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sábado, 25 de maio de 2019

TRADUZIR: UM DISCRETO CONVITE À TRAIÇÃO


Dei de presente para minha filha Marta, que mora em Londres, um exemplar da tradução para o inglês de Ópera dos Mortos, do meu pai. Há três edições pelo mesmo tradutor, John M. Parker, sendo uma após o Prêmio Goethe de 1982 e duas anteriores: Peter Owen (1980), Taplinger (1981) e Hamlyn (1983). Não compreendi o porquê da não tradução literal, Opera of the Dead. Parece não haver outro livro ou filme que impeça, mas o tradutor optou por The Voices of the Dead (As Vozes dos Mortos), que caberia melhor em um thriller de terror.
Uma das capas é sóbria, só traz o título. A que escolhi é uma vaga remissão ao casarão de Rosalina, personagem central do romance. A terceira mostra uma ilustração antiga que lembra o Pão de Açúcar carioca, abraçando uma baía (um Debret ou Rugendas, não fosse o barco a vapor cruzando ao fundo). Mas tudo se passa em uma fictícia cidadezinha do interior mineiro, tal como a Monte Santo em que o pai viveu! Obra do capista ou do editor?
O texto da tradução tem vários equívocos, a exemplo desta frase no original em português: “...a gente viu como foi. Como por que aqueles relógios começaram a parar”, traduzida assim: ...we saw the other times how it happened, how and why those clocks began to stop”, desse jeito, quebrando o sentido e o frasear característico do autor. Diz assim a tradução “...nós vimos das outras vezes como aconteceu, como e por que aqueles relógios começaram a parar”. Esse ‘como’, sem o ponto antes e na tradução, indica ‘de que maneira’, uma conjunção, e, no original, é ‘a exemplo de’, advérbio. 
Os títulos dos capítulos também dão suas escorregadelas: Rosalina’s Song, para Cantiga de Rosalina. Cantiga remete a um cântico monofônico (de uma voz apenas) que vem desde a Idade Média, e aqui intimista à mineira: cantarolando. Assim como a escrita do meu pai, a cantiga é introspectiva e não uma canção no sentido genérico de song, voz com acompanhamento, ou um Lied  romântico alemão. Mas não vou fixar-me apenas nesta tradução (e menos ainda fazer um elogio à traição, pensando no adágio italiano tradutore, traditore).
Meu pai, em trabalho de 1987 escrito a quatro mãos com minha mãe (professora de francês), traduziu La Légende de Saint Julien l’Hospitalier, de Gustave Flaubert (1821-1880). Em Notas à Margem de uma Tradução, ele cita o próprio autor, via Maxime Du Camps: “... o escritor é livre, conforme as exigências de seu estilo, de aceitar ou rejeitar as prescrições gramaticais que regem a língua e que as únicas leis às quais é preciso se submeter são as leis da harmonia”. Essas pequenas subversões, quando a bem da fluidez do texto, são benéficas. A escrita deve se submeter à harmonia, pensando em Flaubert, e não às impositivas regras gramaticais. Quando cabível, porém, a tradução exata é muito melhor, como nos outros casos que relatarei aqui.
O norte-americano Benjamin Moser escreveu, sobre Clarice Lispector, em 2009, Why this World (Por que Este Mundo). Uma pergunta sem interrogação, sem esperar resposta. Traduziu-o para o português em 2011 e, tal como aconteceu com Ópera dos Mortos, pecando já no título: Clarice, uma Biografia. Serviria para um jogador de futebol, cantor popular, algo assim. Mas não é Clarice. A capa do original, em inglês – a biografada com o rosto coberto pelas mãos, sob o título Why this World -, nessa tradução banaliza a personalidade complexa da escritora, mais chegada a Nietzsche, Schopenhauer e Kafka.
The Cloud of Unknowing, de um monge beneditino anônimo do séc. 13, eu traduziria para A Nuvem do Desconhecimento, de maneira fiel ao título. São textos e exercícios espirituais, um livro que me foi dado por um primo, frade dominicano. Li pausadamente no original, ensaiando exercitar-me como os monges beneditinos da época, em busca da contemplação, prática não muito diferente da de outros monges, como os do Tibet. Ou aquela que Cristo mencionou, segundo Lucas (10:38-40), “Maria escolheu a parte certa, que dela nunca será tirada”: a contemplação divina. Mas o título A Nuvem do Desconhecimento, em português, virou A Nuvem do Não Saber! (‘Desconhecimento’ e ‘não saber’ são coisas diferentes. ‘Unknown’ é exatamente desconhecido, diferente de ‘não sabido’, ‘not known’, mais afeito ao nosso jargão policial: ‘o suspeito está em Lins’ – Lugar Incerto e Não Sabido). Mera sutileza? Em português pode ser que sim.
Um amargo depoimento de William Styron (de A Escolha de Sofia), trata da depressão, passa pelo estágio da internação psiquiátrica e o ímpeto do suicídio. Mas Darkness Visible (Escuridão Visível) chegou a nós como Perto das Trevas, de sentido bastante diferente.
Muita gente compra livro pelo título, e em geral leva gato por lebre (raríssimas vezes lebre por gato). A capa, nos dias de hoje, tem importância enorme na venda, embora em algumas grandes publicações elas sejam sóbrias e não-ilustradas. A liberdade gramatical e das regras de que falou Flaubert se aplica ao escritor e, de carona, ao tradutor, quando o interpreta e revela a ideia original, sendo-lhe fiel. Contudo, não há que se fugir como regra do bom e velho literal, que às vezes pode ser a melhor fidelidade.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

FALSIDADE


Baiana, da poeta Cecília Meireles
O sambista Geraldo Pereira foi assassinado na boêmia Lapa carioca com um soco no fígado desferido pelo lendário Madame Satã, um travesti de shows da noite e de pouca e azeda conversa, bom de briga. Pereira foi o criador do chamado samba do telecoteco, letras cheias de sílabas às vezes difíceis de serem encaixadas no ritmo sincopado. Influência nordestina, coisa de embolada, embora tenha nascido em Minas. Mais comedido na prosódia é o samba Falsa Baiana (1944), brincadeira sobre a mulher de um amigo, para lá de desajeitada na fantasia de balangandãs, brincos de argola e turbante, em plena segunda de carnaval: “A falsa baiana quando entra no samba / ninguém se incomoda / ninguém bate palma / 

ninguém abre a roda / ninguém grita oba oba / salve a Bahia, senhor do Bonfim / (...) mas a gente sabe quando uma baiana samba direitinho / e mexe e remexe, revira os óinho / dizendo eu sou filha de São Salvador”. A falsa baiana do amigo inspirou esses versos que fizeram sucesso até décadas após, na crista a Gal Costa. Caetano aproveitou a deixa de Pereira e saiu-se com A Verdadeira Baiana: “sabe ser salsa / valsa e samba quando quer...”

Bolero (Hipsonfire)
O falso, para Aldir Blanc, letrista de João Bosco, é o charme discreto do ‘brega-kitsch’ da moça que, tirada para dançar, fez o coração traiçoeiro do rapaz bater “mais que o bongô”, ela sussurrando-lhe ao pé do ouvido os passos da dança, “são dois pra lá, dois pra cá”. Um lindo bolerão, daqueles de maracas e tudo, gravado magistralmente em LP de Elis Regina, em 1974: “No dedo um falso brilhante / brincos iguais ao colar / e a ponta de um torturante / bandeide no calcanhar”. Com direito a observar o beberico ‘social’ da moça, que escondia o gosto amargo de   whisky no falso doce do guaraná. Décadas depois veio o roqueado Falso Samba, do grupo Cainã, que canta a moça de falseio sedutor: “já disse o seu nome e você nem percebeu / que a sua falsidade afeta tolos como eu”. Faz o trocadilho, “a sua falsa idade / pra mim já deu”, e se despede, “bye, bye”.
Os doutos homens da lei que me corrijam, mas o falso testemunho, no Brasil, é chamado perjúrio, coisa para lá de comum. O cidadão que se cala – ‘só falo em juízo’ – em um inquérito policial tem esse direito (faz eco à famosa 5ª emenda americana, o direito de permanecer calado até julgamento). Mas se o meliante falou, depois talvez de algum ‘telefone’ na frente de uma câmera de TV. Instruído, logo vai negar tudo perante a autoridade judiciária, dizendo que bateu com a língua nos dentes sob coação. Mais diretos, alguns países da tradição greco-romana, como Itália e França, proíbem suspeitos de serem ouvidos sob juramento. Assim não cometem perjúrio, independentemente do que venham a dizer durante o processo.
Entre nós também é criminalizada a falsidade ideológica, descrita no Art. 299 do Código Penal. Trata-se de quando o cidadão omite, “em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. E existe a ‘falsa carteirada’, o malandro que se apresenta como autoridade para tirar proveito, ou simplesmente faz-se passar por outra pessoa para obter vantagem. Se para isso empregar um documento falso, ai, ai, a casa cai mesmo.
Diferentemente do Brasil, nos países cujo direito é dito anglo-saxão, a exemplo dos EUA e Reino Unido, perjúrio seria a falsa declaração sob juramento, seja verbalmente ou por escrito. Não é crime de perjúrio mentir sobre a própria idade ou de terceiro, salvo se o ato influenciar um resultado legal, como antecipar uma aposentadoria, entre outros.
Eu mesmo senti na pele o rigor desse tipo de juramento. Quando recebi meu visto permanente nos EUA  passei pela experiência (era o chamado green card, hoje cinza mas ainda dito verde). Mão sobre a Bíblia, a outra erguida e espalmada, fui interrogado por uma oficial. Uma série de perguntas sobre se já tive qualquer ligação com o tráfico ou a guerrilha, várias coisas do tipo. Não sem antes ser avisado do rigor da pena caso mentisse sob juramento.
Já em locais e países de mais longa tradição, como Queensbury, o 2° maior estado da Austrália, federação criada 1901 mas ainda parte do Commonwealth ao Reino Unido, a lei é mais radical: o crime de perjúrio pode levar à pena máxima, reclusão perpétua.
É cada vez mais comum alguém ou a imprensa apontar dados falsos inseridos no currículo de um cidadão, títulos que o ilustre nunca teve, mestrados e doutorados que nunca fez, e, em alguns casos, até certificados nebulosos, como aqueles obtidos na Internet em sites que vendem todos os tipos de fake certificates de escolas e universidades, existentes ou não. Aí a coisa complica. O cidadão pouco conhecido no meio torna-se expert em assunto que mal conhece, mas a ‘falsa baiana’ acadêmica volta e meia acaba sendo descoberta, e se fizer o autor cair no ridículo já está muito bom, já que pode levá-lo à desgraça e execração em sua comunidade, virar notícia e meme de redes sociais, fazendo o autor da falseta carregar a tatuagem de vigarista o resto de sua vida.
[Disse Shakespeare, em All’s Well that Ends Well (Tudo vai bem quando termina bem): “Ele afirma não manter juramentos, para quebra-los é mais forte do que Hércules. (...) Tem tudo o que um homem honesto não deve ter, e nada do que um homem honesto deveria ter”. (Trad. Livre do A.)]

sábado, 18 de maio de 2019

A CULTURA, A CIVILIZAÇÃO, ELAS QUE SE DANEM OU NÃO

Gil (Varela Noticias)

Com essa provocação musical logo nos primeiros versos, Gilberto Gil compôs Cultura e Civilização com fina ironia: “somente me interessam / contanto que me deixem / meu licor de jenipapo / o papo / das nites de São João”. Orgulhoso de sua terra, a Bahia, das coisas mundanas e simples, traz a reflexão conceitual típica de suas músicas. Em frente, torna ainda mais clara sua ótica: “somente me interessam (...) / contanto que me deixem / ficar com a minha vida na mão”. O poeta afirma necessitar de pouco, seu jenipapo, seu coentro, viver a vida lhe bastam.
Pensemos a Cultura tomando, por um lado, a definição clara e simples da ASA (Associação Sociológica Americana): “linguagens, costumes, crenças, regras, arte, conhecimento, identidades coletivas e memórias desenvolvidas por membros de todos os grupos sociais que fazem seus ambientes em sociedade terem um significado. Narrativas sociais, ideologias, práticas, gostos, valores e normas” (Trad.do A.) Por outro, o teórico, esteta e filósofo marxista húngaro Gyorgy Lukács (1885-1971), em sua ponta – saudável ver duas abordagens -, agregava Cultura a valores essenciais para sua filosofia, a par da luta de classes e, consequentemente, rumo ao socialismo revolucionário. Seja qual for a abordagem do assunto, no caso um técnico e outro impregnado de ideologia, percebe-se a real dimensão da Cultura entre nós.
Woodstock: 50 anos
Convido o leitor a uma breve digressão. A Cultura é de tamanha importância que podemos entendê-la como algo imenso, que engloba a Educação, entre outros pilares de uma sociedade. Razão para discordar do mote ora em voga “Cultura é Educação”, para, ao contrário, compreender Educação como fazendo parte do conceito mais amplo de Cultura. Percebemos isso em poucos períodos, talvez com Pedro II, os projetos de Villa-Lobos e um pouco com JK. Fora tentativas espontâneas isoladas, como a eclosão da revolução cultural do Ocidente, a partir de 1968, um caldo universalista que durou quase duas décadas, apesar da violenta censura no Brasil e outros países da América Latina na época - caldo universal este fervilhante em criação, crítica e renovação, que transformou os rumos e costumes de uma juventude mundialmente decepcionada com o seu presente.
O binômio Cultura e Civilização traz certa sinonímia entre uma e outra palavra, entrelaçam-se de modo a nunca terem seus pontos desfeitos, estão enraizadas de modo tão profundo que nem o mais potente dos tratores que devastam florestas pode arrancá-las. O leitor deve ter se perguntado sobre a música do Gil como introdução a este artigo. Bom, não sei se o tema lembrou-me da poesia ou se foi a letra que me trouxe a ideia, possivelmente  uma e outra tenham emergido do meu subconsciente devido ao estímulo de fatos noticiados recentemente, o que não raro acontece.
UFRJ: colapso (Hora do Povo)
Especialistas observam essas questões via óticas as mais diversas, como as sociológicas, antropológicas, estéticas, históricas, artísticas, psicanalíticas ou pedagógicas. Todas na alça de mira do obscurantismo que corre solto. E é exatamente disso que falo: quando a Cultura é relegada a um plano inferior e praticamente esquecida, arrasta para baixo o fio da história, a linha evolutiva da Civilização e, em particular no Brasil, soterra na vala comum uma de suas musas prediletas, a Educação. De forma direta, cortes na Cultura e na Educação têm sido a tendência nos países onde elas se tornam débeis por indesejáveis, e, de forma mais acentuada, no Brasil, em todas as esferas e instâncias. Se a pesquisa de qualidade da Capes foi inviabilizada, algumas universidades podem ser a bola da vez, a exemplo do corte profundo na modelar UFRJ, que viu seu orçamento cair, em valores atualizados, de 582 milhões, em 2014, para 361 milhões, em 2019 – quase 38% de perda!
Hospital Universitário  da USP  (Correio Popular)
Além da missão precípua das universidades públicas atingidas, perde também a insubstituível pesquisa criadora de novas vacinas, novas drogas e métodos de cura, descobertas na aplicação de novos materiais, energia, meio ambiente e preservação das riquezas naturais, além de nossa própria história em si. Do lado prático, afetam igualmente ou sustam atendimentos hospitalares, de urgência, psicológicos, odontológicos, veterinários, bibliotecas, museus, e, claro, as artes e a produção de Cultura, em geral. Pior ainda, puxam consigo as escolas de primeiro e segundo graus, tornando inevitável o surgimento de gerações condenadas à fraqueza de conhecimento, forçada a se compromissar com o analfabetismo político. Dane-se a polis, o país.
Bertold Brecht
Cito, e é mais do que oportuno, o dramaturgo Bertold Brecht (1898-1956), em seu lapidar O Analfabeto Político: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. (...) Da sua ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, o político vigarista, pilantra, corrupto”.
Educação e a Cultura sufocadas e sem perspectivas lobotomizam cérebros pensantes. O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que viveu no Brasil por três anos, observou, a partir das culturas indígenas, o sentido de progresso e Civilização modernos (Tristes Trópicos, 1955). Pelo andar da carruagem, prezado Gil, ficaremos no coentro, no jenipapo, levando a vida e dizendo ‘a Cultura, a Civilização, elas que se danem’! Ou nãoʔ
O milagroso e adorado jenipapo


sábado, 11 de maio de 2019

"ACERTEI NO MILHAR!"


(Ou A Teoria da Probabilidade e a Reforma da Previdência)

Geraldo Pereira e Wilson Batista
Samba de Wilson Batista e Geraldo Pereira (1940), narra o sonho de um acertador do prêmio maior do ‘bicho’, e tudo o que poderia comprar como milionário. Eu, raro jogar qualquer coisa, nem rifa de quermesse ganhei, mas a Mega Sena acumulou 170 milhões... Não desejei essa quantia absurda, talvez só uma pequena fatia nesses bolões feitos por computador. Apostei pela Internet em um site confiável  recomendado. Perdi. Também é um 'jogo de azar'.
Loteria Esportiva: "teste" nº 254
Desde a primeira loteria esportiva avisam: teste número ‘n’. Claro, o jogo no Brasil é ilegal. Seria, mas aposta-se de tudo, além das loterias e mega senas: time, eleição, e, até ouvi dizer, quem do grupo vai morrer primeiro (o infeliz perde a vida e o dinheiro). Cassinos ocultam-se em bairros nobres como o Morumbi paulistano. Joga-se bingo, pôquer e bridge a dinheiro em muitos clubes, nas elegantes casas de bingo, e porrinha nas ruas. Nas praças e ruas, há os prestidigitadores de moedas com forminhas de empada sobre caixotes arrancando dinheiro de curiosos.
A  alucinante Las Vegas
Pela Internet, joga-se em cassinos como os de Las Vegas, é só ter ‘estofo’ lá fora e um belo cartão de crédito. Já na Austrália, 80% da população adulta é jogadora, número preocupante. Uma operadora de certa linha aérea australiana contou-me de voos fretados por brasileiros riquíssimos para apostar em cassinos daquele país. Nos EUA, é enorme a jogatina, de caça-níqueis a bacará, um jogo de cartas controlado por um crupiê esperto e ligeiro. Sem falar na roleta, atração maior até para quem nunca jogou na vida. Basta apostar, pagar, e, quase sempre, perder tudo.
"Em outras palavras, quando você joga um dado  o número que provavelmente virá  depende daquele que você acaba de jogar. Não será completamente ao acaso" (trad. livre do A.)
Há grupos como o MIT Blackjack (‘vinte e um’) Team, do Massachusetts Institute of Technology. Alguns especialistas têm a matemática como parceira, como  dois professores de uma universidade americana que começaram a fazer dinheiro nas roletas, baseando-se na teoria da probabilidade, que vem sendo amadurecida desde Blaise Pascal (séc. 17). Na roleta há diversos tipos de apostas, e as preferidas pelos matemáticos são as mais simples, chance de 50% na primeira jogada: preto ou vermelho, maior ou menor, par ou ímpar.
Se ao apostar em uma dessas opções na primeira vez der azar, a chance de perder novamente já é um pouco menor. Na terceira vez, é ainda mais fácil vingar a mesma escolha. Quatro derrotas seguidas indicam que é hora de jogar pesado. Mas se perder uma quinta vez, multiplica-se a aposta para, quase fatalmente, cacifarem altas somas, ante o desespero dos cassinos. Claro, há teorias com variações diversas sobre o assunto. Segundo estudiosos, elas seriam a Bayesana, mais 'científica' (penso que meio positivista), e a clássica - é claro, rivais.
Há muito anos, resolvi testar a coisa. Perto de casa, em São Paulo, conheci o Mané, ‘corretor zoológico’ (ironia para ‘apontador de jogo’). Simpático, sempre de terno e uma bíblia na mão, emprestou-me seu caderno de resultados. Resolvi jogar nos grupos, que vão de 1 a 25 e levam nomes de animais: do 1, avestruz (grupo 1, 2, 3 e 4), ao 25, vaca (97, 98, 99 e 00). Copiadas as páginas do caderno, escolhi o macaco, que não ganhava há 17 dias. Jogava sempre no mesmo horário, mesma central, e aposta gorda; se falhasse, dobrava a mesma aposta e ainda adicionaria um ‘plus’ pela perda anterior. Falhando, repetiria uma, duas, três vezes, e logo dava.
O cantinho do apontador,  bem à vista
O ‘xerife’ geral da região pediu ao Mané que lhe telefonasse sempre, logo após eu jogar, para que ele pudesse repetir a minha aposta, ‘descarregando’ o prêmio. Na ganância, acrescentei um segundo bicho azarão, depois um terceiro, e com três passei a ganhar com muita frequência. O ‘banqueiro’, para dificultar, resolveu não aceitar mais meus cheques e passei a apostar em dinheiro. Apesar do lucro enorme, aquilo já se tornava um vício, e para não perder o dinheiro empatado passei a não escolher novo bicho a cada acerto até zerar tudo, no lucro.
Há jogo do bicho em todo o país, provavelmente em todas as cidades. Bares, lojas de fachada, ou abertamente nas calçadas, como no Rio, de resultados pendurados, o “deu no poste”. É hipocrisia pura fingir que não existe o que todo mundo vê, sabe-se até onde se faz aposta.  Por isso mesmo, há um projeto para liberação do jogo tramitando no Senado desde 2014.
O Barão de Drummond
O Jogo do Bicho foi criado em 1892 pelo Barão de Drummond, hoje nome de praça na Vila Isabel carioca. Seu zoológico estava deficitário, daí ele ter inventado uma roleta com as figuras dos 25 bichos, para ajudar no sustento da ‘prole’. A prática desse jogo sempre foi muito popular, pois o sujeito que faz sua ‘fezinha’, em geral humilde, aposta o trocado que puder, e ainda escolhe os números de sua preferência. (Costumam apostar em sonhos, há até livros sobre as relações entre devaneios e os bichos!) Em 1946, o presidente Dutra proibiu todos os jogos de azar no país. Diziam que a esposa dele era jogadora compulsiva, apostava e perdia muito. Mais uma vez, o país dobrou-se diante dos problemas familiares de um governante. 
O imponente Teatro do Cassino da Urca
Cassinos da Urca, Copacabana Palace, Quitandinha de Petrópolis e tantos outros foram lacrados, forçando uma bruta queda no ingresso de recursos no comércio e no Tesouro. Foram 55 mil desempregados (seriam 270 mil, com a população de hoje), entre eles mais de 2.000 artistas (hoje 10 mil, o país em 1946 tinha só 41 milhões de habitantes!). Pixinguinha, Carmen Miranda, orquestras como a do Severino Araújo, legiões deles se projetaram nos cassinos.
Prisão da "casta" do jogo do bicho no Rio, em 1993:
Juíza Denise Frossard. 
Não jogo, talvez uma Mega Sena bissexta, no bicho nunca. Mas que imensidão de impostos seriam recolhidos com a legalização do que existe de fato (e hoje engorda os cofres dos chefões do crime)! Bicho, jogos e cassinos salvariam o povo da ‘derrama’ cada vez maior de impostos e ‘contribuições’, fora um número fabuloso de empregos diretos e indiretos! Nos EUA, em 2012, o jogo (sem contar a arrecadação também bilionária das loterias) proporciona emprego direto a 120.000 pessoas, sem contar empregos e benefícios indiretos, como turismo e serviços. Chegou a pagar ao Tesouro, naquele ano, US$ 574 bilhões (atualizados), ou R$ 2 trilhões, 267 bilhões em impostos. Em um ano, mais do que o dobro do que se pretende obter aqui com a reforma da Previdência em dez anos!

Arrecadação do jogo nos EUA (fora as milionárias loterias): US$ 564 bilhões, ou R$ 2.216.520.000: