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sexta-feira, 22 de julho de 2016

MEMÓRIAS DE UM TENENTE DE MILÍCIAS

Coronel Juquinha, à direita
Minha mãe não escondia sua aversão ao assunto. Nas vezes em que puxei conversa, ficou brava e mal continha a emoção. Há uns anos, já bem doente, mas ainda lúcida, reagiu a uma foto de meu avô, seu pai, que encontrei dentro de um livro. Todo garboso em sua farda, perfilado a alguns companheiros.

Maria Lúcia, minha mãe, um ano de idade
Minha mãe fez para si mesma uma pergunta, sem esperar resposta, “por que será que ele foi se meter nisso, perder anos de sua vida? Por causa de um ideal?” Quando Vovô Juquinha foi preso e exilado, minha mãe tinha algo como três anos de idade - e vieram outros em sua vida, duros tempos de criança em que se viu afastada do pai, vendo sua mãe, Lilia, a cuidar dos cinco filhos sozinha, com escasso dinheiro.



Getúlio Vargas
O ódio a Getúlio, eufemisticamente chamado “o pai dos pobres”, talvez a ajudasse a destilar o que chamava 'obsessão' de meu avô, pensando como viria a dizer o Geraldo Vandré, “morrer pela Pátria e viver sem razão”. Juquinha, aliás, José Carlos Campos Cristo, era um legalista, defensor das instituições, moldado no caldeirão de ideais que ferviam em seu sangue desde cedo (filho que era do Cel. Vieira Christo, meu bisavô, também perseguido pela ditadura Vargas e legalista desde sempre). Minha mãe, Maria Lucia, contava que Getúlio, com seu ranço populista, mandava preparar crianças e adolescentes de escolas públicas para que fossem saudá-lo em desfile. Imagine seu ódio ao ver aquilo, a meninada bajulando o homem que lhe tirara o pai, um golpista com máscara de líder popular que bebera do veneno de Mussolini.

De meu avô, lembro-me de suas estórias (friso: com “e”) de aventuras, fugas, prisões, exílio. Em uma cadeira de balanço, ao lado de um rádio de ondas curtas, desfilava tramas com jeito de contador de histórias, aquela voz suave e monocórdica que, hoje, as crianças imaginariam ser memórias de um Indiana Jones. 

O jovem Mark Twain
Era como filmes que se desenrolavam à minha frente, cabia como luva uma frase de Mark Twain: “Quando pequeno, lembrava-me de tudo: do que realmente aconteceu e do que nunca acontecera. Porém, minha capacidade está decaindo, e logo vou lembrar-me apenas do que nunca acontecera”. Assim era com minhas “viagens” pelo mundo das aventuras de vovô Juquinha, naquela época já um coronel reformado. Em tempo: o título deste artigo tomei emprestado do escritor Manuel Antonio de Almeida (1831-1861), autor de “Memórias de um sargento de milícias”. Nada com o texto, pura licença de escrita, vício recorrente meu.

(Acervo pessoal do autor: Lloyd brasileiro)
Meu tio José Carlos Campos Christo, cirurgião renomado e filho de Juquinha, nascera após o retorno de meu avô do exílio, e foi quem teve o esmero de recentemente compilar documentos, fotos, publicação que me enviou há uns poucos dias, a colocar meus devaneios infantis e meu Indiana Jones particular mais com os pés no chão. Com precisão cirúrgica, meticuloso, estabeleceu ordem cronológica aos fatos e documentos, datou-os e nos fez um depoimento tão encantador quanto assustador, brasileiros vítimas de tantas ditaduras que somos. É sempre fiel às fontes, sem deixar de ser uma leitura fácil e sedutora. Publicou-o em forma de livro em edição reservada, que levou o título “Reminiscências de um exilado de 1932”, sobre o qual passo a refletir, em entreato da minha emoção e a de minha mãe.

Documento de exilado da Polícia de Portugal
O envolvimento de meu avô com a política começou cedo, jovem militar deslocado para o Rio, capital da República, para trabalhar no gabinete do Setembrino de Carvalho, Ministro da Guerra. (Na defesa da legalidade, após a revolução de 32 terminou deportado e exilado em Portugal aos 31 anos, ainda bem jovem, sofrendo a humilhação de se ver expulso de seu país). Em 1924, quando da “revolta paulista”, lá estava Juquinha no Rio, aos 22 anos de idade, a trocar informações sobre os deslocamentos das tropas legalistas fieis ao presidente Arthur Bernardes e ao presidente do estado de São Paulo, Dr. Carlos de Campos, que sofrera um ataque dos revoltosos no Palácio dos Campos Elísios, na capital paulista, e ergueu seu gabinete de crise na estação (então da EFCB) de Vila Matilde, cercado pelas tropas legalistas federais, que o defendiam.

Carlos de Campos
Carlos de Campos, homem de fibra, era também um exímio músico. Compôs até algumas óperas, e foi o responsável pelo projeto, em 1925, de uma estação da Sorocabana, que depois se chamaria Júlio Prestes, no bairro da Luz, centro – hoje a suntuosa Sala São Paulo, templo da música no país. Quis o destino que eu, neto do Juquinha que ajudara a defender Campos, fosse, décadas depois, empossado como diretor do Conservatório de Tatuí, aliás CDMCC, oficializado em 1954: Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos. Coisas que o destino faz e ninguém explica.


Claro que entendia o trauma de minha mãe pela lembrança dos tempos difíceis por que passou, mas o lado heroico do meu avô é emoção pura. Em sua dedicatória, personalista, meu tio José Carlos, organizador das “Reminiscências”, o chama carinhosamente "meu herói". Talvez porque o lado mito de Juquinha lhe tenha sobrevivido com o tempo, cicatrizado o sofrimento dos idos passados. Sobressai-lhe a figura do pai-herói (e meu avô-herói). Antes tivéssemos muitos como ele, os tempos seriam outros. Ficamos entre a emoção e a razão, eu e minha mãe com a primeira, em pontas opostas, e tio José Carlos, mais empenhado na verdade documental. Tudo se unindo como em Dante, na Divina Comédia: m’apparecchiava para sostener la guerra, sì del camino, sì dela pietate (camino simbolizando o chão, a razão, e pietate, o coração). 

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A HORA E A VEZ DE NAOMI MUNAKATA

(Divulgação)
IN MEMORIAM

Conheci Naomi em 1985, quando ingressei como professor na Escola Municipal de Música, do Teatro Municipal de São Paulo. Naquela casa antiga, encontrei-me com colegas, alguns conhecidos, e outros menos, de quem sabia só de nome. Naomi era um deles. Passei a conhece-la melhor em 1989, quando, por indicação consensual dos professores à administração, tornei-me diretor da unidade. Daí, claro, meu contato com todos os professores passou a ser mais próximo, pois que diários, e Naomi tornou-se conversa constante e amiga. Era, a um só tempo, professora de teoria e aluna de harpa, uma combinação que eu não compreendia muito, mas que apenas aguçava minha ideia de que ela era uma pessoa ávida por aprender e se expandir.

Naomi nasceu em Hiroshima (pausa fora do assunto, pois nunca me conformei: hecatombe absurda a que se seguiu Nagasaki, dois dias depois da primeira bomba, quando o Eixo já se desmontara, deixando o Japão indefeso). Os pais de Naomi decidiram para lá ir assim que os efeitos da radiação daquele holocausto cessaram. E foi ali mesmo, anos depois, no meio daquele pedaço de chão que é um passado vergonhoso da história, que nasceu nossa amiga. Bons papos, eu a convidava, uma vez ou outra, para minha casa em Jabaquara, e, com um fusquinha simpático, levava seu wok (fritadeira) e os apetrechos para fazer uma de suas especialidades: um maravilhoso sukiyaky, que sabia elaborar com toque de maestrina.

Saboreávamos a iguaria e, já mais tarde, à noite, meu segundo filho, Lucas, ainda quase bebê e difícil de fazer dormir, começava a ficar impaciente e irritado. Mas era batata: bastava Naomi pegar o menino, colocar no banco de trás do fusca velho de guerra, e dar umas voltinhas no quarteirão. Tiro e queda, lá vinha ele embalado e dormindo. (Em uma viagem, achei uma bonequinha de pano de feições orientais cuja face era bem parecida com a da amiga: chamei-a Naominha, e dei-a de presente ao meu filho).

Ela também dominava técnicas das tradições orientais com habilidade: certa vez, eu estava com a coluna literalmente travada, muita dor nas costas, e ela pediu-me que deitasse de bruços no chão de minha sala. Dito e feito, tirou os sapatos, passou a caminhar sobre minha coluna, vértebra por vértebra, usando seus calcanhares com precisão cirúrgica. Ao final, minutos depois, levantei-me, e onde estavam a dor e a coluna engripada? Mágica da Naomi: levantei-me aliviado e agradecido.

Eric Ericson
O destino de Naomi era mesmo o pódio, a regência coral. Com um ouvido impecável, aguda sensibilidade, começou a embrenhar-se nessa missão e devotar-se a ela com grande paixão. Tendo iniciado seus estudos musicais ao piano, aos tenros quatro anos de idade, mais tarde acabou, durante anos, privilegiada pelas lições de mestres como Eleazar de Carvalho, Hugh Ross e Sergio Magnani, entre outros. Obteve uma bolsa de estudos da Fundação Vitae para estudar com o ‘papa’ da regência coral Eric Ericson, na Suécia.

Porém, havia um pequeno problema: para viajar, Naomi, funcionária admitida, não possuía o privilégio dos servidores estatutários de poder afastar-se com prejuízo de vencimentos. Porém, com a ajuda de pessoas de bom trânsito nos meandros da Prefeitura – e entre elas cito minha ex-assistente e ex-diretora administrativa do Centro Cultural SP, Maraíza Nascimento -, por uma espécie de “ressonância” legal, lá foi Naomi, dispensada, para a Suécia, de onde voltou preparada para trilhar nova gloriosa carreira.

(Divulgação)
Tornou-se regente do Coral do Estado, que lapidou com mãos de artesã. Mais tarde, transformou-o em Coral do Estado e, em um salto, ergueu o Coro Sinfônico da OSESP, na belíssima Sala São Paulo, criando não um coral, mas um verdadeiro grupo vocal dedicado ao repertório sinfônico, que seria sua atribuição profissional, e o dirigia com todas as sutilezas e nuances que esse tipo de formação merece. Naomi tinha o dom da simplicidade dos gestos, uma suavidade com as mãos que dialogavam em sintonia com a voz, o controle sem a rigidez mecânica do tempo, algo com que eu, com certa liberdade, posso parafrasear o liberalista econômico francês Gournay, transportando-o para o contexto musical: laissez faire, laissez chanter (deixe fazer, deixe cantar). Nascia, assim, o grande coro talhado para o repertório sinfônico - modelar, exemplar, um paradigma para o Brasil. Lembrava-me do Coro de Tanglewood, um belíssimo grupo de grandes cantores que se apresentava com a excelente Boston Symphony Orchestra, em concertos e gravações.


Em 2014, Naomi tornou-se “regente honorária” – segundo o Houaiss, ‘honorário -  “que, após ter deixado de exercer função, cargo, emprego, conserva o título e as prerrogativas” - da Osesp, o que parecia uma honra especial, mas que desde já deixava transparecer o desfecho da ópera: no final de 2015, Naomi era demitida da Osesp, por motivos que não se sabe, que agora menos ainda cabe discutir. Recolheu-se, pois, como dizia o mestre Eleazar de Carvalho, quem é bom já nasce feito, não precisa de estripulias para se afirmar. Recentemente, em 2016, Naomi, quieta como se já aguardasse algo novo surgir, foi convidada e assumiu o posto de regente titular do Coral Paulistano do Teatro Municipal, fundado pelo grande Mário de Andrade. O que desejo para Naomi Munakata, agora, talvez não devesse ser dito, mas cantado  por todos os anjos: uma frase do famoso coro do terceiro ato da Ópera Nabucco, de Verdi, resumiria tudo: “segue, pensamento, sobre asas douradas” (va, pensiero, sull’ali dorate), pois seu voo é para sempre, ad lib, menina. 

NUNCA PARE DE VOAR, NAOMI!

sexta-feira, 8 de julho de 2016

FIGURAS MUSICAIS QUE TODOS DEVERIAM CONHECER

JORGE ANTUNES

Pode não ser o compositor mais popular, nunca deve ter pensado nisso. Sua música é plena de conceitos, faz pensar, sua missão não lhe permitiria a fama. O carioca Jorge Antunes (1942), radicado em Brasília, onde trilhou longa carreira na UnB e orientou uma legião de talentos da vanguarda, não é um desses simples adeptos da modernidade: para chegar onde chegou, conheceu os caminhos da mais sofisticada erudição, formando-se na UFRJ, e depois em Paris, Utrecht e Buenos Aires, tendo sido aluno de nomes históricos como o do papa da música concreta, Pierre Schaeffer, e do ícone da composição Alberto Ginastera. Foi laureado como "Chévalier des Arts", entre diversos títulos. Sua obra é das mais ecléticas, tendo composto desde música eletroacústica, da qual foi pioneiro no Brasil, criou sua Música Cromofônica (sons e luzes) e compôs óperas, música de câmara, peças sinfônicas e tudo o que pudesse unir sons ao seu pensamento filosófico. Não faz música para apenas para se ouvir, sua arte persuade a pensar.

Universidade na Grécia
Controverso, polêmico, Antunes, pessoalmente, cumpre papel inverso. É uma personalidade de fácil acesso, boa conversa e bastante simpático no trato com colegas, público e alunos, esses últimos a grande devoção de sua vida, que é ensinar. Mais ainda, não os introduz, apenas, aos cânones acadêmicos, mas literalmente chacoalha as mentes e faz despertar nos jovens a necessidade da consciência política e da reconstrução musical. E faz tudo isso com um português escorreito, redigindo seus textos com clareza cristalina. Procura despertar a indagação, a necessidade de pensar, pensar, pensar, criticar. Ou seria outra a missão da universidade, desde o seu primórdio?

Vou falar de três momentos meus com Jorge Antunes. Há muitos anos, houve um programa da Rádio Bandeirantes de São Paulo sobre o Hino Nacional – e tive a grata honra de dividir, cada um em sua área, a conversa com o especialista em língua portuguesa Pasquale Cipro Neto. Daí, uma revista nacional de grande porte me entrevistou e ao Jorge Antunes. Enquanto eu fiquei por conta da dificuldade de se cantar uma música instrumental complexa de 1831 (já foi Hino da Abdicação) e uma letra de tão difícil compreensão para o povo, Antunes expôs sobre seu Hino Nacional alternativo, polêmica que poderia ter tido consequências nada agradáveis, já que questionava um símbolo pátrio em tempos mais duros.

Não demorou muito, e o compositor me pediu que analisasse uma obra sua, “Três Impressões Cancioneirígenas” para sua Poética Musical, depois publicada pela Ed. Sistrum (2002). A peça que abordei é um caleidoscópio de símbolos musicais, visuais e textos, com alusões ao AI-5, usando de truques como “éramos ene / aí um foi embora / aí dois foram embora / aí três foram, embora (...) aí 5, aí 5", clara referência ao famigerado Ato Institucional de 1968, que foi um golpe fortíssimo dentro do golpe militar.

Escrevi, com plena liberdade para fazê-lo, abrindo o texto com as colunas do Niemeyer no Palácio da Alvorada dando forma gráfica ao monte empilhado de palavras e sílabas do texto do Ato Institucional, simbolizando a imagem-símbolo do Distrito Federal, as belas colunas do Alvorada.




Olga Benário
Há mais de dez anos, Antunes estava com sua ópera Olga, baseada na perseguição e morte da companheira do líder Luís Carlos Prestes, inteiramente pronta. Disse-me que ele já chegava aos 65, e tinha medo de morrer antes de vê-la encenada. Ora, disse-lhe eu, rindo, você não vai tão cedo, vamos batalhar. Uma vez em São Paulo, Antunes, puxando em um carrinho de bagagem os enormes volumes encadernados da ópera, viu a primeira tratativa fracassada. Raro se fazer ópera no Brasil, quase impossível vê-la encenada.

O sofrimento de Olga, com Martha Herr
Pois foi no tradicionalíssimo Teatro Municipal de São Paulo, que em 2006, portanto há dez anos, aconteceu a grande encenação, com nossa amiga comum, a saudosa Martha Herr, soprano, no papel de Olga, que lhe coube como uma luva. Como o terrível Chefe de Polícia de Vargas, Filinto Müller, o grande tenor Fernando Portari. O cenário foi impactante, as citações de Tristão e Isolda, de Wagner, de uma riqueza inteligentíssima, remetendo a uma das maiores óperas de todos os tempos, até a longa ária final de Olga lembrando o Liebestod (canto de amor e morte) de Isolda, na cena final. Nunca imaginei ver meninas, com cara daquelas aficionadas por novelas jovens, chorando ao final, bem da fila da frente – devem ter vindo em grupo colegial ou coisa assim. Isso foi prova que o povo não pode gostar daquilo que não conhece, bastando a oportunidade de conhecer algo para se apaixonar pela música, quando ela consegue seduzir.


Ano que vem, 2017, Jorge Antunes completa 75 anos de plena e incessante atividade. Não me falou nada sobre medo de “partir” assim, sem o reconhecimento à altura, isso ele deve guardar para si, mas advirto logo que ele não irá tão cedo, e o Brasil saberá reconhecê-lo, com as mais justas homenagens pelos 75 anos de vida. Tendo à disposição diversas publicações, certamente poderemos fazer de uma apresentação uma breve viagem por sua obra, no Conservatório de Tatuí. Todos têm espaço para compor, no Brasil, seja pela trilha mais nacionalista, conservadora ou vanguardista, correntes que revelaram alguns gênios, fora as de visões personalíssimas, marca de Antunes. Só desejamos que a celebração tenha o mais amplo espaço no país, pois cravar esse marco em sua homenagem é fundamental. Mesmo porque não se faz um músico desses e 75 anos todos os dias.



Contato: Sistrum Edições musicais (61) 3683976 / mauritz@americasnet.com.br

sexta-feira, 1 de julho de 2016

BREXIT, TRUMP, BRASIL E O NEOFASCISMO

"Vamos ficar juntos"

A reviravolta no referendo do dia 23 de junho no Reino Unido, que decidiu pela saída (Brexit) da União Europeia, foi um incidente que surpreendeu. O premiê David Cameron, durante a campanha, havia prometido realizar a consulta popular, a fim de agregar votos ultraconservadores ao seu eleitorado. Cumpriu a promessa, e amargou a derrota. Fez o que prometeu, ao contrário de políticos de países em que promessas são comumente abortadas após a posse. Honrou sua palavra, que é sagrada entre os anglo-saxônicos, e anunciou a renúncia. Perdeu o Reino: em 2012, a União Europeia recebeu o Prêmio Nobel por mais de sessenta anos em defesa da paz, da democracia e dos direitos humanos.


A iniciativa ultraconservadora pode conduzir à dissolução da UE, e já cria sérios problemas políticos e econômicos para o Reino, e por tabela para o mundo. Como reflexo desse tombo, em países como a Itália já se ensaiam passos para a retirada. Em paralelo, um visível retrocesso ultraconservador nos EUA, país de ligações filiais com o Reino Unido. O fenômeno catalisador da ultradireita atende pelo nome de Donald Trump (foto acima), “capo” de um conglomerado de empresas que lhe dá um rendimento (declarado) de 250 milhões de dólares anuais. O pré-candidato republicano parece ter uma gana incontrolável pelo poder, levantando bandeiras xenofóbicas e ultranacionalistas não muito diferentes das que moveram o Brexit. Tanto na Grã-Bretanha quanto nos EUA já está semeado o medo, a discórdia que alimenta os instintos mais preconceituosos e que abre uma ferida vulnerável à contaminação em ampla escala.

"Fascios"

É possível detectar os mesmos sentimentos surgidos na Itália após a 1ª Guerra, uma ideologia que foi buscar suas origens bem lá atrás, entre os espartanos, remontando à pureza racial e defesa intransigente de seus ideais pela força. Depois surgiu sem nome, sem lenço nem documento, durante o Império Romano. No século 20, reaviva-se o fascios, símbolo da autoridade penal na Roma antiga, adotado pelo fascismo. Mussolini seduziu o responsável por milhões de mortes, a bordo de um antissemitismo cruel e a ideia de imperar sobre toda a Europa: Adolf Hitler, que louvava a cultura helênica, em especial a de Esparta, e criou seu nacional-socialismo. Já o fascismo de Mussolini tinha laços com pensamentos de Platão e, claro, Augusto e Júlio César, do Império Romano.  

No Brasil, ressurgem os ventos fascistas, tanto faz se entre os que se dizem “de direita” ou “de esquerda”, salvo raras exceções de autenticidade. Seja com os deputados da chamada “bancada da bala”, incensada por alguns, apesar do passado e da conduta reprovável, seja com a “da bíblia”, representada por uma ala radical de algumas “igrejas evangélicas”, que levam para a vala comum as correntes dos que seguem verdadeiramente a palavra de Cristo. Mas não é só nesses agrupamentos que aparece o que já é claramente um retrato do neofascismo.

Stalin: "Guia Genial dos Povos"

Há os radicais que, ligados a agremiações que carregam nomes socialistas, comunistas, ou adotam a bandiera rossa, parece se envaidecerem ao serem chamados de stalinistas, referência ao “Guia Genial dos Povos”, o soviético Joseph Stalin. No fundo, se fascistas e stalinistas não são dois lados da mesma moeda, como gêmeos univitelinos, ao menos com certeza compartilham alguns genes comuns de seus DNAs.

"Black blocs"

Se, no Reino Unido, o Brexit foi definido pelos votos dos mais velhos e conservadores, assim como a ascensão da candidatura Trump, no Brasil o retrocesso se dá em ordem inversa, e tem arrebatado jovens de diversas classes. Há o discurso niilista (de negação geral) do funk, os “black blocs”, pseudo-anarquistas, e parte do Congresso ou personalidades do poder, travestida de uma autodeclarada esquerda que vem se revelando no dia a dia no mais das vezes de mãos dadas com os grandes capitalistas. Por fim, o cheiro do radicalismo fascista chega às nossas universidades. Ao contrário dos idosos conservadores, com Brexit e Trump, ele vem nas atitudes dos mais jovens.

Barricada de alunos em salas de aulas

Uma reportagem na TV mostrou um professor da Unicamp dando uma aula “clandestina”, porque a minoria radical lhe tirou e de seus alunos o direito de realiza-la como sempre. Após escrever uma longa e complexa fórmula na lousa, o professor viu, lado a lado, um aluno apagar tudo, como quem brada “não vai ter aula!” Na Usp, professores do Instituto de Física divulgaram uma carta aberta com referências ao “autoritarismo fascista do movimento estudantil controlado pela esquerda” – obs.: seja lá o que isso for! – e mencionam “a forma truculenta e autoritária” como os “estudantes grevistas” têm atuado dentro da universidade, incluindo “assembleias minoritárias de estudantes” para decidir em nome de todos pelas greves e piquetes. (Eu acrescentaria ao texto dos colegas: protofascistas, algo como “arremedos de fascistas”).

Temos consciência da enorme responsabilidade de fazer parte do corpo docente de uma das melhores universidades da América Latina, que custa aos pagadores de impostos cerca de 15 milhões de reais por dia”. E um recado: para aulas dadas serão consideradas presenças por comparecimento, e para os ausentes, faltas – evitando as surradas e absurdas reposições fake

Aulas “clandestinas” aconteceram na Ufscar e na Usp São Carlos, fora as regulares de institutos do Butantã que resistem ao uso da força pela minoria e separam o joio do trigo. Há quem queira rasgar a Constituição sem sequer tê-la lido. Podem ser novos os tempos, mas as ideias muito velhas.