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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

DEBATENDO O DEBATE

Lincoln e Douglas

De acordo com o Bill of Rights Institute, o primeiro debate político aconteceu entre os candidatos ao Senado americano Abraham Lincoln e Stephen Douglas. A estreia obteve sucesso, e prosseguiu com mais seis encontros, lembrados até hoje como “os debates Lincoln-Douglas”. A prática, revivida tempos depois, teve origem na ideia de que os candidatos devem apresentar seus pontos de vista publicamente por meio de um diálogo construtivo sobre o futuro da nação.


Esses debates de Lincoln aconteceram perante plateias, e ele seduziu, com sua verve e oratória contagiantes, os eleitores que o levaram à vitória na disputa pela vaga no Senado dos EUA. Tomou posse em 4 de março de 1847, e após longa jornada coroou sua brilhante carreira política com a chegada à Presidência da República em 1860, tomando posse em março de 1861. Foi assassinado em um teatro com um tiro na cabeça aos 56 anos, em 15 de abril de 1865.

Adicionar legenda

O debate e a trajetória de Lincoln, brilhante orador, e a disputa Lincoln-Douglas abriram caminho para, bem mais tarde, ser concebido um primeiro encontro pelo rádio. Em 1940, Wendell Willkie desafiou o então presidente Franklin Roosevelt para um debate radiofônico que toda a nação ouviria. O presidente, conhecendo os dotes de orador do adversário, não aceitou – e venceu.

Nixon vs Kennedy

Em 1960, John F. Kennedy repetiu a façanha de Wilkie e desafiou Richard Nixon para uma inédita série de debates na TV. Kennedy, homem calmo e educado, surgiu muito bem vestido, cabelos impecavelmente aparados, garbo condizente com sua fama de sedutor entre as mulheres. Antes de entrar em cena, foi maquiado, fato corriqueiro nos dias de hoje. Ao contrário, Nixon apresentou-se desleixado, barba mal feita, olhares perdidos em contraste com os de Kennedy, centrados na câmera - ou seja, no público telespectador. Nixon mostrou-se nervoso, inseguro, e talvez tenha perdido uma batalha dada como ganha devido a essa desastrada performance, e por uma margem estreita de votos.


A tradição dos debates televisivos vem se mantendo solidamente como parte do processo eleitoral americano, e desde Kennedy vs Nixon é parte fundamental das disputas nos EUA. Nesses debates os candidatos demonstram sua segurança, seu conhecimento histórico de dados e fatos, com suas propostas, e até mesmo seu caráter, além da habilidade em perguntar e responder com clareza.


Tudo isso foi para o espaço no debate Trump vs Biden, em 29 de setembro de 2020, quando o presidente, cuja empáfia perturbou o programa inteiro, invadiu abusada e repetitivamente o tempo de Biden, atravessando-lhe as falas. Mostrou-se bom de pose e presença, homem de TV que já foi, mas muito rude, e só. A discrição de Biden, seus sorrisos irônicos quando alvo de alguma mentira ou ataque do adversário, e seu discurso controlado e bem dosado, levaram-no a um sucesso talvez inesperado, segundo pesquisa da rede CNN: 57% a 41%. Um segundo confronto não aconteceu: Trump, estrategicamente, recusou-se a discutir online. No debate final, em que o republicano foi bem mais comedido, o resultado foi em patamares ainda mais altos para Biden, que ampliou a diferença, do alto de seus 60% contra 44% de Trump, de acordo com a Ipsos.

Pinga-Fogo, da TV Tupi

Espelhando-se na tradição americana, em 1960 o Brasil tentou inovar, no programa Pinga-Fogo, na TV Tupi, com uma discussão entre Lott, Adhemar de Barros e Jânio - que declinou do convite para preservar sua vantagem e levou a faixa. Com a ditadura, as eleições se transformaram em um sonho distante, já que o cargo de presidente era preenchido pela cúpula militar entre seus pares.


Em 1974, um tímido e muito bem vigiado debate para senador entre Paulo Brossard, do MDB, e Nestor Jost, da ARENA, aconteceu no Rio Grande do Sul, pela TV Gaúcha. Os próceres da ditadura temeram o ressurgimento da “ameaça” democrática e lançaram, no mesmo ano, pelas mãos do então ministro da Justiça Armando Falcão, a lei que levou o sobrenome dele: uma exposição de fotos, à 3x4, com o nome de cada candidato a parlamentar encimando-as, tendo embaixo o número eleitoral, lembrando um programa policial da época.


No dia 19 de novembro de 2020, na Band, enfrentaram-se dois candidatos à Prefeitura paulistana. Polidos, educados e comedidos em suas falas, salvo uma ou outra intervenção um pouco mais contundente: Bruno Covas, do PSDB, e Guilherme Boulos, do PSOL. Fora o combate à pandemia, que foi o pico do encontro de média temperatura, o debate encerrou sem baixarias, porém morno, faltando tempero e eloquência na oratória de ambos.

Paes vs "bispo" Crivella

No mesmo dia, também pela Band do Rio, terra de uma infeliz sucessão de governantes no estado e na capital, o jogo foi bastante baixo desde antes do encontro entre o “bispo” e prefeito Crivella e Eduardo Paes, e o debate foi amargo e desagradável. Houve acusações de Baixo teor de Crivella, chamado de “O abominável bispo das trevas” pelo colunista Ascanio Seleme (O Globo, 21/11/20): disse que, se eleito, Paes nomearia alguém do PSOL para a Secretaria de Educação, e que seria estimulada a pedofilia nas escolas. Chamou-o de “viado vagabundo” e “madrinha da mentira”

Escola de Atenas, de Rafael Sanzio

Debate vem do francês medieval débat, discussão, querela, e no sentido acadêmico é a prática da controvérsia, do contraditório. Também está presente no meio jurídico e segue o conceito de academia desde
Platão

Mas outro sentido emprestado à palavra na Idade Média é mais afeito à nossa realidade: espécie de declamação entre atores, com sentido irônico, agressivo e malicioso. Um circo.


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O VÍRUS SOMATOPSICOPNEUMÁTICO

 


Não apenas a quarentena, em si, aliada aos fatores psicológicos, como o receio e o medo, são ingredientes que em nada contribuem para o bem estar das pessoas nesses tempos, apesar de o isolamento parecer o único caminho. De todas as dificuldades desse retiro, algumas das quais já tratei aqui neste espaço do ponto de vista artístico – Boccaccio, Camus, Plínio Marcos e Godard, por exemplo – está a forma de cada um lidar com uma ameaça permanente. Entre angústias e apreensões,  medo do contágio e insegurança, desce na contramão um punhado que crê - ou diz crer, vítima de fanatismo - que a Covid-19 não é mais do que um ‘resfriadinho’, e a chamada segunda onda uma ‘conversinha’ – ideologia rastaquera que, ela sim, é uma doença surreal assoprada lá do norte, como “o espião que veio do frio”, com seus ventos danosos sobre os incautos de cá, no hemisfério sul.


O psicossomático é um fator que não pode ser relevado. Como se trata de uma fronteira entre o orgânico e o psíquico, com as devidas escusas aos especialistas da área, é por causa dele que podemos sofrer alterações, preocupações e, em última instância, sintomas. A somatização é a transformação desses conflitos da mente em uma aparente realidade, via sensações e dores. Caetano Veloso criou, nos tempos do tropicalismo, um jogo de palavras de sabor concretista com sua “Alfomega”, montagem poética de octossílabos a undecassílabos: “O analfomegabetismo / somatopsicopneumático / que também significa / que eu não sei de nada sobre a morte / (...) tanto faz do sul como do norte”.  Na época, fui procurar explicações sobre os significados implícitos e explícitos desses termos, a curiosidade é a mãe do saber.


Há ainda um subproduto deste amálgama psíquico-orgânico: a hipocondria, uma obsessiva preocupação com a saúde ou seu último grau, no surto da implacável síndrome do pânico: infarta-se com pressão baixa, do nada tem-se sensações de asfixia ou de um AVC por autossugestão – quem já conheceu uma vítima da síndrome sabe. Com frequência, o hipocondríaco é levado a excessos nos medicamentos, ingerindo-os sem necessidade ou em demasia. É essencial que, no curso de alguma eventual tendência de transmutação interior-exterior, o indivíduo se previna contra seus próprios delírios. Cair no torpor também é um veneno.


Portanto, como eu e o leitor nos inserimos na faixa do que se convencionou chamar “normal” – “De perto ninguém é normal”, olha o Caetano de novo aí -, é difícil que alguma hora nesses meses não tenhamos experimentado, em maior ou menor grau, o gosto amargo desse caldo que resulta do cansaço, da angústia e, no final da linha, do medo.


Sou aquele cidadão que se enquadra na média “normal” – termo que é apenas uma curva sem medições, réguas ou escalas que delimitem a normalidade. A ferramenta é tão somente aquilo que vemos nos outros, a ‘persona’, máscara social que muito depende de fatores culturais, familiares e religiosos, individuais e coletivos. Ora, se para o ladrão é normal roubar, para a freira carmelita é normal esquecer-se do mundo em sua clausura, consagrando a vida ao Senhor. É a norma de cada um, e muito tem a ver com a índole pessoal, algo como o “id” freudiano. (O que lembra a fábula do escorpião e da rã que, sobre uma pedra no meio do rio, veem a água subindo, ameaçando-os. O escorpião, ao ver que a rã iria nadar até a margem, insistiu e implorou e jurou respeitá-la em uma carona nas costas dela, que, meio incrédula, aquiesceu. Chegando ao outro lado do rio, o escorpião deu uma picada mortal no cangote do anfíbio, que, agonizando, resmungava que ele, o escorpião, havia descumprido sua jura de não lhe fazer mal. No que o peçonhento animal retrucou: “mas é da minha natureza!”)


De cada notícia que surgir – do contágio ou suspeita em um amigo ou parente até a morte de alguém pela Covid-19 -, pode sobrevir uma natural preocupação. Com os filhos, parentes, e, claro, a pessoa consigo mesma.

[Tenho um  termômetro ao meu lado. É sempre bom, dizem (falando nisso, acabo de medir a temperatura: 36,5º, ótima). O coração parece bem, fora aquele mau jeito ao dormir que me fez sentir alguma coisa no peito. Não, não medi a pressão cardíaca: aquela sensação, ao levantar-me, passou em poucos minutos. Mas e essa respiração, será que não está um pouco ofegante? (Para o músico, respirar lentamente antes de entrar no palco faz o coração rallentare - diminuir o andamento -, atenuando a natural e necessária adrenalina, ao se apresentar, para que ela não transborde em um desastre musical. Aquela corizazinha? Ah, não posso com o ar condicionado e o desligo, e com ele entra em off também o incômodo no nariz. Mas e a tosse? Um copo d’água e ela se foi, era apenas um lasca da semente de granola do café da manhã]


Vivemos assim, numa constante provação  diária, o que em música é um ostinato, repetição de certos padrões, com crescendi e smorzandi (diminuindo), accelerandi e rallentandi aqui e ali, em nossas gaiolas de passarinho de voo já atrofiado – o que salva é ampliar o alcance da mente criando, lendo, já que ela é a residência do mecanismo psíquico-físico. Fisicamente, mais lerdos e obesos, na maioria, exceção aos amantes contumazes dos exercícios e dietas.


Depois do dilúvio, nunca mais seremos os mesmos, tanto no contexto do relacionamento social quanto no modo de encararmos a vida. Porém, estaremos mentalmente fortes e preparados para lidar com as crises que fatalmente herdaremos.

sábado, 14 de novembro de 2020

O SUFRÁGIO UNIVERSAL, CÁ E LÁ

 


O complexo de inferioridade tupiniquim, aliado às mentiras que viram verdade por prestidigitação – conhecidas como  fake news -, é um dado a se levar em conta na hora de pesar o que os brasileiros entregam de bandeja para denegrir nossa reputação. Ah, somos campeões respeitados não apenas no futebol e outros esportes, a bossa-nova influenciou o mundo, a MPB é apreciada em todos os países e a beleza da mulher brasileira é decantada em fotos, versos e prosa pelos quatro cantos do planeta.

Grande Otelo, genial em "Macunaíma"

É parte de nossa falta de autoestima, nosso pouco orgulho próprio e a necessidade de nos expormos como um país de terceiro mundo, atrasado, povoado por “Macunaímas”, criação genial do Mário de Andrade: ‘heróis sem nenhum caráter’. Prova disso são as nossas urnas eleitorais eletrônicas, equipamentos sobre os quais não se conseguiu uma prova sequer de falibilidade, manipulação ou “hackeamento” desde 1996, quando começaram a ser testadas. Em 2000, a eleição já foi feita exclusivamente por meio desses aparelhos em todo o país


Sobre o assunto, o Estadão publicou, em 23 de outubro, matéria de Brenda Zacharias que consiste em um levantamento e demolição de mitos sobre as novas urnas, um trabalho para Mythbusters, para lembrar o filme “Os Caça-fantasmas” (Ghostbusters), de 1984. Vamos aos ‘mitos’: o primeiro diz que as urnas são feitas por empresas privadas, portanto vulneráveis a manipulações, interesses políticos e tapetadas. A verdade: a criação das urnas teve consultores das Forças Armadas, do Instituto Nacional de Tecnologia, do prestigioso ITA e do INPE, tudo sob a supervisão do TSE. As urnas sequer podem ser testadas sem a intervenção de especialistas do Tribunal. Todos os 96 softwares do complexo eleitoral são de uso exclusivo do TSE, do cadastro de eleitores aos resultados. Durante 6 meses, os softwares ficam disponíveis à fiscalização e análise dos partidos legalmente constituídos, da CGU e do MP.


Um segundo mito fala de uma suposta  vulnerabilidade das urnas no que diz respeito a vírus maliciosos, que poderiam alterar resultados na totalizações. Não existe tal possibilidade: as urnas são lacradas com material inviolável da Casa da Moeda após longas vistorias, com a chancela do presidente do TSE e da PGR. (Emprega-se no lacre uma tinta especial que, à menor tentativa de violação, fica marcada de forma indelével). Ainda há um terceiro mito, o de que não seria possível auditar os softwares ou recontar votos. Mentira: há uma espécie de “caixa preta”, chamada ‘registro digital’, que pode ser aberto sob supervisão multidisciplinar e vasculhada, item por item, sem a identificação dos eleitores. Finalmente, as cédulas são contabilizadas à incrível velocidade de 150 mil por segundo.


Voltando o olhar para as eleições americanas, observa-se que o sistema está sujeito a todo tipo de ilações, especulações, fakes, pedidos aleatórios de recontagem, acusações vazias de fraude e manipulações políticas que podem procrastinar o resultado final por dias ou um mês - criando, como se temeu até agora, riscos de conturbação social, manifestações e prejuízos. Pedidos têm sido feitos sistematicamente via judicial até mesmo em estados em que a contabilidade já está fechada, e todos os votos indicados como suspeitos por causa da data de postagem – outra peculiaridade controversa de alguns estados – aguardam serem liberados para divulgação.


Não é ofender ninguém dizer que o sistema americano, e isso com toda a tecnologia de que dispõem, e tratando-se da maior potência do mundo, é anacrônico e obsoleto, mais suscetível à divulgação de suspeitas de fraudes e conspirações, e não têm faltado exemplos. Isso tudo, em que pese a relativa independência dos 50 estados da federação tanto na esfera legal pertinente quanto nas regras específicas, a exemplo dos votos pelo correio e a validade de sua contagem após a data de encerramento da eleição. E não há, como aqui, TREs e um TSE, que supervisionam e controlam toda a eleição: lá, sabe-se do andamento e resultados pelo que é aferido nas cidades, tabulado pelos estados e divulgado pela imprensa.


Às 13h27 (hora de Brasília) do sábado, dia 7/11, a mídia americana divulgou a vitória de Biden, após uma virada de jogo na Pennsylvania, arrastando mais 20 delegados para sua contabilidade. Uma hora depois, Nevada anunciou mais uma vitória, com seis delegados no estado, dando a Biden 19 além do necessário para ser eleito. De tudo foi feito e tentado, e apesar de o presidente ter alegadamente tido prejuízos declarados à Receita por onze anos (sic) foram pagos quase mil (isso mesmo) advogados, na tentativa de reverter a situação em inúmeros condados e distritos dos estados. Sou obrigado a dizer que nada disso teria acontecido com um sistema confiável, direto e rápido como o implantado no Brasil há vinte anos: o voto eletrônico. Continuaremos com nosso complexo de falso nanismo enquanto poderíamos ser exemplo de votação e apuração.


Claro, a estrutura eleitoral e a legislação brasileira têm problemas, o horário eleitoral gratuito é uma excrescência. De modo semelhante aos EUA, apesar de lá cada estado ter sua relativa autonomia e peso na eleição, no Brasil há um contrassenso: SP tem um senador votando em nome de 15 milhões de cidadãos, e Roraima cada representante vota em nome de 210 mil, ambos os estados com votos de igual peso na Casa.


Agora, temos uma eleição, e a confiança que devemos depositar na segurança das urnas – mais do que discutida, questionada e comprovada - deve se reproduzir na escolha de bons candidatos. E respeitando não apenas as regras gerais do escrutínio como também as de precaução sanitária desses tempos de pandemia.

 

sábado, 7 de novembro de 2020

A “NOVA ORDEM MUNDIAL”

 

E A “GUERRA NUCLEAR BACTERIOLÓGICA”

 


Tendo como fundo o Palácio do Alvorada, o presidente da República declarou, literalmente (Revista Fórum, 29 outubro), que o coronavírus poderia ser uma “patologia de uma suposta guerra nuclear bacteriológica”, em que pese vírus e bactérias serem coisas absolutamente distintas: vírus não são células, são frações de proteína com material genético que precisam parasitar em uma célula hospedeira para se reproduzirem. Já bactérias são micro-organismos vivos unicelulares que se reproduzem em seu meio (resumo bem simplificado por Isabela Autran, pesquisadora da Fapesp-USP). A diferença é monumental. Fora isso, o “nuclear” na frase é peixe fora d’água.




Para colaboradores, o presidente mencionou a existência de uma “Nova Ordem Mundial”, sobre a qual ele não teceria comentários, pois “estava sendo filmado” (por quem?). Antes de prosseguir sobre a “Nova Ordem”, lembro que teorias conspiratórias do gênero têm sido reportadas desde o passado.


Olavo de Carvalho é um polêmico ex-astrólogo campineiro, autoproclamado filósofo e conhecido influencer que há quinze anos vive em Richmond, Virginia (EUA), estado sulino de tradições conservadoras, cidade de uma linda universidade onde proferi palestras em 2003, próxima a Fairfax, onde me casei em 1981. Carvalho é autodidata, ou, melhor dizendo, abandonou a oitava série do ensino médio, mas logrou apresentar um curso livre na PUC/SP, “Orientação profissional segundo a astrologia”. Hoje, recebe doações e vende cursos online que lhe dão o suficiente para sobreviver. Os pagamentos eram feitos via plataforma “Paypal”, que recentemente suspendeu as transações sob a alegação de ofensas e fake news por Carvalho (Infomoney, 6 de agosto de 2020).


Vêm do “filósofo” autodidata boa parte das teorias abraçadas pela família Bolsonaro e seguidores da ala “ideológica”, que abraçam a ideia da Nova Ordem Mundial: estudiosos como William T. Still, um oficial aposentado da Força Aérea Americana que tem New World Order como título de um de seus livros (Huntington Inc., 1990). No textos, teorias conspiratórias para todos os gostos, desde uma suposta armação de um golpe militar para manter Richard Nixon no poder a qualquer custo e até uma contribuição substancial de Fidel Castro que o senador Mc Govern, adversário do republicano na campanha de 1972, teria recebido sigilosamente.

Stalin, Roosevelt e Churchill

Mais adiante, Still aborda as sociedades secretas, entre elas a Maçonaria, introduzida e adaptada pelos colonos de algumas das treze províncias, que nos EUA se transformaria em Freemasonry (“Maçonaria livre”). Com a República, a Freemasonry teria “feito” 17 presidentes americanos até 1990, de George Washington a Ronald Reagan. E mesmo o tratado que pôs fim à Segunda Guerra, selado por Stalin, Roosevelt e Churchill, segundo Still, só teria sido possível graças às sociedades secretas, lembrando a condição de maçons dos três líderes. Com a vitória dos Aliados contra o Eixo, em 1945, a União Soviética já teria avançado sobre boa parte do continente europeu, o que geraria mais teorias conspiratórias contra o mundo “livre”. Claro, o avanço de Stalin, nada diferente das ocupações de Hitler, significaria mais um avanço da Nova Ordem, e a guerra fria dos EUA contra a URSS teria acontecido para evitar o domínio soviético.


Da cabeça de Olavo de Carvalho em sua ermida no sul do aprazível estado americano (Virginia is for lovers, dizem as placas dos automóveis), só poderiam germinar teorias exóticas que remetem ora à antiguidade, ora a uma “nova direita” no Brasil, em combate ao comunismo que ele próprio já abraçou no passado, segundo conta. Carvalho afirmou que havia saído do Brasil logo que Lula conquistou a presidência (na verdade, havia se mudado para a Virginia em 2005, na metade do primeiro mandato do petista).

Um "horshoe bat"

Em 2007, os cientistas Vincent Cheng, Susanna Lau, Patrick Woo e Kwok Tuen publicaram na revista da American Society of Microbiology o estudo “Coronavírus como um agente de infecção emergente e reemergente”, em que alertavam para o hábito de populações do sul da China se alimentarem com certo tipo de morcego, o horshoe (ferradura), que seria portador do vírus. E mais: mesmo advertindo que a ameaça era como uma bomba-relógio já programada para explodir, como de fato aconteceu, os cientistas não foram levados a sério.

GDP (PIB) da China de 1950 a 2010

A propalada origem do coronavírus foi a deixa para Trump, na sua cruzada sinofóbica, culpar a China (comunista, claro!) pelo Covid-19 - em que pese boa parte dos produtos tecnológicos e até insumos para medicamentos dos EUA serem lá montados ou de lá importados. As teorias menos comportadas sobre uma iminente dominação chinesa do mundo difundem o temor aos comunistas – na verdade, o pano de fundo é o poder econômico, graças à inevitável e próxima, segundo analistas, ascensão do país asiático ao pódio de maior potência mundial.   

A região onde Carvalho mora é terreno conservador fértil para suas elucubrações e especulações. No Brasil, a Maçonaria, trazida ainda no Império pelos portugueses e depois, prosseguindo com os republicanos, tornou-se talvez ainda mais forte e fez 12 mandatários só na chamada Primeira República (CPDOC/FGV). Mas sempre foi uma organização de paz, nada tem a ver com a temível Nova Ordem Mundial vista por Olavo, inserida no bojo de uma teoria da conspiração e de um equívoco que passam ao largo da história e da ciência fora de época e ocasião: não contribuem em nada, apenas confundem e trazem desinformação.