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sábado, 22 de setembro de 2018

WAGNER E O ANTISSEMITISMO . VERDI E O ELOGIO AO POVO HEBREU: ‘NABUCCO’

Nós já falamos aqui de Richard Wagner (1813-1883). Polêmico, fazia propaganda aberta do antissemitismo, do racismo, do vegetarianismo, do budismo e outros tantos ‘ismos’ ocidentais e orientais. Foi endeusado por muitos e execrado por outros. Ligou-se a alguns revolucionários, como o anarquista Bakunin, mas acima de sua posição ideológica complicada, ninguém pode negar que   

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                Tristão e Isolda foi um verdadeiro estopim para quase tudo o que aconteceu na música do século 20. Wagner chacoalhou e subverteu o conceito de tonalidade, que já fraquejava, fora do tempo, verdadeira revolução que tomara conta da filosofia, da política, dos costumes e de todas as manifestações artísticas.
Zubin Mehta
A comunidade judaica já amargava, há um bom tempo, o abraço do compositor às ideias antissemitas, a um ponto em que Hitler, nascido seis anos após a morte de Wagner, logo viria a escancarar sua admiração pelo compositor e outros antissemitas. Mas nem todos compactuam com esses pontos de vista beligerantes. Há uns bons anos, o maestro indiano Zubin Mehta, convidado a reger a Filarmônica de Israel, resolveu preparar com sua orquestra algumas obras wagnerianas, causando uma controvérsia que agitou o mundo judaico. A polêmica tomou páginas de todos os jornais do mundo. Após a Segunda Guerra, Yehudi Menuhin apresentou-se várias vezes pela Cruz Vermelha em Jerusalém. Repertório: compositores germânicos. Depois de Zubin Mehta, em 1989, e logo após a queda do Muro de Berlim, Menuhin apresentou-se com a Staatskapelle do antigo lado oriental.


Retornando a Wagner, ainda em vida o compositor já havia reacendido a polêmica, não se sabe se por capricho ou penitência, convidando o regente judeu Hermann Levi para conduzir a estreia de sua ópera Parsifal. Bastante menos flexível do que seu compositor predileto, mais adiante Hitler ordenou ao temido Goebbles que evitasse que Erich Kleiber, diretor da Ópera de Viena – ‘aquele judeu’, como dizia – regesse Wagner. Entusiasta da ‘obra de arte total’, em 1933 Hitler contratou o jovem arquiteto Albert Speer para que concebesse a cenografia impecável de flâmulas, refletores, e bandeiras que haveriam de se tornar símbolos do grande poderio nazista. Speer foi um dos pioneiros do marketing cenográfico político, cedendo aos caprichos do ditador, que vislumbrava aquela coisa suntuosa, monumental, digna do Império Romano e palco de sua ópera wagneriana pessoal.
Hans Von Büllow
Wagner foi um gênio especialmente complicado. Embebido no ódio antissemita, foi um crítico impiedoso de Mendelssohn. Wagner separou-se para se unir à jovem Cosima Liszt, que era casada com o grande regente Hans Von Büllow, que ironicamente havia regido algumas de suas óperas. A arte segue a vida: em O Navio Fantasma, Senta busca fugir com o holandês; em Tannhäuser, Isabel passa por drama semelhante; com Marcos, Isolda e Tristão , acontecem loucuras parecidas. Essas loucuras estão por todo lado, a perder de vista. Os céus devem ter estremecido diante da traição e promiscuidade entre deuses, heróis, amantes e mitos.

Preconceitos persistem no presente: nos anos 1980, Vanessa Redgrave foi impedida pelo board of trustees do Symphony Hall de Boston – algo como os antigos ‘Patronos’ do Teatro Municipal de São Paulo – de ser narradora em um evento com a orquestra. Motivo: a atriz havia concedido entrevista declarando-se simpática à causa palestina.

Giuseppe Verdi
Deixando de lado os conflitos de ordem racial ou religiosa dos tempos recentes, voltemos a 1813, do nascimento de Wagner. Naquele mesmo ano, veio ao mundo o italiano Giuseppe Verdi, nascido em uma família de comerciantes. Cedo, aprendeu a manobrar o órgão, e, não muito tempo depois, já substituía o velho organista da Igreja de Roncole. No início, compunha, mas não teve orientação de um professor. Mandado a Milão, ironias da vida, não conseguiu entrar no famoso conservatório. Estudioso e com muito talento, logo Verdi passou a colecionar elogios do meio musical. Um empresário do La Scala, vendo nele um investimento, encomendou-lhe uma ópera. Verdi debruçou-se sobre a partitura de Um Dia de Reinado: sonhava largar a provinciana Parma com a mulher, Margherita, e duas crianças. A estreia redundou em um tremendo desastre.
La Scala, de Milano
Merelli, empresário do La Scala, convenceu seu protegido a escrever mais um título, nascendo assim Nabucco, que compensou com estrondoso sucesso o fracasso anterior. O coro dos hebreus escravizados va pensiero, sull’alle dorate (vá, pensamento, sobre asas douradas) é quase um hino da Itália, e significou também sua libertação. Na época, a Áustria dominava o país e a disputa, além daquela musical, era a ferro e fogo.


Os italianos se identificaram com o povo Hebreu de que falava Nabucco, e Verdi se aproveitou daquele momento político para impor-se como trunfo e glória italianos. O nome do compositor chegou a virar uma espécie de acróstico, ‘Viva V.E.R.D.I’ (Vittorio Emmanuel, Re D’Italia). Famoso, lançou-se na política, conseguiu eleger-se deputado e logo depois senador! A música seduz e envolve, mas o poder inebria e, como disse Henry Kissinger muitos anos depois, é afrodisíaco. (Abaixo, o emocionante coro va pensiero, em um inusitado protesto contra os desmandos de Berlusconi, por Ricardo Muti e o coro da Ópera de Roma)





sábado, 15 de setembro de 2018

A LISTA DE LISZT


Da vida do húngaro Franz Liszt (1811-1886), farta em sortilégios de todos os tipos, da infância até cruzar rumos com Wagner, poderia ser elaborada uma enorme lista de fatos e causos. Aos que se surpreendem com o marketing musical da vida do compositor, como as moçoilas da plateia afagadas com uns trocos para se emocionarem nos recitais, é fato que nada mudou nos dias mais recentes. Eu mesmo testemunhei, no início da década de 1970, participando em uma gravação do programa Som Livre Exportação, da Globo, o diretor Walter Lacet acomodar meninas junto ao piano do ainda pouco conhecido Ivan Lins. Para fazer jus às gorjetas, elas tinham de fazer caras e bocas, quiçá chorar. Os Rolling Stones dão um ‘por fora’ para atitudes extravagantes de nudes e topless que invadem o palco, e até grupos contratados que provocam brigas, como a que culminou com a tragédia de Altamond, em 1969, pelos Hell’s Angels: uma morte cruel.
O Czar Nicolau
A vida de Liszt era cheia de coisas absurdas e exóticas, naturais ao gênio do pianista e regente. Uma vez, pau para toda obra que era, ele se apresentava para o Czar Nicolau, dado a festanças mas não versado nas sutilezas da boa música. Nicolau conversava animadamente com seus convivas até que Liszt, cada vez mais irritado, parou e simplesmente fechou o teclado do piano. O Czar demorou um pouco para perceber que a música havia sumido e, virando-se para Liszt, perguntou-lhe por que parara. Ouviu como resposta que quando um Imperador fala todos ficam em silêncio.
Condessa Marie D'Agoult
Em outra ocasião, Liszt tocava ao piano a Ave-Maria de Schubert para a princesa, que se pôs a tossir já logo no segundo compasso. O compositor aguentou com discrição até lá pelas tantas, quando resolveu interromper o recital. Prova da pouca educação da nobreza da época, a princesa desandou a gargalhar, achando tudo engraçado. Liszt, por sua vez, abriu um vinho e desandou a beber. Do lado namorador, ressaltam-se duas grandes paixões: a aluna Caroline e um longo affair com a condessa Marie D’Agoult. Fugiu com a primeira, correndo do marido dela, e fez o mesmo, dez anos depois, com D’Agoult. Mesmo à distância de Caroline, Liszt cedeu às fortes convicções religiosas da moça, até resolver-se pelo sacerdócio – tarde demais, dada a vida pregressa do músico, na mais pura gandaia.
Liszt e a filha, já Cosima Wagner
Em 1835 ele se tornou pai de Cosima, seu segundo rebento, nascida na Itália. Como que prevendo os rumos que a música compartilharia com os de sua família, o destino fez com que Cosima se casasse com ninguém menos do que Richard Wagner (1813-1883), o grande nome da ópera. E essa ligação musical e familiar era tão forte que Liszt passou a conduzir as obras de seu genro com grande frequência. Em 1886, doente, padeceu por ter sido impedido, por falta de condições de saúde, de reger a estreia da histórica Tristão e Isolda. E foi a partir daí que Liszt, autor de obras virtuosísticas para o piano e também de grandes poemas sinfônicos como Fausto, Prometeu e Hamlet, viu seu genro chegar à criação de Tristão, a grande reviravolta na música ocidental, divisor das tendências entre os seguidores de Brahms e os da nova era, a dos wagnerianos.
Wagner (à esquerda) e Liszt, ao piano
Mas Liszt não pôde viver a grande revolução de Wagner, que abriria as portas para tudo o que viria a partir dele, no final do século 19 e já entrado o 20: morreu em 1886, entregue aos braços de sua filha Cosima, em Bayreuth, onde se realizam até hoje os grandes festivais de óperas do alemão. Wagner assumiu a liderança do cenário musical e, adepto da chamada Obra de Arte Total, compôs Os Mestres Cantores de Nürnberg, cuja apresentação completa leva quase cinco horas e meia. (Mas longe de ostentar o recorde, alcançado pela sinfonia ‘Victory at Sea’, do americano Richard Rodgers, com arranjos de Russel Bennett para a NBC de NY, cuja duração é de aproximadas treze longas horas).
O Judaísmo na Música
Ironias da vida, Wagner cedo havia sido desenganado à frente de seus pais pelos professores Numann, de piano, e Robert Sitt, violino, que informaram aos responsáveis que Wagner era inteligente, poderia fazer outras coisas e abraçar qualquer profissão, mas nunca a de músico (decepção não rara na infância e adolescência de inúmeros grandes talentos). Não podiam prever que o menino haveria de ser o grande marco da história da ópera e o revolucionário musical que transformou o século. Mais ainda, quase tudo o que sucederia sua obra traria vestígios de seu talento. Wagner ainda foi um literato e crítico de mão cheia, à parte obras de cunho antissemita e panfletário como Das Judentum in der Musik (O Judaísmo na Música) e suas perseguições a compositores como Felix Mendelssohn, judeu mais tarde convertido ao cristianismo.
Wagner e Liszt, em ilustração
Wagner, parada final da enorme lista do sogro Liszt em seus anos derradeiros, merece um artigo à parte, após os caminhos cruzados entre os dois na música e na vida, tendo Cosima, amada do alemão, como ponto de união desse abraço musical, marco indelével da história de nossa arte e civilização.

sábado, 1 de setembro de 2018

ANEDOTA E TRAGÉDIA NA MÚSICA

Contada por um maestro argentino: certo dia, cruzaram-se em um bosque um coelhinho e uma cobra. A serpente, cega, perguntou quem ele era. Brincalhão e também cego, desafiou: adivinha! A cobra, roçando nele, disse bom, você é peludo, orelhas grandes, dentões...você é um coelho! Viva, saudou o dentuço, e por sua vez falou deixe adivinhar, você é liso, não tem ouvidos, o sangue é frio. Você é um maestro! (É sempre mais divertido quando um regente conta).
Humor mais azedo, um músico bate à porta do teatro para ensaiar e pede ao zelador para abri-la. O empregado, semblante triste, disse não haveria ensaio, o senhor não sabe que o maestro faleceu? O músico baixa a cabeça e vai-se embora, mas logo volta. O zelador pergunta já não te disse que o maestro morreu? O músico se desculpou e foi embora. Dia seguinte, o mesmo. Atende à porta o encarregado, desta vez já enfurecido, e grita já é a terceira vez que você vem e já chega! O músico desculpou-se e murmurou é que você não sabe como me agrada ouvir isso! A acidez dessa anedota foi compensada pela gargalhada do próprio maestro piadista.
O veneno dos músicos não vê limites, procura logo atingir a capacidade auditiva do regente. Durante um ensaio, certo maestro não conseguia amainar a balbúrdia da orquestra. Na baderna, um percussionista arremeteu com força sua baqueta contra o enorme bumbo, causando um estrondo. Queimou o pavio do maestro, que gritou: ninguém saia daqui até que me apontem o músico e o instrumento que fez isso!
Berlioz, de quem já falamos, trouxe à sua vida trágica a anedota real. Morreu sofrendo, mas não poupou anedotas de despedida. Foi enterrado junto às suas duas esposas. E ainda conseguiu dizer que o mundo, finalmente, teria motivo para ouvir suas músicas. E tinha pressa: em seus funerais, cavalos e carruagem que transportavam o esquife dispararam em desabalada pelas vielas do cemitério. Compositor, Berlioz nunca dominou qualquer instrumento - o que não é condição sine qua non para compor ou reger -, apenas arranhava seu violão e gostava dos tímpanos, mas tocar a vera, nada.
Franz Liszt, por  Von Herkomer
O compositor, maestro e exímio pianista Franz Liszt (1811-1886) entrou para a história como um mago de seu instrumento. Aos nove, já se apresentara como prodígio na corte do príncipe Esterházy. Aos onze, enorme honra para um garoto superdotado, viu o gigante da música Beethoven subir ao palco para cumprimenta-lo após uma audição.
Liszt é falado também como o criador do recital, apresentação solo sobre um palco de concertos. Compôs proficuamente, editou, dirigiu, regeu e tornou-se um literato com igual habilidade. Era chamado ‘o Paganini do piano’, tamanhas as diabruras que fazia com os dedos nas teclas. Os seus Estudos Transcendentais esbarram nos limites da técnica, o que não lhe era problema. Brilhante improvisador, um dia tocava um concerto e na apresentação divagou tanto na cadência – trecho em que o solista, com a orquestra pausada, mostra sua destreza muitas vezes em improviso - que quando resolveu voltar ao tutti (toda orquestra), dando prosseguimento à apresentação, sinalizou ao regente uma, duas, três vezes, e o maestro não retomou a orquestra. Anedota real, fez uma pausa, e perguntou-lhe: qual é mesmo o concerto?
A interpretação e a técnica de Liszt eram assombrosas, e, como ‘parte de seu show’, chegava a dar uma gorjeta para moçoilas da plateia fazerem beicinhos e chorarem de emoção durante suas apresentações, serviço pelo qual, consta, pagava fielmente. Nada a dever às claques dos nossos programas de TV. Armava seu circo, que terminava sempre em espetáculo de glória e exaustivos aplausos.
Já que falamos do apelido de Liszt (‘o Paganini do piano’), o genovês Niccolò Paganini (1782-1840) foi o suprassumo do virtuosismo musical. Segundo estudos mais recentes, teria nascido com a síndrome de Marfan, má-formação que faz a carreira de muitos contorcionistas de picadeiro, descoberta e estudada apenas meio século depois. Consta ainda que aquele violinista de feições cadavéricas, dedos e nariz avantajados, ficou preso por anos, acusado de matar três de suas ex-amantes. Na cadeia, tocava seu violino durante boa parte do tempo. Uma corda arrebentou, mas prosseguiu com três e depois duas. Enfim, restou-lhe uma, apenas a quarta delas, a mais grave (talvez a razão de ter escrito suas Variações sobre um Tema de Moisés no Egito, de Rossini, sobre uma corda só). Personificava o músico que teria feito pacto com o demo.

Livre da prisão, Paganini apresentou suas vinte variações chamadas Le Streghe (As Bruxas). Um crítico, perturbado pelo que vira, descreveu-o como um sujeito alucinado com chifres, roupas vermelhas e um longo rabo (à semelhança do capeta!), tocando seu violino como um bruxo demoníaco. Por essas e outras, o músico, já no leito de morte, viu o arcebispo de Nice negar-lhe a extrema-unção. Após os funerais, Paganini continuou sendo alvo de curiosidade geral. Exumado algumas vezes, em uma delas seu corpo ficara exposto, protegido por um vidro, para que a sanha mórbida e a curiosidade popular fossem saciadas. Um empresário francês chegou a oferecer a bela soma, para a época, de 30 mil francos - coisa de R$ 500 mil atuais - pelo direito de exibir os restos mortais. Em 1845 Paganini foi desenterrado pela última vez. Mesmo defunto, desfrutava de grande fama, coisa que em vida cultivava de forma espetaculosa, qualidade que soube muito bem vender, assim como sua imagem e suas concorridas apresentações.