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sábado, 26 de abril de 2014

EITA FERIADAÇO BÃO!

Nossos últimos feriados me levaram a pesquisá-los em outros países, para saber como funcionam. Minha filha Marta reside em Londres, e foi de grande ajuda: há alguns feriados e dias de festas que abrangem todo o Reino Unido, o País de Gales e a Irlanda, separadamente ou em conjunto. Consultei uma lista minuciosa da editora de música Boosey & Hawkes, pródiga em “holidays”, “bank holidays”, “days off” e “bonfires”. “Holiday” não é sinônimo de ‘feriado’, nem é das primeiras traduções nos dicionários, cujos verbetes se referem a festividades, celebrações, e não necessariamente a um dia sem trabalho. 

Londres: a caminho do trabalho

No Reino Unido, entre os chamados “bank holidays”, temos o Ano Novo, a segunda-feira de Páscoa, o “Early May”, os “bank Holidays” da primavera e do verão, o Natal e o “Boxing Day” (a “caixinha de Natal”), no dia seguinte aos festejos. No “Bonfire” de 5 de novembro se comemora o armistício da Primeira Grande Guerra, mas sem folga no trabalho.

Her Majesty, Queen Elizabeth
Celebra-se o Saint George’s Day, que é também o dia da patrona da Inglaterra, Sua Majestade, Chefe de Estado e da Igreja Anglicana (e ninguém folga para louvar: “Long live Her Majesty”!). Já em junho temos o “Trooping the Colours”, aniversário da Rainha (dia normal de trabalho!), e o Dia Nacional da Inglaterra, espécie de ponto facultativo (facultativo mesmo, não é sinônimo de feriado, como no Brasil!). O “Harvest Festival” (Festival da Colheita) em setembro corresponde ao “Thanksgiving” americano – nos EUA e Canadá a data é feriado, mas no Reino Unido não.

Seattle, WA
Nos EUA, a décima emenda da Constituição dá poderes à República de decretar feriados para a capital (D.C.) e seus departamentos federais pelo país, sendo facultado aos estados legislar sobre o assunto independentemente (até o próprio Natal é observado como feriado em apenas certo número de estados em todo o país). A cidade de Seattle, onde mora meu filho Lucas, tem 10 “holidays”, mas o site do governo informa que é preciso consultar “em quais deles o trabalhador tem direito a descanso remunerado”. As férias por lá são de 12 dias por ano, e de 30 dias após 29 anos de serviço. No serviço de meu filho (empresa privada), após o 1º ano, 40 horas de trabalho de férias (uma semana), após 2 anos, duas semanas, após 5 anos, 3 semanas. Mas se você muda de emprego... ai, você perde tudo. (Ah, e tem quatro feriados ao ano para descanso, felizes eles!).

No Brasil, não se trabalha um número bastante expressivo de dias, decretados por lei. Só os feriados nacionais já somam oito, efetivamente, a serem observados em todo o país, entre religiosos e pátrios, como os de N. Sª da Aparecida e da Proclamação da República. Os feriados móveis, mesmo que pagãos, dependem da tradição católica, como o Carnaval (do latim “carne-levare”, ‘suspensão da carne’). Há a Sexta-feira Santa e o Corpus Christi, já perfazendo um total de onze dias sem trabalho. Aos municípios é facultado, ainda, decretar até 4 feriados – dentre eles, claro, o da padroeira (ou padroeiro) local, assim como as datas de início e término da fundação de cada cidade (Lei 9.335/1996). E mais: no estado de São Paulo, acrescente-se o dia 9 de julho, da revolução de 32, enquanto no Rio de Janeiro há os dias de São Jorge (23 de abril) e da Consciência Negra (20 novembro). Fora isso, no Rio a 3ª segunda-feira de outubro é Dia do Comércio e dos trabalhadores da construção civil, e estão liberados do trabalho comerciários e operários de obras. Este ano, a Prefeitura de São Paulo pretende 'dar' feriados nos dias de jogos do Brasil, e isso somado aos 'enforcamentos' oficiais e por opção...

Frutas e mel: Hosh Hashana
Antes de fechar o quadro nacional, há mais feriados, de difícil compreensão que não seja unicamente pela ótica da cabala populista de votos: a Assembleia Legislativa do Rio aprovou (Lei 2.435/2013) feriados exclusivos para os judeus: ‘Hosh Hashaná’ (Ano Novo), o ‘Yon Kippur’ (Dia do Perdão) e o ‘Pessach’ (Páscoa), este último celebrando o êxodo dos hebreus do Egito. Foi além o ex-prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, que acrescentou aos feriados judaicos os islâmicos, como o Ramadã, a ser celebrado em duas datas móveis em agosto. (E os servidores da cidade, além de tudo isso, ainda podem gozar dez abonos de faltas anuais e 3 meses de "licença-prêmio" remunerada a cada  5 anos).


Getúlio e a CLT
Getúlio Vargas deu ‘de presente’ ao povo brasileiro a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inspirada na “Carta del Lavoro” fascista de Mussolini (acima). A CLT assegurou garantias e benefícios a todos os trabalhadores e lançou o “abono de Natal” (depois, “décimo terceiro salário”).


Promulgação da nova Constituição Federal: 1988
A Constituição de 1988 consolidou um mundo de direitos, completando a coleção. Muito bom. Por outro lado, perpetrou o absurdo dos absurdos, o Art. 19 do Título X, que estabilizou no emprego, pelo resto de suas vidas e herdeiros, milhões de servidores, em boa parte detentores de funções sem cargos para as quais foram admitidos sem concurso por algum mérito ou por motivos tão singelos quanto a indicação de um padrinho político.


Agora, chegam esses feriados e quem emprega funcionários, mesmo no pequeno comércio, ou chama seus familiares para ajudar (um dia sem receber lhes faz falta em seu sustento!). Há os que simplesmente já trabalham o ano inteiro com familiares, economizando encargos, horas extras, FGTS, férias e outras despesas. 

Quando não é assim, simplesmente fecham a contragosto nos feriados, para prejuízo deles próprios e da comunidade que utiliza seus serviços. No Brasil, sem querer entrar no mérito das comparações deste texto, vê-se acontecer lá no andar de cima uma imensa bacanal financeira. Com tudo isso, deve ser mesmo – diria um estrangeiro que não conhece nossa terra - um país modelo, extraordinariamente próspero e rico. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

A SINFONIA DOS NÚMEROS - Para instituto de pesquisa, índice de satisfação dos alunos é de 93,5%


Respeitando cláusula do plano de trabalho celebrado entre o Conservatório de Tatuí e o executivo estadual, foi realizada pelo IPESO, instituto independente de pesquisas, um levantamento por amostragem de 405 pessoas, entre público, pais e alunos. O IPESO tem, entre seus clientes, empresas como Brasilprev (do Banco do Brasil), Adidas e Adria. É por meio de pesquisas que as instituições avaliam suas carências, necessidades e sucessos. Como o Conservatório de Tatuí é uma Organização Social do estado, não é possível repassar benefícios como bônus, apenas convertê-los em agradecimento pelo trabalho árduo realizado.

Assim como na música, cujas notas não falam por si, os números de uma pesquisa precisam ser interpretados. Um universo de 405 pessoas entrevistadas é bastante representativo, haja vista que recentes pesquisas de institutos consagrados na área eleitoral para Presidente da República, por exemplo, abrangem números infinitamente menores proporcionalmente: mil ou duas mil pessoas, para o país inteiro. Vamos aos resultados: 93,5% dos alunos acham a qualidade de ensino ótima ou boa - o que, com relação a pesquisa similar feita em 2009, demonstra um aumento bastante significativo (ver planilha 1 ao final do texto). Esses percentuais são simples indicadores, e no caso abrangem os cursos e a avaliação qualitativa de professores. Além disso, deve-se levar em conta outros fatores, que se relacionam diretamente com o crescimento apontado nos resultados. O índice de “totalmente satisfeitos” e “satisfeitos” chega a ser superlativo: 93,5%!

Para o IPESO, esse percentual entra na faixa que eles chamam de público “encantado”. Deve-se traduzir esse estado de espírito de entusiasmo ao lado do índice dos que recomendariam o Conservatório de Tatuí “com certeza”, 97,8%. (Consequência, também, claro, da avaliação dos professores, de 83,3% para “ótimos”, e 14,5% para “bons” - um total de estimulantes 97,8%! Ver planilhas 2 e 3 ao final deste texto)

Rodoviária de Tatuí (www.superativa.com)
Outro perfil dos alunos do Conservatório surpreende: 63,8% afirmam não residirem em Tatuí e viajam para a cidade apenas nos dias de aulas. Em relação mais estreita com a cidade, 30,4% mudaram-se para Tatuí por causa da escola, o que vem a confirmar matérias veiculadas na imprensa escrita e na TV sobre a participação do público da escola no comércio local e nos setores imobiliários e de serviços: no total, 94,2% são alunos ‘de fora’ (além dos locais) frequentando, adquirindo e consumindo. Por outro lado, chama a atenção o número de alunos que declararam sempre ter morado na cidade: apenas 5,8% (ver planilha 4 ao final deste texto). Dada a localização central do Conservatório, e todo o investimento com concertos didáticos, formação de público, etc., conclui-se que é preciso multiplicar essas ações, e buscar que os pais da cidade compreendam música e artes cênicas ou luteria como parte fundamental da educação dos seus filhos.
Concerto Didático: Dario Sotelo rege a Banda Sinfônica do Conservatório
Ampliar o acesso aos concertos, shows e apresentações teatrais, instigar o público local, entre diversas outras iniciativas, são diretrizes primordiais que deverão ser perseguidas. A escola é pública e gratuita, assim como as universidades, e seu público transcende a cidade-sede, sendo aberta a todos, conforme a legislação. Parece-me, então, que essa fatia (tatuianos) deve ser objeto de exame cuidadoso, para que analisando esse índice se extraia o caminho a ser seguido para estimular alunos em potencial no próprio município. Por fim, quanto aos pais, 84% declaram-se “totalmente satisfeitos”, e 6% “parcialmente satisfeitos”, totalizando 90% de satisfação. No quesito “você recomendaria o Conservatório?”, 98% responderam positivamente, 2 % não sabem e nenhum entrevistado disse “não recomendaria”. Os 98% que afirmaram “com certeza” soam afinados com a opinião dos alunos – 97,8%, ou seja, estatisticamente a mesma opção.

Luteria (G1.globo.com)
É claro que, além de atender às exigências do executivo estadual, a pesquisa vem colaborar conosco positivamente quanto às correções de rumo a serem empreendidas para o futuro, estimulando ainda mais o que foi apontado como positivo em padrões muito acima da média de quaisquer empreendimentos comerciais ou públicos. 

Artes Cênicas: Cia. de Teatro do Conservatório
Como o Conservatório busca essencialmente formar profissionais nas áreas de música, artes cênicas e luteria, os que pretendem seguir carreira profissional somam 76,1%, e os que optam por lecionar, 25,4%. Ter a arte como hobby é opção de 5,1%, o que é perfeito, desde que o estudante corresponda em pé de igualdade com os demais às exigências crescentes dos cursos. Entre os pontos negativos citados, há os que podem ser atendidos e desde já entrarão em processo licitatório, como a cantina, e os de impossível atendimento, seja em qualquer escola do Brasil ou do exterior: salas para estudo para os alunos da instituição. Alocar salas para mais de 2.500 (ou parte que seja) alunos do Conservatório exigiria instalações gigantescas.

Berklee: salas de estudo lotadas
Mesmo no exterior, há corridas às salas logo no pós-horário, verdadeiras maratonas por limitado número de cubículos, como acontece e sempre aconteceu na New England Conservatory e na Berklee College (EUA). Para finalizar, é a partir dos resultados dessa pesquisa - nossas “notas musicais” - que deveremos elaborar a partitura a ser seguida daqui por diante, corrigindo sempre que necessário aqui e ali, sempre evitando achar que se chegou ao “topo” (ou à sombra dele, que seja).


Eleazar de Carvalho: ensinando Seiji Ozawa em Tanglewood

O caminho é longo. Dizia o velho Eleazar de Carvalho: “o que não muda, não se move. E o que não se move está morto”. Sábio.

GRÁFICOS DA PESQUISA - Foram selecionados 4 gráficos entre diversos outros. A pesquisa contém 300 páginas. 

PLANILHA 1: SATISFAÇÃO GERAL EM RELAÇÃO AO CONSERVATÓRIO
PLANILHA 2: RECOMENDARIA OU NÃO O CONSERVATÓRIO
PLANILHA 3: QUALIDADE DOS PROFESSORES

PLANILHA 4: RESIDENTES NA CIDADE 
















sábado, 12 de abril de 2014

DE FULECOS E CAIXIROLAS

Anchieta
O brasileiro é bastante inovador no uso de palavras estrangeiras em solo pátrio. O nouveau saint (novo santo, em francês) Anchieta, espanhol de nascimento (1534-1597), foi o autor de “A Arte da Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil”, o primeiro livro sobre a língua Tupi. Nosso idioma original, o indígena, foi sendo mesclado ao lusitano, incorporando uma coisa aqui e outra ali, para ao final agregar os termos africanos, deixando-nos um vocabulário riquíssimo. Ninguém acha estrangeirismo falar de bidê (de ‘bidé’), abajur (‘abat-jour’) ou charmosa (‘charmant’), palavras vindas do francês. Pois todas já estão incorporadas ao nosso vocabulário, desde os tempos em que Paris era uma festa e ditava a moda em tudo. Um meio parente mineiro, contam, passou uns anos na França de Santos-Dumont. Ao sentar-se à mesa, para pedir uma comida bem mineira disse “anguí de fibá” – ou seja, um angu de fubá.

Chiquinha Gonzaga
Com o inglês aconteceu o mesmo, desde a época das grandes ‘railways’ (estradas de ferro), montadas pelos bretões. Há lugares em que overol (‘over-all’) é avental, dormente de trilho de trem (‘sleeper’) é sulipa, mas, para desgosto do Alceu Valença e outros que defendem a causa, forró não vem de ‘for all’, festa supostamente aberta aos peões pelos americanos na Base Aérea de Natal, criada na Segunda Grande Guerra. Forró é palavra que já existia no Rio, ‘short’ (olha aí de novo) para forrobodó ou forrobodança, gênero cultivado na virada do século 19 para 20 pelos maxixes da Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e muitos outros.

A informática e a internet invadiram de vez a nossa língua, ou o que ainda restava dela. Muitas palavras se intrometeram no português por simples preguiça nossa, como deletar e mouse. (Em Portugal, preferiram rato e ‘écran’, em francês, para mouse e monitor). Mesmo os teclados fabricados no Brasil seguem as normas da ABNT mas não mudam o inglês das teclas. Editores de certo dicionário re-reeditam em moto perpétuo (que diria o célebre filólogo, criador das primeiras edições!). Incluem tudo, vale até o que passa longe de nossa ortografia oficial ou coloquial. Assim, editam milhões e milhões de novos dicionários, a serem levados (leia-se: vendidos) a todas as escolas, embaixadas, consulados, bibliotecas e afins, sobre oceanos de dinheiro.  

Waffles
Há vícios que poderiam ser evitados, como ‘sale 50% off’', comum até em lojinhas, expressão que não é mais coisa de lojas de grife (‘griffe’) de shoppings (de ‘shop’, loja). E os ‘wi-fi’ das cidades podem ser detectados por ‘apps’ que localizam os ‘hotspots’, locais onde se pode captar um sinal gratuitamente! O problema é quando o brasileiro quer ser mais gringo do que os originais: copo americano e sanduíche americano são coisas que não existem nos EUA. Pior é quando resolvem enrolar a língua: aqui se fala uêifol (waffle), quando deveria ser uófol, soando quase como se escreve. Regra: a consoante dupla abre o som da vogal seguinte: ‘cradle’ (crêidou) é bercinho, e ‘bladder’ (bléder), bexiga. Fala-se Ronald ‘Rigan’, sabe-se lá o porquê, uma vez que se lido simples como se escreve, soaria próximo ao correto, ‘Régan’, para Reagan. Ah, maneirismos tupiniquins!

Apresentação oficial da "caixirola"
Quanto ao título de hoje: essa maluquice de o Carlinhos Brown ter ‘inventado' a ‘caixirola’, que nada mais é do que um caxixi ou uma das dúzias de chocalhos parecidos, é coisa de plástico e sem o som gostoso das bolinhas sacudindo no bambu trançado. Não sei quantos milhares ou milhões deles foram fabricados, apesar de usados em propaganda de governo, à parte os direitos do Brown (o inglês de novo...). Foi tudo para o lixo e não se fala mais nisso. A caixirola é invenção que, assim como as nossas leis, às vezes ‘pegam’, às vezes não. Não pegou.  

Agora, ao se aproximar a Copa do Mundo, escolhe-se um animal bem conhecido dos brasileiros, o tatu, ou armadilho, entre portugueses, ‘armadillo’, para os espanhóis - dada a ‘armadura’ que protege o corpo do animal. Tatu é um animal exótico para os europeus, e, digamos, a escolha parece ter sido acertada (já pensou se fosse outro animal genuinamente brasileiro, o urubu ou a anta? ‘Meno male’, como dizem os italianos daqui, que seja o tatu!). Tatu lembraria Tatuí, aqui no interior de São Paulo, que se escrevia Tatuhy, aportuguesado do tupi-guarani. Animal forte, carcaça dura, pode ser bom para defesa, embora pesado demais para correr. E o apelido do bicho deveria ter sido ao menos pesquisado com cuidado.

Apelidaram-no ‘Fuleco’, mas, talvez sem saber que a palavra existe popularmente (no Rio de Janeiro vem de longe!), e sequer foram aos dicionários! Fuleco era palavra usada no Brasil colônia, quando os senhores brancos queriam se referir a certas práticas de alcova malvistas, com suas mucamas. Getúlio Vargas teria proibido que o termo (entre muitos outros) fosse usado “em locais públicos frequentados por mulheres”. É palavrão comum no Rio e outros estados, mas não em São Paulo, assim como “torar” no Piauí nem cariocas nem paulistas sabem o que é (palavrões são extensões culturais que podem aparecer e desaparecer em qualquer época).

Página eletrônica da edição impressa do "Die Welt"
Já os gringos, que não falam nossa língua, foram fuçar na internet, e descobriram, em várias fontes, que fuleco, no popular, quer dizer ânus, achado que o jornal alemão Die Welt tratou de publicar e espalhar pelo mundo. Já fulecar, segundo o Dicionário de Português (Ed. Porto), Aulete e vários outros, seria um perigoso ‘perder tudo no jogo’ – e, nessa altura do campeonato, literalmente. Que nada disso venha avexar nossa seleção e agourar nosso time, mas uma pesquisa ampla, cuidadosa, pelos nossos comunicadores, teria evitado tais constrangimentos. Então viva o Brasil e viva o tatu!


sábado, 5 de abril de 2014

THE CURTIS INSTITUTE OF MUSIC - PHILADELPHIA

The Curtis Institute
No ano em que comemoramos o 60º aniversário do Conservatório de Tatuí, iniciei nesta coluna uma série de visitas a grandes instituições de ensino da música pelo mundo. Iniciando pelos EUA, cujas Juilliard School de NY e New England Conservatory, de Boston, já pudemos conhecer, em suas organizações, excelências e paradigmas dos grandes centros mundiais que norteiam os rumos da música ocidental. Cada uma dessas escolas tem suas peculiaridades, suas excelências e seu encanto, e assim não poderia deixar de ser também o pequeno, mas afamado modelo que é o Curtis Institute of Music, da Philadelphia, EUA.

Mary Louise Curtis Bok
Curtis é uma escola relativamente recente, para os padrões dos grandes conservatórios, mas já madura o bastante aos 90 anos (foi criada em 1924). Mary Louise Curtis Bok homenageou seu pai, Cyrus Curtis, após articulações com grandes nomes da música, como Joseph Hofman e Leopold Stokowski (lendário regente da Sinfônica da Philadelphia, uma das maiores orquestras norte-americanas). Mary Curtis adquiriu, ela própria, três casarões, reformou-os e lá teve início o Instituto, seguindo a tradição americana de financiar projetos artísticos e, principalmente, musicais. Ela deixou a módica quantia de 12 milhões de dólares para o Instituto. Perto de 162 milhões de dólares em valores de hoje, algo como 400 milhões de reais.  

Novo prédio em construção: mantendo o original perfeito
O Curtis Institute é focado basicamente no ensino de instrumentos de orquestra sinfônica, mas também oferece vagas para pianistas, compositores, cantores e outros, necessários aos conjuntos de câmara e orquestra. É a única escola de música norte-americana que oferece todos os cursos gratuitamente, o que,  ao par da altíssima qualificação do corpo docente, faz do concurso para ingresso de alunos um certame altamente competitivo e de altas exigências. Por isso mesmo, apesar da procura, o que mantém a excelência é a permanência nos cursos de no máximo 170 alunos, no total. De acordo com levantamento realizado pelo US World and News Report, o Curtis Institute tem o índice de aprovação mais baixo nos EUA, o que o torna de longe o mais competitivo: apenas 4% (média) dos inscritos são aprovados, sendo que para certos instrumentos a proporção chega a ser menor do que 1%, para as poucas vagas anuais.

Roberto Díaz, atual presidente
O Curtis Institute teve entre seus diretores nomes com Joseph Hoffman, Randall Thompson, Efrem Zimbalist, Sr., e Rudolf Serking. Atualmente, a escola é presidida pelo violista chileno Roberto Díaz, que também estudou (e foi meu colega de orquestra) na New England Conservatory, de Boston. Antes de assumir a Presidência, Díaz foi por dez anos viola solista da Orquestra da Philadelphia.


Marcel Tabuteau, o grande mestre
O Curtis Institute tem personalidade única, pois foi lá que praticamente surgiu e se consolidou a escola de sopros norte-americana, pelas mãos preciosistas de expoentes como o fagotista Sol Schoenbach (1915-1999), o flautista Julius Baker (1915-2003, considerado o melhor solista de orquestra de todos os tempos) e o oboísta Marcel Tabuteau (1887-1966), que foi professor do nosso saudoso Walter Bianchi, talentoso oboísta que ingressou no Teatro Municipal de São Paulo aos tenros 12 anos de idade. Bianchi trouxe para a nossa Escola Municipal de Música, enquanto lá lecionou até seus últimos dias, o método de interpretação de Tabuteau: detalhista, exageradamente perfeccionista, mas passagem de importância inegável para os que com ele puderam estudar. Tabuteau tinha discos sobre interpretação gravados, e com seus colegas, como disse, deu origem à grande escola da sopros norte-americana. Nosso Alex Klein foi aluno de Richard Woodhams, também da 'dinastia' Tabuteau, antes de conquistar o posto de primeiro oboé da Sinfônica de Chicago.

Ed Barker, herdeiro da tradição
Mas não foram apenas os sopros as conquistas do Curtis Institute: Torelló, precursor da escola norte-americana do arco francês do contrabaixo, estudou na Espanha com Pau Casals, e formou Henry Portnoi, que foi solista da sinfônica de Boston e orientador de meu professor, Edwin Barker, na New England. Curtis se expandiu e avançou com seus prodigiosos alunos.

Darrin Milling, da OSESP (foto: Erica Viggiani)
Outro brasileiro de adoção, além de Walter Bianchi, brasileiro de nascimento, também passou pelo Curtis Institute, o trombone baixo solista da Osesp, Darrin Milling. Entre os estrangeiros, um elenco estelar: Hillary Hahn, violinista, o virtuose do piano Lang Lang, além de Leonard Bernstein, Samuel Barber, George Szell, Lukas Foss, Nino Rota, Jaime Laredo  e outros.

Entrada do Instituto (2009)
Em 2009, a convite, fui ao Curtis Institute, revisitar o prédio antigo em ótimo estado de conservação, e sua estrutura e funcionamento. No Curtis Institute, busca-se excelência na execução - e não uma “fábrica de virtuoses”, como por exemplo a escola de Novosibirsk, na Sibéria, que desde 1970 é dedicada a pequenos gênios. Além de adolescentes superdotados e altamente treinados, a produção de solistas na escola siberiana é enorme. Que o digam Maxim Vengerov e Vadim Repin, entre outros. Há uns 15 anos, recebi na Escola Municipal de Música de São Paulo uma pequena orquestra de jovens virtuoses de Novosibirsk, liderada pelo violinista Fihtengoltz, que estudou com ninguém menos do que o mito Oistrak. Um assombro.  

Auditório, órgão ao fundo
Mas voltemos ao Curtis Institute. O auditório não é muito grande, mas tem um belíssimo órgão, e é de acústica excelente. As salas de aula são aconchegantes, algumas bem decoradas ao estilo da época da fundação, com belos pianos de cauda, tapetes antigos e até lareiras.
Sala com dois pianos: ao estilo


A vizinhança é das mais agradáveis, com rotisseries, bistrôs e simpáticas casas de bons vinhos, ruas limpíssimas e calmas. O entorno do Instituto é absolutamente condizente com o alto nível de estudos ali realizados: até nas ruas, os alunos parecem felizes e amigos, e, mesmo distraídos a observar a rua, permanentemente concentrados e contemplativos, se é que se pode descrever assim. É um exemplo de obstinação de gerações de dirigentes que deve ser seguido e, se possível, multiplicado pelo mundo.