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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

"SEU JUCA", UM SÉCULO DE TALENTO MUSICAL

Capa da Ensaio, com matéria de Deise Juliana
José Teixeira Barbosa nasceu em novembro de 1915, em plena 1ª Guerra, foi contemporâneo da revolução bolchevique, da depressão de 1919, do stalinismo, da 2ª Guerra, de Mussolini e Hitler, nove papas e 27 presidentes da república, entre tantos fatos. Autodidata na clarineta, completa 75 anos de música. Em São Paulo, foi desde professor e diretor da Escola Roosevelt até músico de dancings, clubes onde homens com ternos aprumados se exibiam como dançarinos. As moças usavam os tíquetes dos rapazes para cálculo do valor a ser pago.  


Teatro Procópio Ferreira: Conservatório de Tatuí
Com a regularização profissional no Conservatório de Tatuí, Juca, mesmo recém-operado do coração, reconfirmou-se na posição que já exercia há décadas, a de professor de instrumento. Como os demais interessados, prestou processo seletivo, chamando atenção por sua musicalidade e experiência. Seu registro do emprego em carteira (CTPS) aos 93 mereceu destaque na imprensa regional e no Estadão: segundo o Ministério do Trabalho da 15ª Região, não havia ali caso semelhante, quem sabe seria o único no país. Preocupava-me vê-lo atravessar a rua com seus óculos de lentes grossas, e, claro, muito mais sua família, quando pegava o carro e ia dar suas “bandas”, como diz a rapaziada.

As aulas do “Seu Juca” não se resumiam à técnica, ele falava do funcionamento das chaves, ajustes na boquilha, escolha da palheta, controle do diafragma e postura ao tocar - ou seja, além de dar aulas era um verdadeiro mestre, dono da calma e da sabedoria que apenas esses têm. E era rigoroso, diziam os alunos. Belo dia, resolveu se aposentar, dar lugar a alguém mais jovem.

Mr. David Walter, Juilliard School
Em 2006, em um congresso em Richmond (EUA), David Walter, ex-professor da Juilliard de mais de 90 anos, ouviu um jovem tocar, ao contrabaixo, o prelúdio da Suíte 3 de Bach para violoncelo. Ao terminar, houve longa pausa, e Walter abriu os olhos. Contou o que um grande músico havia lhe dito sobre aquele prelúdio: “pense nas ondas do mar, umas mais cheias, outras mais suaves, tudo fluindo no vaivém harmonioso da natureza".


Pau Casals, o grande mestre do violoncelo
"Quem me disse isso foi Pau (Pablo) Casals” - o maior nome do violoncelo, modelar na interpretação das suítes. Pediu então que o jovem repetisse a peça, e, pasme, tudo mudara da água para o vinho. Fortes aplausos, emoção geral. Não basta aprender a mexer nas teclas, chaves ou cordas, há que se respirar o mesmo ar do mestre, tentar sentir o que ele sente! Às vezes, poucas palavras bastam. Ou o silêncio e um olhar. Bravo, “Seu Juca”. Salve!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O MINISTÉRIO PÚBLICO ADVERTE: A corrupção pode matar o país

Uso um alerta do Ministério da Saúde, órgão do governo, contra um vilão responsável pela morte de milhões de pessoas todos os anos no mundo inteiro: o cigarro. Faço aqui um paralelo com a prática da corrupção, palavra tão enraizada no Brasil que já carrega consigo um adjetivo de que nunca mais se libertará, pois além de cacoete repetido ad nauseaum (trad. liv.: até enjoar), tornou-se dela um amante inseparável: a corrupção é endêmica (ameaça contínua a uma população), uma moléstia infectocontagiosa.

Vítimas da Gripe Espanhola (1918-1919) 
Artigos memoráveis, como “A taxonomia dos ratos”, do João Sayad (Folha de SP), livros, jornais,  revistas, TV, tudo mostra que o país está contaminado como fosse por nova a gripe espanhola, que matou 40 milhões de pessoas, ou por peste negra, que riscou do mapa 75 milhões. Mas toda endemia, alguma hora, perde para seu controle, como o sucesso na quase eliminação da poliomielite, que deixou incontáveis atrofiados e paralíticos. Há remédio para a corrupção? Sim. Toda endemia tem controle. Pode demorar um tempo, mas a doença pode ser reduzida com novas descobertas, como nos casos da Aids e da Zika, até conseguirmos sua redução a taxas insignificantes.

A Constituição de 1988, no inciso III de seu artigo 14, tem uma ferramenta já utilizada recentemente pela chamada Lei da Ficha Limpa, que foi um grande passo, talvez o começo de tudo, e por iniciativa popular (usada apenas quatro vezes!). O parágrafo 2º do artigo 61 estabelece que é necessária a subscrição de um por cento do eleitorado nacional, ou seja, hoje, perto de 1,5 milhão de assinaturas comprovadas. A PGR (Procuradoria Geral da República) é órgão competente para, à frente do Ministério Público Federal, levantar essas adesões certificadas em forma de Projeto de Lei. De nada servem os abaixo-assinados que pululam nas redes sociais sobre coisas que só conseguem tumultuar e confundir, como as “emendas constitucionais de iniciativa popular”, ficção não contemplada pelo art. 60 da Carta Magna.

Prédio da PGR
O MPF, para mais fácil compreensão, subintitulou este projeto “Dez medidas contra a corrupção”. A claríssima e muito bem estudada redação, feita pela mais alta “intelligentsia” jurídica, é cortante como o kataná, espada dos milenares xoguns orientais. Entre os alvos do projeto estão (1) o “enriquecimento ilícito de agentes públicos”, o acréscimo patrimonial injustificado de qualquer valor”, (2) “prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação”, (3) “aumento de penas e crime hediondo para corrupção de altos valores” (4) “responsabilização dos partidos políticos e criminalização do popular caixa dois”, (5) “reforma do sistema de prescrição penal”, porta de saída para os poderosos, bem assistidos por seus famosos advogados, (6) “celeridade nas ações de improbidade administrativa”, (7) “eficiência dos recursos no processo penal”, (8) “ajustes nas nulidades penais”, (9) “prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado”, e (10) “recuperação do lucro derivado de crime”.

No site http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/ há depoimentos em vídeo de Jorge Hage, Nicolau Dino, Márlon Reis e membros da sociedade civil, como Maria Teresa Sadek, professora da USP, além do Procurador Geral, Rodrigo Janot. Claro, há também o costumeiro apoio de intelectuais e artistas, comme il faut (“como não poderia deixar de ser”), no Brasil. (Veja, abaixo, um vídeo sobre o "Dez Medidas")




É óbvio que, diploma legal a ser aprovado pelo Congresso Nacional, o sucesso da empreitada vai depender da quantidade final de assinaturas, caso do “Ficha Limpa”, com 1,6 milhões, à época (2010), idealizado por Márlon Reis, que também participa da elaboração do atual projeto.  Ajudam as subscrições desde setores militares em defesa da legalidade, comunidades, clubes, escolas, e, importantíssimo, as redes sociais como veículo para informação e retirada dos documentos. Pode-se encontrar, no site, todas as informações, depoimentos, explicações, gráficos, estatísticas e até um “assinômetro”, onde consta o número de subscrições confirmadas, que devem conter dados pessoais, nome completo e da mãe (para evitar homônimos) por extenso. Como não é uma corrente e menos ainda uma moção da Internet com pouco conteúdo e nenhum alcance, há um modelo de ficha com campos que podem ser preenchidos por até oito signatários, folhas que podem ser impressas em qualquer quantidade, e devem ser enviadas pelo correio no endereço do MPF disponível no site.

Almirante Barroso
Não basta reclamar, espernear, esperar que pelas mãos de pessoas destemidas como o juiz Sergio Moro e o hoje desembargador Fausto de Sanctis, o MPF, sem nunca esquecer atuantes ministros do STF, façam tudo por nós nessa guerra. O presidente John Kennedy, figura emblemática da história norte-americana, cunhou uma frase célebre: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país". Bem antes dele, nosso Almirante Barroso, um dos próceres da Guerra do Paraguai, resumiu: "O Brasil espera que cada um cumpra com o seu dever". 

Tento fazer meu pequeníssimo grão de areia contribuir para erguer essa obra, divulgando e coletando adesões. Se você se interessa, quer se assumir cidadão brasileiro em sua plenitude, visite www.dezmedidas.mpf.mp.br e conheça a propositura. Concordando, assine, convide outros interessados e tenha orgulho de ter participado. Custa apenas um selo dos Correios. Colabore para vermos um país mais digno para todos e aos que nos sucederem. 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

HÉLDER CÂMARA: VERMELHO, NOBEL OU SANTO?

Seminário da Prainha, Fortaleza
No dia 7 de fevereiro de 1909 nascia, em Fortaleza, um menino mirrado, como tantos de sua gente. Um entre apenas oito sobreviventes de treze irmãos, via em seu pai, João Eduardo, dramaturgo amador e jornalista, a paixão pelas letras, compartilhada por sua mãe, a professora Adelaide Câmara. Ela percebeu, logo cedo, que o menino Hélder tinha algo especial, que o diferenciava de seus amiguinhos. Talvez pensasse como na linda Gesú bambino, de Lucio Dalla (versão brasileira pelo Chico)­­: “minha mãe não tardou a alertar toda a vizinhança / ao notar que eu estava bem mais que uma simples criança”.

Aos quatro anos, revelou sua devoção a Deus e aos catorze sua vocação inequívoca para o sacerdócio, ingressando no Seminário da Prainha, de Fortaleza, onde além das matérias regulares dedicou-se à teologia e obras dos grandes pensadores. Passou a ajudar causas de mulheres e homens pobres e trabalhadores, assumindo seu papel de missionário, e tornou-se um batalhador da educação, causa pela qual lutou com especial afinco (tinha na memória sua mãe, sempre dividida entre a prole, os deveres domésticos e o magistério).

"Anauê", saudação da AIB
Depois de mudar-se para o Rio de Janeiro, foi seduzido pela Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, com seu falso bordão “Deus, Pátria e Liberdade”. Afastou-se quando viu o movimento assumir contornos político-partidários inspirados em Mussolini até na saudação, o Anauê, braço levantado como os soldados das milícias fascistas. Foi ordenado Bispo Auxiliar do Rio com apenas 43 anos de idade.

Helder e Monsenhor Montini no Brasil
Com o apoio do Monsenhor Montini, depois venerável papa Paulo VI, obteve a aprovação para a criação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), organização que esteve presente em todos os grandes momentos da Igreja Católica e da história contemporânea de nosso país. A duas semanas do golpe de 1964, que marcaria sua vida, foi indicado arcebispo de Olinda e Recife, e teve atuação proeminente em toda a sociedade brasileira.

Hélder revelava-se cada vez mais um soldado em luta pelos mais pobres, que entendia como sua missão. Agregado à OFS (Ordem Franciscana Secular), foi simples como o Francisco dos pássaros, no despojamento e no real voto de pobreza pela fé. No peito, batiam forte seus profundos ideais.

"Quando dou de comer aos pobres, me chamam de santo.
Quando pergunto o porquê de os pobres não terem comida,
eles me chamam de comunista"
Por causa de suas missões junto aos pobres, a perseguição política tornou-se implacável. Hélder foi censurado, proibido de dar entrevistas e sequer mandar mensagens. Como que um carimbo na testa, recebeu a “pecha infamante de comunista” (ironicamente, expressão cunhada por Marx e Engels, em O Manifesto, usada ao avesso). Uma vez “carimbado” o cidadão ficava marcado como fosse o número tatuado no braço dos judeus presos nos campos de concentração. (Lembro-me de que, depois de libertados da prisão, os humoristas de O Pasquim escreviam, bem ao seu estilo gozador, coisas como “fulano, comunista igual a nós”, começando a fazer a pecha cair no ridículo, pois comunistas eram todos os que se opunham ao regime. E ponto).

Nelson Rogrigues (baconfrito.com)
Contra Hélder, atacou-o doentiamente o dramaturgo Nelson Rodrigues, homem ligado à ditadura (mesmo tendo o filho, também Nelson, sido preso e torturado). É da lavra dele a maldosa alcunha “O Bispo Vermelho”, mais um estigma criado para denegrir a imagem do religioso, então já maldita pelo regime, no afã de isolá-lo completamente. Mas não. Em 1968, auge da repressão, publicou “Revolução dentro da Paz” (Rio de Janeiro: Ed. Sabiá), traduzido em diversos idiomas, talvez seu maior libelo em prol da pacificação pela justiça, direitos para todos e contra a miséria aguda do povo.

General Médici e a Taça Jules Rimet (1970)
Entre as dezenas de prêmios, títulos de cidadão honorário, doutor honoris causa e homenagens que ganhou durante a vida em diversas partes do mundo, um lhe escapou quatro vezes, por obra dos próceres da ditadura: indicado para o Prêmio Nobel da Paz por sua luta pacífica, comparado a Ghandi, foi em 1970, por instrução do G.al Garrastazu Médici, que o embaixador brasileiro na Noruega travou campanha no Parlamento de Oslo e países escandinavos contra a concessão da láurea, pois aquele Nobel poderia servir de “estímulo ao avanço comunista” (sic) na América Latina. 
Médici queria a glória para si, para o “ame-o ou deixe-o”, a taça da copa de 1970, que, esta sim, ergueu com orgulho de técnico palpiteiro e herói, capitalizando-a. Além de seu espírito censor e obcecado, talvez não lhe fosse do agrado, afinal, um prêmio Nobel da Paz.

Com o papa João Paulo II
Mais recentemente, uma comissão criada pelo então governador de Pernambuco, o recentemente falecido Eduardo Campos, logrou obter farta documentação sobre a interferência do regime de força contra a concessão do Nobel – de que o arcebispo seria o único brasileiro laureado até hoje. Anos depois, Hélder recebeu um beijo na testa do papa João Paulo II, que o saudou em público: “você é pelos pobres, então você é dos meus”.

O enterro do Pe. Henrique, auxiliar de dom Hélder
O nome do religioso era proibido na imprensa, uma simples menção provocava urticária nos arautos do regime. Antônio Henrique, o padre auxiliar de Hélder, foi encontrado morto, logo após o famigerado AI-5, com sinais de tortura e sevícias, tiros e enforcamento, assassinato covarde e bárbaro ao estilo das vendettas das máfias da Córsega – a repressão chamava isso de um sutil “exemplar os cidadãos” (leia-se: apavorá-los). O caso foi abafado com mordaça e pá de cal, à maneira do Stalin soviético, e severamente censurado em todos os órgãos de imprensa, coisa de todos os tipos de ditadura. E assim como o estudante Edson Luís, morto no Rio na mesma época, no Restaurante Calabouço, Pe. Henrique foi alçado à condição de mártir da ditadura. Mas o recado ao bispo havia sido dado: cala-te, Hélder!

Dom Hélder e Madre Maria de Calcutá
Perdeu o Nobel, láurea que pessoalmente não afagaria seu diminuto ego, não conhecia a soberba da fama. Contudo, a visibilidade poderia ajudar no fortalecimento de sua missão pelos que tinham fome e os perseguidos. Ironia da vida, em 2014 o Vaticano acolheu o pedido de beatificação e santificação de Hélder Câmara, apondo seu nihil obstat (nada a obstar) ao seguimento do processo. A burocracia da Santa Sé tem seus dogmas, é demorada, as exigências muitas, mas a anuência já concedida à análise do pedido abriu-lhe a porta, que aliada ao anseio do papa Francisco em unir todo o seu rebanho, já aponta ao menino prodígio e visionário de Fortaleza seu derradeiro destino.