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sábado, 31 de julho de 2021

CHRISTINA AGUILERA, O INFERNO E A COVID

 


Christina Aguilera é uma premiada cantora norte-americana. Nascida há 41 anos na ilha de Staten, cujo acesso se dá por barco ou ponte a partir do Brooklin, em Manhattan, tem mais de 75 milhões de CDs vendidos e rivaliza com a texana Britney Spears, da mesma idade, ambas perfilando ombro a ombro com a também texana Beyoncé.

Dante, por Micheline Duomo (1465)

Só conhecia Aguilera de nome, nunca comprei sequer um CD dela, apenas ouvi alguma coisa aqui e ali. Mas então por que lembrá-la, se me é tão pouco familiar? Foi em um sonho de uma noite de inverno, 22 de julho, em que ela ora meio que se perdia entre as pessoas nas ruas de algum lugar, ora conversava comigo apenas com sorrisos, não me lembro se balbuciou uma palavra sequer – meio clichê de sonhos, isso, não? Acordei questionando o porquê de Aguilera ter surgido num sono dos mais profundos, se meu conhecimento dela é tão pouco. Ao passar pela sala, de manhã, vi que havia deixado sobre a mesa um livro que recebi de um sebo virtual: o volume Purgatorio, de La Divina Commedia, de Dante Alighieri (séc. 14), edição de 1963. A associação entre os sobrenomes Alighieri e Aguilera foi imediata, o sobrenome virara anagrama na sopa de letrinhas conectada ao meu inconsciente.


Comprei o Purgatorio e também não sei explicar direito o motivo, além de já ter o Inferno. Sem querer, sem Freud e sem Jung, penso que queria sair do Inferno para o Purgatório (e depois rumo ao Paradiso?). Não me precipito, chegarei à Covid oportunamente, mas preciso antes refletir sobre um trecho de Inferno, Canto I, que usei na introdução de um livro meu, há muitos anos, ajudado com a interpretação de um colega, professor de Literatura Italiana da USP (Dante foi o precursor do idioma italiano, ou digno do título por excelência). “O dia mal nos deixava e o ar cinzento cobria os animais que estão na terra (...) E eu era um que me preparava para empreender a guerra, pelo caminho” - a razão, explicou o colega – “e pela piedade” - o espírito. “Ó musas, Ó alto engenho, Ó, ajudai-me. Ó mente que escreveste o que eu vi, aqui está a tua nobreza”. (Um dia recitei do original este trecho para uma italiana de Milão, e ela, emocionada, lamentou-se: “meu Deus, o que fizeram com a nossa língua?”, referindo-se ao italiano moderno, como talvez um de nós fizesse ao ouvir Camões no original).


Na guerra que me preparei para empreender, e aqui me refiro à da Sars-Cov-2, a maldita Covid, sigo os protocolos da OMS. E, duas vezes convocado, recebi as doses da bendita vacina, desta vez associando-a a vecina - vizinha, em italiano - por uma frase homérica de “Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita”, filme de Elio Petri de 1970, auge da repressão contra os movimentos populares: Repressione è nostra vecina. Repressione è civiltà! (“Repressão é civilização!”), para delírio da plateia de policiais na cena. E arrepios nossos.

A Delta

Sem mais associações, volto à guerra, o inferno sanitário para o qual estávamos despreparados e que já passou por ao menos cinco letras do alfabeto grego - andou por variantes denominadas Alfa, Beta, Gama e agora Delta e Lambda. Se saltou Epslon não sei, mas enfrentaremos provações enormes. A Delta é a que mais apavora neste momento, ainda mais quando uma das vacinas já se mostra fraca diante dela. Não sei do rigor desta informação, segundo a qual o produto de certo laboratório oferece pouca resistência à nova cepa, então não declino a origem do produto no varejo, melhor fazê-lo no atacado: o geneticista Renan Pedra, da UFMG, diz que “imunizantes contra a Covid continuam protegendo contra casos graves, mas a cepa aumenta risco de infecção”. E prossegue: “Transmissão da variante Delta é maior inclusive entre vacinados”. Na edição de 22 de julho, o The Times of Israel noticiou que ela é responsável por 90% dos novos casos de Covid no país, e a mesma proporção é esperada para a Europa inteira, segundo a DCA da União Europeia (Euronews, 24 de junho). Nos EUA, segundo o CDC, em apenas 2 semanas o aumento do número de infecções foi de 121%, em grande parte creditado à Delta.




É inevitável que a nova cepa chegue com força no Brasil. Mas se Israel, EUA e UE não estão preparados, o que será de nós? (Ainda que tenhamos uma vantagem, um handicap nesta infeliz olimpíada: estamos entrando na arena com precioso atraso). Para evitarmos lockdowns, desabastecimento e pânico, é preciso remar contra a maré com inoculação e esclarecimentos em massa: parte da população sequer leva a sério a segunda dose e outra até mesmo as vacinas. Mal informada, não lê jornais; outros só ligam a TV depois da novela, encerrados os telejornais, horário do jantar.

(G1 Globo)

Muitos já tiveram Covid e por isso se acham protegidos: andam sem máscara desafiando decretos e leis, sem mesmo saber que é possível serem reinfectados, conforme esclarecem cientistas e mídia do mundo inteiro; promovem e frequentam sem proteção festas clandestinas de até 4 mil pessoas; buscam nas praias lotadas o sol quente de que fomos privados por castigo da natureza e vestem armaduras imaginárias dizendo até que a cachaça “mata o bicho”. Por fim, é esta população que vai determinar, em rebanho, o dano que a Delta vai trazer. Soluções laboratoriais, ao menos pelo pouco que se pode vislumbrar, ainda estão longe de se concretizarem, e, pior de tudo, há o estímulo perverso dos maus exemplos, cidadãos machistas autoproclamados atléticos. Nesse ritmo e despreparo, tão cedo não rumaremos ao purgatório, só será possível empreendermos a guerra pelos duros caminhos racionais e do espírito de que nos falou Dante Alighieri.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

MÚSICA, RELIGIÃO E IDEOLOGIA

 

Museu da casa de Bach, em Eisenach

J
ohann Sebastian Bach (1685-1750), talvez o maior músico de todos os tempos, foi educado na mesma escola de Lutero, em Eisenach, dois séculos depois. Criou vasta obra instrumental, como as partitas e as suítes para violino, violoncelo ou cravo, sonatas, concertos para solistas e muitas peças orquestrais. Dedicou sua obra a Deus, e escreveu três oratórios, 7 corais vocais-instrumentais, duas enormes Paixões, 5 motetes, 190 cantatas, salmos e 371 corais a 4 vozes. Reservava boa parte do seu tempo de compositor e mestre de capela para glorificar o Senhor, mas sem nunca deixar de dedicar-se à sua cada vez mais rica obra instrumental. É certo que essa louvação compreendia tudo o que se podia fazer com a arte dos sons, mas com pureza e obsessão pelo gradus ad Parnassum, a busca pelo Paraíso, a perfeição.


M
úsica e Deus, ou, em sentido mais terreno, religião, qualquer que ela seja, podem caminhar (ou não) de mãos dadas, em comum elevação de fé e espírito. Porém, não é raro que certas Igrejas, especialmente as que meu pai chamaria de seitas menores, tendam a ideologizar e, como acontece frequentemente nos dias de hoje, politizar, instrumentalizando a música como ferramenta de governo ou, conforme veremos mais à frente, justificativa para censura discricionária.  

Vitral da entrada da EMM: Vergueiro

E
m 30 anos como diretor de escolas de música (como a do Teatro Municipal de São Paulo e o Conservatório de Tatuí) não tive problemas de maior monta ou conflitos de ordem musical-religiosa, exceto por uma ou outra vez algum aluno ingressante da EMM, em cujo nome só os pais falavam durante visita à minha sala. Explicavam que a filha (ou filho) não poderia frequentar a escola aos sábados por motivos religiosos, evocando para isso até milenares textos bíblicos como a criação do mundo e o Êxodo. A primeira coisa que eu fazia era perguntar como ficariam as presenças em aulas e ensaios, as notas de provas, e como justificá-las sem perder a isonomia com os colegas. Mais ainda, dizia, em sentido estrito: a escola, por lei de 1969, fora criada para formar músicos profissionais e não diletantes. E que eu poderia ajudá-los na busca de uma comunidade onde encontrar uma formação mais básica, livre das amarras profissionalizantes da EMM. Matriculado mas sem abrir mão de faltar, logo o aluno era eliminado. Ou desistia, sentindo-se um estranho no ninho.


G
eralmente era o pai quem forçava o estudo musical, e o aluno começava a perder o gosto pela coisa, se é que já havia sentido algum. Houve caso em que um aluno me disse que queria tocar “apenas” para servir a Deus, ante o que arregalei meus olhos e instiguei: como assim, “apenas” a Deus? Você não acha que Deus merece o que há de melhor, que em sua fé, para alcançá-lo em louvação, deve buscar o melhor de si, muito mais ainda do que os profissionais? Deus merece tão pouco? Por que não oferecer o melhor ao Senhor?

José Pinto e Josué: IV Torneiro Estadual de Cururu

E
m Tatuí, em dez anos nunca tive problemas dessa ordem, talvez por se tratar de cidade cristã em sua maioria mais do que absoluta, são diversas igrejas e matizes. Talvez porque a convivência entre fé e música venha desde as origens, do improviso do cururu (de “cururuz”, corruptela de cruz), nascido nas catequeses; talvez porque o Conservatório, tão arraigado na vida urbana – “Capital da Música” que é, por lei estadual –, faça parte do dia a dia e do comércio, e nas ruas jovens com seus instrumentos sinalizem essa verdadeira comunhão artístico-espiritual. Um número considerável de alunos e ex-alunos profissionais dividem ou dividiram os bancos escolares com aqueles das igrejas.

Jazz do Capão (foto: Rede Brasil Atual)

S
inal dos novos piores tempos, no dia 12 de julho o UOL publica matéria do Congresso em Foco com o título “Ao barrar verba para festival, Funarte diz que música só deve servir a Deus”. Com um parecer abaixo da crítica, a Fundação negou a verba pleiteada para um festival de Jazz na Chapada Diamantina (BA), fazendo ilações sobre ‘aplicação errada’ de recursos públicos. A nota, que se autodenomina “técnica”, informa que a música deve servir a Deus, não devendo contemplar, portanto, o Jazz do Capão. O relator do processo, um certo Ronaldo Gomes, cita a seu jeito o compositor e mestre de capela alemão Johann Sebastian Bach. Supostamente, “o objetivo e a finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”. Ninguém menos do que o velho Bach, ele mesmo autor de um universo de obras instrumentais, logo profanas, ao lado de sua vasta produção composta como empregado de capela (Kapellmeister) para fins litúrgicos!


Arthur Schopenhauer

P
ior de tudo, no mesmo documento o “parecerista” cita outra frase, desta vez evocando Schopenhauer: “A música exprime a mais alta filosofia em uma linguagem que a razão não compreende” – muito lindo, mas sem ter lido o pensador alemão ou mesmo sem saber que ele trata da filosofia do pessimismo? E ainda mais longe, ao âmago da questão, segundo a metafísica do ateu? Além da absurda censura a um festival por motivos nada técnicos, fez-se tábula rasa tanto do espírito de Bach quanto de sua própria cultura ao citar Schopenhauer. Criada em 1975 exatamente para o amparo às artes, e não sua censura, estiveram no comando da Funarte nomes de reconhecida expressão na cultura brasileira, como Ziraldo, Edino Krieger, Ferreira Gullar e Miguel Proença, todos de grande peso em suas áreas. Hoje, tem à frente um certo Sr. Tamoio Marcondes, procurador federal e peixe absolutamente fora d’água, o sexto a ocupar  cargo tão volátil na atual gestão.

Que o Senhor tenha piedade da música!

 

sexta-feira, 16 de julho de 2021

UM FUTURO PARA O HAITI

 

Jovenel Moïse (The Guardian)

Jovenel Moïse, presidente do Haiti, foi brutalmente assassinado aos 53 anos no dia 7 de julho em Porto Príncipe com ao menos uma dúzia de tiros, segundo o oficial Carl Destin, que o encontrou em decúbito ventral no quarto do escritório, o aposento saqueado e depredado. Com ele, a primeira dama, Martine Moïse, que foi severamente atingida e hospitalizada. As causas do ato de barbárie ainda serão apuradas, sob o jargão de sempre, “com o maior rigor”.

Port au Prince

O crime gerou revolta entre policiais, exército e milícias, mergulhando o país no mais absoluto caos. Houve vinte e três prisões, entre elas as de um juiz e uma agente da polícia. Um tiroteio cruzado matou quatro suspeitos, outros dois foram detidos e três oficiais que haviam sido feitos reféns libertados, segundo o The Guardian. Para incendiar o caos, em plena pandemia, o aeroporto da capital foi fechado e todos os cidadãos obrigados a permanecer em casa, nas piores condições. Especulações sobre os motivos do crime dão asas a toda sorte de teorias conspiratórias e revivem a paranoia que já acompanha a vida dos haitianos há séculos. Independente do jugo francês desde 1 de janeiro de 1804 - de onde se explica, entre tantas coisas, o nome da capital, Port au Prince -, o Haiti somente teve sua liberdade reconhecida 21 anos depois, em 1825, obrigado a pagar uma dívida arrasadora aos antigos dominadores.


O dialeto local, créole, coteja com o francês em geral utilizado na escrita, embora apenas 42% do povo o domine; há, ainda, um pouco de espanhol, desde o autoexílio do herói latino-americano Simón Bolívar, em 1815. Acossado pelos escravizadores de Cristóvão Colombo desde 1492, ano da descoberta da América, o Haiti viu muitos de seus nativos dizimados. Sofreu com a invasão francesa, com um terremoto que em 2010 matou perto de 300 mil pessoas em um país de apenas 12 milhões de habitantes. O povo se divide entre duas religiões ou as mescla: uma formal, a católica, e outra, que anda pelas sombras, o vodu (voodoo).

Santuário de sincretismo cristão e Vodu

Duas passagens marcaram-me na vida o nome do país caribenho. Uma, quando era diretor do Conservatório de Tatuí: um jovem haitiano de pouco mais de 20 anos veio para o Brasil para estudar, incentivado por ótimos músicos. Aqui, teve início uma sucessão de articulações que chegou ao Ministério das Relações Exteriores, para obtermos para ele um visto especial. Fui a uma loja na Praça da Matriz e comprei do bolso o enxoval para Jean Gerald – esse o nome dele. Cobertores, roupa de cama, travesseiro, sabonete, tudo para que ele pudesse se acomodar no alojamento. Talentosíssimo, teve um belo oboé cedido sob minha tutela pelo titular da 6ª Vara da Justiça Federal, Fausto de Sanctis, após busca e apreensão nos golpes de uma socialite de São Paulo. Todos torcíamos por Jean, mas a mente dele se dividia entre nosso país e seus familiares, seu apego à escola Holy Trinity (SSmª. Trindade) e...O vodu, que apenas agora revelo mais abertamente. Entre divindades como Agwe, Gédé, Bosou e Kalfou, em um dado momento Jean pareceu estar surtando. Com o oboé – comprado e cedido em comodato sob minha responsabilidade pela Justiça Federal - e a roupa do corpo, foi parar no Acre, porta de saída para o Peru, de onde tentaria voltar para o Haiti.

(Foto: Letícia Moreira - Folhapress)

Sumiu, fizemos o devido BO de desparecimento de pessoa e, junto, um de objeto, o oboé. Com a ajuda de dois franceses, um de São Paulo e uma voluntária do Médicos sem Fronteiras (Médicins sans Frontières) de Porto Príncipe, Jean foi localizado no Acre e convencido a voltar a SP, desatar os nós legais e voltar à sua terra: ser preso na fronteira seria o pior dos mundos. Veio, apresentou-se, foi lavrado BO de reaparecido e deixou o oboé. Alguma força o fazia retornar ao Haiti. Era lá a terra dele, um ‘chamado’, parecia dizer-lhe, já meio fora deste mundo. Por nossa conexão francesa, soubemos que Jean viera a falecer em um incêndio criminoso em seu quarto na capital: sucumbira à punição macabra do vodu contra um ‘desertor’ a caminho de vencer na vida.


Anos depois, fui homenageado na Assembleia Legislativa pelos Boinas Azuis, das Forças Internacionais de Paz da ONU. As FIP brasileiras já comandavam havia mais de dez anos as tropas da paz no Haiti, arriscando-se e levando víveres, remédios e algum conforto ao povo da ilha. Em 19 de dezembro de 2014, o Boina Azul Walter Mello de Vargas, presidente da ABFIP-ONU, entregou-me faixa, carteira de couro azul com o documento de associado e um carinhoso diploma que mencionava “atuação meritória” pela paz e a Cultura. Sem palavras.


Certo dia, peguei um carro da casa de minha mãe, no Rio, para o Aeroporto Santos Dumont. Conversa vai e vem, caímos no assunto Haiti e o motorista desatou a contar histórias de quando era paraquedista das FIP-ONU naquele país: em voo rasante de helicóptero, tinha de saltar de frente, arriscando-se, caindo em pé de pouca altura. Ao fechar o sinal de uma rua, mostrei-lhe minha carteira de identidade com o brasão da ONU. Olhos arregalados, pediu licença, encostou o carro, leu aquilo e emocionou-se. No Aeroporto, quis que eu ficasse no carro enquanto ele mesmo abria a porta e me recebia com uma continência.

O que será daquele país, pelo qual tantos de nós, sabe-se lá o porquê, temos uma estranha afeição? Penso que, por muito tempo, continuará a longa sucessão de invasões, ditaduras sangrentas como a de Papa Doc Duvalier, guerras, saques, terremotos, epidemias de cólera, magia negra e assassinatos como o de Jovenel Moïse e Jean Gerald.  

Não há futuro para o Haiti.

                                               

sexta-feira, 9 de julho de 2021

DO CALOR E DO FRIO

 


Galileo Galilei (1564-1642) criou um mecanismo bem simples para medir a temperatura, e demorou quase um século para que surgisse um aparelho mais preciso, o termômetro de álcool, patenteado pelo francês Ferchault de Réaumur em 1731. (Um primeiro termômetro a ar, bem mais precário, já tinha sido criado por um médico italiano, Sanctorius, em 1612). Mais adiante, o alemão Daniel Fahrenheit (1686-1736) fixou como parâmetro para medição um ‘zero’ arbitrado em -17,77°C. Depois, o sueco Anders Celsius (1701-1744) organizou sistemas de medição baseados nas teorias de Ferdinand II, duque de Toscana, estabelecidos na escala compreendida entre as temperaturas de congelamento - 0ºC, baseada em Robert Hooke - e de ebulição da água (100ºC). O termômetro a mercúrio, bem mais preciso, foi criado pelo polonês D. G. Fahrenheit, em 1715. Muitos acreditam que os primeiros medidores de precisão foram idealizados por Van Helmont e R. Bacon, e aperfeiçoados pelo alemão Heinrich Geissler (1814-1879). A escala em Fahrenheit (ºF) é adotada nos EUA e Inglaterra, e em Celsius (ºC) nos demais países, genericamente falando.


Hoje, cidadãos de qualquer lugar do mundo podem saber a temperatura e previsões para sua cidade e todas as outras do planeta para o dia seguinte ou duas semanas, utilizando um app ou site de um simples smartphone ou computador. Telejornais exibem mapas eletrônicos com imagens feitas por satélites, apresentadas e cuidadosamente explicadas por moças bonitas como Maria Julia Coutinho (Majú), que após alguns anos, de tão popular alçou voo mais alto em sua carreira, como âncora de noticiário. Apesar de certas imagens e mapas digitais parecerem congelados, nuvens, massas de ar quente e correntes polares se movem, lembrando que a previsão meteorológica não é um cálculo exato, mas uma análise de tendências de dados que podem se alterar de um dia para outro: massas de ar quente, de ar frio, alta ou baixa pressão daqui e dacolá,  mudanças de direção do vento – as forças da natureza são como o que escreveu aquele velho alemão sobre sua filosofia: a única coisa que não muda nelas é que elas mudarão sempre.

Borrifador em Vancouver

Em cinco dias de junho de 2021, ao menos 34 pessoas morreram na região de Vancouver, no oeste do Canadá. Mas não do frio glacial que vem à nossa mente quando se fala de um país ao norte dos EUA, temperado e gélido por tradição, com seus pinhos, plátanos e maples salpicados ou cobertos de branco. É o segundo maior país do mundo em área, e seus 38 milhões de habitantes concentram-se em algumas regiões e cidades. A temperatura em Vancouver na semana passada chegou a inéditos 49,5ºC, números bem próximos daqueles registrados em algumas regiões do noroeste dos EUA, como a vizinha Seattle (WA), distante da cidade canadense apenas 2h30 de carro. Lá, mora meu filho Lucas, que em 30/06 reportou 41º dentro de casa, e forrou com plástico a caçamba de seu carro, à guisa de piscina. No cômputo geral, a alta temperatura canadense bateu recordes históricos já na década finda em 2019. John Horgan, da British Columbia, alertou: “Crise climática não é ficção”.


O porquê já sabemos, desde o derretimento das calotas polares, atualmente seis vezes mais rápido do que nos anos 90, até a displicência de autoridades de países como o Brasil. Uma grande maioria infelizmente é levada a ignorar, não dar importância ao “óbvio ululante”, da mesma forma que acontece com a poluição do ar, intimamente ligada às condições climáticas, apesar dos esforços dirigidos à produção de veículos elétricos e às energias eólica e solar, tendo na contramão os magnatas  dos derivados de petróleo , do carvão e outros poluentes.


E o frio, onde entra? perguntaria o leitor. Nos trópicos e por aqui no Brasil, tivemos 17ºC em Salvador, capital do sol, 8,7ºC no Rio (da música “Rio, 40 graus”!), 5ºC em São Paulo e até -7,5ºC em cidades de Santa Catarina. Geada e neve? Talvez diversão para turistas, não nem tanto para moradores, especialmente os de rua, ou os que trabalham com a lavoura. Falta chuva, e em breve teremos os já preconizados apagões.

Foto: Greenpeace

É impossível falar disso tudo sem evocar o aquecimento global e a devastação de florestas – principalmente da Amazônia, da qual somos parte majoritária ao lado de outros 8 países. Queimadas, devastações, extração ilegal de madeira, e quando não o esquema das “boiadas”, desleixo e descaso das autoridades para com organizações nacionais e internacionais, a virulência e o escárnio com que se tripudia sobre entidades autônomas que lutam de maneira efetiva pela defesa do meio ambiente e até ativistas como a adolescente Greta Thunberg. Discursos já não convencem, haja vista que no mais das vezes reduzem a pó qualquer práxis, por mais tímida que seja, se e quando acontece. A população começa a vislumbrar um turbilhão de mentiras que acobertam a realidade, e as notícias falsas plantadas por militantes informais com lastro em bastidores conhecidos fazem do real falso, e da mentira realidade, restando ao povo acreditar ou desacreditar, se um vento o induzir assim ou assado, como fosse biruta de aeroporto.

Monumento a Drummond, em Itabira

“A verdura sem par dessas matas”, citada por Olavo Bilac no Hino à Bandeira, “Quando o verde dos teus olhos / se espalhar na plantação”, do Luiz Gonzaga, “Verde que te quiero verde / verdes ventos, verdes ramas”, do Federico García Lorca, assim como outras tantas poesias, lembrarão, como disse o nosso grande mineiro Carlos Drummond sobre sua cidade, Itabira? “Apenas uma fotografia na parede. Mas como dói”.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

VELHO VOCABULÁRIO PARA NOVOS TEMPOS

 


Cada vez mais somos reféns do novo dialeto imposto pela Internet aos acontecimentos políticos, sejam direta ou indiretamente ligados a eles. Quantas vezes não se falou em cortina de fumaça nesses dias! Que fumacê! A exoneração do ministro Salles foi uma cortina de fumaça, dizem, e fumos de lenha grossa, completam os mais ferinos. Mas se por baixo do fumego o imunizante Covaxin jogou lenha em uma fogueira de enormes proporções, claro que não será assoprando que se irá apagá-la. Outros dizem que é fumaceira criada para encobrir fatos, Deus sabe quais, mas fumaça criada, trabalho dobrado. (Até lembrou Leônidas I, rei de Esparta, cinco séculos a.C.: “tanto melhor, combateremos à sombra”).


E haja modernicismos! (mea culpa: criei a palavra, neologizei para não matar de raiva o velho e bom modernismo). Tenho visto cringe, millenials, “geração Z”, coisas que alguma hora, talvez por acidente, vou descobrir o que são. Ou por fonte bem popular, talvez a única da “rapeize” – hoje em dia, galera -, o Google, pelo qual nutro certa aversão, sendo pessoa razoavelmente escolarizada. Conto isso em off, só para velhos amigos; mesmo assim, pessoalmente e sem ninguém por perto! (Diria hoje Tancredo Neves, mestre político e sábio mineiro, “smartphone é para marcar encontro no lugar errado”).


Gosto do discreto charme da velha guarda política, que tinha queda pela música: “Lacerda botou a boca no trombone”, a “Banda de Música da UDN” abafou a discussão, as lideranças estão desafinadas, um autogolpe foi ensaiado sob a batuta do presidente, e Fafá foi a “musa” das diretas já – lembrando que na mitologia grega musas eram divindades ligadas à criação, como Euterpe, da música, e Calíope, da bela voz. E enquanto o deputado fulano segue batendo na mesma tecla, tocando o mesmo bordão, o assessor beltrano foi pego com a boca na botija, que coisa feia: bebendo a manguaça escondido dos outros, diretamente na boca do fole.  Como de praxe, a campanha do impeachment é “orquestrada” pela oposição, o Congresso está “em compasso de espera”, as votações em plenário estão cheias de pianistas. Em tempos mais poéticos, Juscelino era o “pé de valsa”, Jango o “seresteiro”, e o comício na Central do Brasil (foto) seu “canto do cisne”.


Falando em cisne, quantos animais! A condenação fez do assessor um boi de piranha, animal doente ou mais velho que é jogado na água para o banquete selvagem daqueles vorazes peixes carnívoros, enquanto a boiada passa lá atrás no rio. Aliás, uma das frases recentes mais ouvidas e vistas na TV foi proferida pelo ex-ministro Ricardo Salles, em reunião no Alvorada: enquanto o Brasil naufragava de proa na pandemia, ele disse que o negócio era ir “passando a boiada”, o vírus como uma espessa e continental tenda de fumaça escura para encobrir atos nada canônicos, como diria meu pai. Coisa para fazer corar estátua de profeta do Aleijadinho.


Tem sempre alguém para “colocar o bode na sala”, provocar um assunto a fim de desviar a atenção do principal. Ou fazer de fulano um bode expiatório – segundo o Levítico bíblico, um de dois bodes era sacrificado no templo e o outro ficava, tendo sobre a cabeça a mão do sacerdote, para expiar, ou seja, remir os pecados de Israel. Na maçonaria, o bode é um animal especialíssimo, bom de ouvir e guardar segredos. A tradição remonta ao século 3 a.C., mistério revelado pelo apóstolo Paulo. Entre os adeptos de organização maçônica, não é incomum usar o nome do bicho para identificar-se em sigilo para um ‘irmão’ de outra loja, ou ainda para cutucar alguém para saber se é integrante da ordem: se não responder e ficar com cara de paisagem, certamente não é). Animal rebelde e de difícil controle, dele originou-se também “vai dar bode”, bagunça, caca. Já “amarrar o bode”, se conseguir... Pernas pra te que quero, o animal fica bravo! (Jards Macalé, lá por 1970, cantou: “se amarrar algum bode eu mato / se amarrar algum bode eu morro / (...) mas eu volto pra curtir”). E quem sabe o que foi um “pau de arara” não quer mais ouvir falar dele. Tristes trópicos.


Político dissidente expurgado de um partido vai amarrar o cavalo em outra freguesia, e se andar por linhas tortas pode dele cair. Por essas e outras, deve estar sempre com o cavalo encilhado. Os alienados, que não gostam de política, podem tirar o cavalinho da chuva: o grande castigo deles é que serão governados pelos que gostam dela (frase creditada a vários autores, e cuja origem pode estar no velho Platão). E um favor entre certos figurões costuma ter pilantragem oculta, pois a cavalo dado não se olha os dentes. E se a coisa vai mal, o sujeito pode ter de passar de cavalo a burro, coitado do animal que tem opinião própria, só anda por caminho aprendido ou para onde quer. Portanto, melhor seguir o troar do pai de santo: levanta teu cavalo!


Quanto aos modernicismos, havia dito no começo que iria pesquisar, mas o repórter Gilberto Amendola, do Estadão, o fez por mim na edição de 25 de junho: “A nova controvérsia (N.: “cringe”) nada mais é do que uma geração chamando a outra de antiquada” (em inglês, é “adular servilmente”, curvar-se). “Os millenials, ou geração Y, nasceram entre 1981 e 1996”. Por fim, fala da geração Z, que “domina a Internet e aponta alguns gostos ‘datados’ nos antecessores, como a série Friends, Harry Potter e desenhos da Disney”. De onde se conclui serem Y e Z alienados, nada a ver com política: São apenas ultramoderninhos que serão governados por quem gosta dela.