos chamam “expulsória”), usou uma máquina de escrever Remington velha há muitos anos, para, com cuidados sherlockianos, alterar um dígito no documento e no prontuário do Maestro, dando-lhe uma sobrevida no emprego, para felicidade dos músicos que, sem saber do fato, viveram com ele alguns dos melhores momentos de suas vidas. (E talvez o próprio Maestro nem tenha atinado para essas coisas burocráticas, pois logo depois viria a ser nomeado para cargo em comissão, sem limite de idade). Tenho certeza de que este fato é mais uma parte da história riquíssima da vida do Maestro, e se um dia eu escrever sobre o tema, no futuro, será com o milagre e os nomes dos santos completos. Por ora, fica escrito o que foi dito. “Pois é / fica o dito e o redito por não dito...” (Chico)

EFEMÉRIDES - Parte 1/4 - Para ser lido em série

(Publicado em ‘O Progresso’ no dia 11/02/2012)


A estranha palavra “efeméride” vem da astronomia, ou seja, o registro de um fato que acontece em tempos regulares, como a posição de um astro. Dela, teria derivado outro significado, nas artes e na história, assim como outros ramos do conhecimento humano: efemérides são a celebração de nascimento, homenagem póstuma a grandes nomes ou lembranças de fatos que marcaram nossa civilização.
Este ano de 2012 serve para lembrarmos os 30 anos sem Elis Regina, para mim a maior cantora brasileira de todos os tempos. Lutadora, combativa, desafiadora, esse era o seu lado menos conhecido (veja o vídeo abaixo, em que ela enfrenta Wilson Sandoli, interventor do regime militar na Ordem dos Músicos do Brasil por mais de 40 anos, em plena ditadura. Conheça o lado “não-diva” da cantora). Elis “peitou” poderosos e autoridades do meio musical, como uma “Davi” de saias frente a frente com Golias engravatados de óculos escuros. Salve os 150 anos de Debussy, que, apesar de algumas controvérsias, realmente influenciou Villa-Lobos e Jobim; salve Herivelto Martins, 100 anos de nascido e outros vinte de falecimento, autor de gemas preciosas como “Ave-Maria no morro”, “Cabrocha boa”, “Covarde” (com Dunga), “Estrela d’alva” e tantos outros. Salve os 100 anos também de  Luiz Gonzaga, “Velho Lua” e “O Rei do baião”, autor de clássicos
como “Assum preto”, “Asa Branca”: mestre da sanfona, do forró e do xaxado.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

“FINA ESTAMPA” COM “O RISCO DO BORDADO”!

 
Aguinaldo Silva cita livro do escritor Autran Dourado no capítulo de 31/01


Terça passada, no capítulo na novela "Fina Estampa", segundo soube, o livro "A Barca dos Homens", obra antiga de meu pai, o escritor Autran Dourado, foi citado (com o nome dele). Infelizmente, não assisto novela, pois teria gostado da surpresa de ouvir a citação. Em um país onde são acadêmicos (ABL) escrevinhadores como Paulo Coelho e José Sarney, e onde L. F. Veríssimo e Jô Soares são “grandes escritores”, já é um grande avanço. Salve o autor da novela, pela citação oportuníssima! Há vida inteligente na Globo!

Meu pai sempre se recusou a participar da ABL (ele diz que não é composta por “imortais”, e sim mortais, pois é só entrar que morre. (pode ser praga das dezenas candidatos lá fora "secando" o acadêmico para poder ocupar a vaga dele). O velho chegou a falar publicamente besteiras – aliás, corretíssimas! - sobre a "Casa do Machado de Assis", e foi muito tarde descobriu que poderia ter tido esse passatempo fugaz: chazinhos às quintas, conversa fiada e um bom “jéton” (pagamento por reunião).

O livro "A Barca dos Homens" foi "melhor livro do ano", entre outros prêmios. O conjunto da obra (de mais de 30 livros) foi nomeado "Obra Representativa" da América Latina pela UNESCO. O autor recebeu o prêmio Goethe da Alemanha, o prêmio Camões (todos os países de língua portuguesa, entregue pelo Primeiro-Ministro Mário Soares), e diversas outras homenagens e dezenas de estudos e teses. Diversos títulos foram publicados em várias línguas, como inglês, alemão, francês e espanhol.

E o brasileiro continua lendo porcaria – olha, se e quando lê, já está de bom tamanho. Não poderia deixar de comentar sobre a novela! Salve Aguinaldo Silva! (Em tempo, usei o título de outro livro de meu pai – “O Risco do Bordado” – apenas para associá-lo com o da novela “Fina estampa”: não poderia deixar de tricotar esse trocadilho costureiro).

[abaixo, trailer do filme “Uma vida em segredo” (2002), da festejadíssima cineasta Suzana Amaral – a mesma de “A hora de estrela”, premiado no Festival de Berlim, aliás clássico como o de Cannes, mas sem a produção milionária e estereotipada do “Oscar”. O filme “Uma vida em segredo” levou dois prêmios nacionais e cinco indicações.] 


E-MAIL DO AGUINALDO SILVA - Autor de “Fina Estampa” escreve

De: Aguinaldo Silva
Enviada em: quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012 15:17
Para: henriqueautran@uol.com.br
Assunto: Autran Dourado em "Fina Estampa"

Meu caro
Henrique Autran,

sou fã incondicional do seu pai, e acho que ele anda um tanto - e injustamente - esquecido, por tratei de lembrá-lo em minha novela, já que tenho nela uma professora de literatura brasileira. Fiz isso com outros autores, grandes como o seu pai: Clarice Lispector, Manoel Bandeira, Adélia Prado, Cecília Meirelles... E até a novela terminar anda pretendo citar outros mais.
Uma curiosidade: Clarice Lispector e Autran Dourado eu conheci na mesma noite, quando ele lançava o monumental "A Barca dos Homens" e eu, um garoto de 16 anos, estreava com "Redenção para Job", na antiga Livraria Eldorado de Copacabana. Clarice estava lá de convidada, junto com a maior parte dos "monstros" literários que eu considerava inacessíveis a um adolescente cheio de sonhos como eu. Foi uma noite que me marcou para sempre.
Gostei de saber que temos opiniões parecidas sobre certas figuras...
Um abraço do

Aguinaldo Silva.

BLOG COMPLETA 8 MESES NO SÁBADO - Mais de 13.500 visitas

Serão ultrapassadas 13.500 visitas



Acessos, além de Tatuí e cidades brasileiras, foram feitos a partir (em decrescente) dos EUA, Alemanha, Reino Unido, Portugal, Rússia, Itália, Japçao, Suécia, Suíça, Canadá, Colômbia, Espanha, Turquia e Índia.

PROPAGANDA DE ALCKMIN ANTECIPOU “LUIZA, QUE ESTÁ NO CANADÁ”.

Em clipe da campanha de 2008, Alckmin reúne a família, apresenta Dona Lu, os filhos e genro, “menos o Geraldo, que está no México”.
Confira:

ZOE THOMSON, DE 8 ANOS, TOCA GUITARRA COMO ESTRELA

Popstar precoce, Zoe faz solos de guitarra com uma técnica surpreendente. Pior: demonstra conhecimento de harmonia, escalas... bom, enfim, muita coisa que muita estrela não conhece. Pior: a informação é que Zoe começou na guitarra aos 2 anos de idade. Zoe é líder da Mini Band, todos entre 7 e 10 anos de idade. Vale checar:


O SOM DOS SONHOS (para ser lido em série) - Parte 1/5

O SOM DOS SONHOS (para ser lido em série)
Parte 1/5
(a ser publicado na íntegra em O Progresso de 4/02)

Em seu magistral livro “A interpretação dos sonhos”, Sigmund Freud (1856-1939) propõe-se a aprofundar a questão dos mistérios que operam a mente dos indivíduos durante o período de repouso (enquanto se dorme), em contraposição à vigília (quando se está acordado). E se propõe mesmo sabendo que o assunto nunca será totalmente desvendado pelo homem. De forma prudente, ele inicia seu texto abordando as experiências de pesquisadores importantes que já se debruçaram sobre o tema – Freud chegou a contabilizar mais de 150 trabalhos publicados anteriormente a 1900.

O chamado “pai da psicanálise” inicia investigando as teorias de Burdach (1838), que concluiu que a vida cotidiana não se repete nos sonhos – pelo contrário, diz ele, “os sonhos têm como objetivo verdadeiro nos livrarmos dela”. Strümpell (1887) estabelece ainda maior distância entre os dois estágios (repouso e vigília), afirmando que “o homem que sonha fica afastado do mundo da consciência da vigília”. Já Haffner (1887) vê uma passagem fluida entre os dois estados (sonho/vigília), e afirma que “os sonhos dão prosseguimento à vida de vigília. Nossos sonhos se associam regularmente às representações que estiveram em nossas consciências pouco antes”. Já Weygandt (1893) contrapõe-se frontalmente a Burdach, e propõe que há elos de ligação entre os dois estados da mente, descrevendo-os de maneira bastante clara. Já a linha de raciocínio de Freud se fixa na vida cotidiana, introduz a ideia do desejo e da memória oculta no subconsciente, ingredientes que afloram sem controle quando o indivíduo sonha, o que ocorre no chamado estágio REM (do inglês, “movimento rápido dos olhos”) do repouso.

REM

O SONHO DE TARTINI COM O DIABO: RAPID EYE MOVEMENTS - Parte 2/5

Essa brevíssima introdução serve para compreendermos melhor o papel que os sonhos representam na música de todos os tempos. Um primeiro exemplo poderia ser Tartini (1692-1770), com seu “Trillo do diabo”, peça absurdamente difícil que afirmou ter composto ainda na cama, após acordar subitamente, gravando na partitura o que havia, momentos antes, visto em sonho executado no violino pelo... sim, ele mesmo, o capeta. (Além de reportar ao mito alemão do século 15, explorado depois também por Goethe (1749-1832) e Thomas Mann – este, em seu “Doutor Fausto” (1947), sobre o desejo de vender a alma ao demo para obter vantagens desmedidas (no caso, o virtuosismo musical). Mendelssohn (1809-1847), em sua obra “Sonhos de uma noite de verão”, transpõe para a música uma comédia (1590) de Shakespeare cuja marcha nupcial é executada em 10 entre 10 casamentos no mundo inteiro. A obra aborda o sonho de maneira divertida, cheio das alegorias e fantasias de Shakespeare, traduzidas em música com muita graça pelo compositor alemão. No vídeo abaixo, um trecho de “Sonhos de uma noite de verão, com balé coreografado por Ballanchine, no Boston Opera House em 2011:

DOCES SONHOS DOS COMPOSITORES ROMÂNTICOS - Parte 3/5

Schumann (1810-1856) embebe em romantismo exacerbado, sensual, sua “Träumerei” (“a sonhar”), sétima parte da obra “Sonhos infantis” para piano, inebriado pela paixão que nutria -ele bem mais velho- pela jovem Clara desde a adolescência. Moça a quem, alguns anos depois,  desposaria. Mais adiante, Liszt (1811-1886) descreve seu “Sonho de amor” ao piano, assim como Koussevitzky (1874-1951), ‘canta’ sua melancólica e sensual “Rêverie” (“Devaneio”) para contrabaixo. E o fazem com o mesmo espírito, externando de alguma forma a sublimação de desejos ocultos e do que Freud chamava ‘sentidos objetivos’. O estado de quem sonha também é descrito poeticamente como onírico - do grego ‘oneiros’ (sonho). Já no vocabulário médico, delírio onírico é expressão que se refere a alucinações visuais ou estado psicótico doentio involuntário ou induzido por alguma substância, como álcool ou drogas.

O SONHO ANARQUISTA DE JOE HILL E A VOZ SUAVE DE JOAN BAEZ - Parte 4/5

“Joe Hill”, canção folk de Alfred Hayes sobre o militante anarquista sueco-americano assassinado em 1915, foi um dos maiores sucessos de Joan Baez, ícone do gênero e um dos marcos do Festival de Woodstock (1969): “Eu sonhei que vi / Joe Hill na noite de ontem / tão vivo quanto você e eu...”. Hayes quer trazer à militância seu líder de volta em sonho, uma espécie de “sebastianismo” (séc. 16), ou seja, no caso da música, manter viva a esperança de “ressurreição” para que os corações dos revolucionários não se acomodassem em seus ideais.

DOCES SONHOS ROMÂNTICOS - Parte 3/5

SONHOS BRASILEIROS - Parte 5/5

“Fascination” (“Fascinação”), composta a 8 mãos e perenizada por Nat King Cole, foi um dos marcos da interpretação da majestosa “Pimentinha” (Elis Regina), que nos deixou há 30 anos. Cantando “entre os sonhos mais lindos que eu tive”, revela-se um amor quase devoto, pleno de flores, castelos e sedução. John Lennon confessa sua decepção com o mundo, os ídolos, as crenças e ideologias, e afirma só acreditar nele e em Yoko Ono. Nessa fase niilista (do latim ‘nihil’: nada), uma negação geral de tudo, a morte do sentido das coisas em “The dream is over”: “O sonho acabou / o que posso dizer? / o sonho acabou ontem / (...) Então, meus amigos / vocês só têm que ‘ir levando’ / o sonho acabou”.

"Fascinação" com Elis em Porto, Portugal, 1978


Já por aqui, Gilberto Gil dá uma volta na desilusão de Lennon e desata, de forma divertida, sua saudade dos belos tempos de juventude curtidos no passado, porém apostando na frustração dos que nunca sonharam: “O sonho acabou / quem não dormiu no ‘sleeping bag’ nem sequer sonhou / (...) e foi pesado o sono pra quem não sonhou”. (Abaixo, uma gravação rara de Alcione (1o. compacto, de 1972, com a letra):