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sábado, 23 de novembro de 2013

"POR FORA, BELA VIOLA...



... por dentro, pão bolorento”. Assim como outros tantos ditos de origem portuguesa, com passaporte de entrada carimbado em um dos recantos onde esses provérbios populares mais proliferam, as Minas Gerais, existem também variações como “por fora, bela viola, por dentro, molambo só”, ou “por fora, bela farofa, por dentro não tem miolo”, ou ainda “por fora, renda de bilro, por dentro, molambo só”, entre muitas, muitas outras. O que importa é que o provérbio enaltece a beleza da viola, tão característica do Brasil nas suas mais diversas manifestações de raiz, como o cururu, o desafio, o repente, a seresta e a moda de viola, entre outras. Mas o que vem mesmo a ser uma viola? Um tipo de violão?


Rebab
Há vários tipos de viola, e por isso mesmo é interessante conhecê-los, para não misturá-las. Há a viola que vem desde antes do período barroco, da família ‘viola da braccio’ (viola de braço, de onde o violino e a viola sinfônica), ‘viola da gamba’ (ou viola de perna, apoiada entre elas, como no violoncelo), o ‘basso de viola’, ou ‘violone’ (que deu origem ao contrabaixo), e uma variedade enorme delas, todas tocadas com arco. Essas violas, descendentes do ‘rebab’ ou ‘rabeb’ árabe, que hoje encontra um parente direto entre nós, a rabeca, é um instrumento mais primitivo, levado para a Espanha durante o Renascimento pelos mouros do Norte de África após a ocupação da Península Ibérica (711 até a queda de Constantinopla, em 1453). 


Criança tocando alaúde
Mas há outro tipo bem diferente de viola, tocada com os dedos ou uma palheta, nascida de outro instrumento árabe, o ‘al’oud’, de onde veio o alaúde, pai das violas dedilhadas e do violão moderno – mais precisamente, a nossa viola de arame é afilhada de um instrumento da mesma família, a fíbula. 


Roseta e cordas em ordens duplas
No Brasil, dizemos genericamente viola de arame, mas aqui por nossas plagas ela é mais conhecida como viola caipira, havendo ainda outras designações, como viola brasileira, viola buriti, viola de cabaça, viola de cordas, de feira, de Queluz e diversos outros apelidos. A viola brasileira tem dez, às vezes doze cordas, ou melhor, cinco ou seis ordens duplas de cordas, com o mesmíssimo som para cada par. A sequência da afinação, entretanto, não é a do violão. Existe um número grande de sistemas para afiná-la, como cebolão, cebolinha, natural, rio-abaixo, guitarra, boiadeira, maxabomba e outras. Já no Nordeste, entre os repentistas, é comum a afinação Paraguaçu, que parece ter descido rios até o Vale do Paraíba. Pois a viola, com sua beleza e seu som, já chegou à erudição, entre pesquisadores e estudiosos como Fernando Claro e Roberto Corrêa, entre outros! Ela se assume portuguesa, destacando-se como viola braguesa, de onde certamente surgiu nossa viola de arame, ou caipira. 


Dedeira de violeiro
Os violeiros mais versados usam uma palheta (chamada dedeira) que se prende ao redor do polegar da mão direita, a qual ora arpeja as cordas, ora faz alguma linha de baixo, deixando os demais dedos para os bordados e floreios – o que obriga o artista ao uso de unhas compridas para tirar os sons cristalinos das finas cordas de aço. O que se ouve é inconfundível: às vezes ela faz de harpa, às vezes é mais rasgada, outras ainda mais suave e aveludada, criando um ambiente intimista. O falecido virtuose Renato de Andrade, a quem há muitos anos recebi em casa no Rio, foi um famoso titã da viola: tirava sons de harpa, harpa paraguaia, cítara e - segundo ele mesmo, brincando - até de viola! (Veja e ouça abaixo o virtuose Renato Andrade)






Violeiro tocando: Almeida Júnior
Os que são realmente exímios, como foi Andrade, são capazes de tocar sem acompanhamento, fazendo epopeias e malabarismos com seus pinhos, como fossem solistas de um instrumento só. Pois “botar a viola no saco” é sinônimo de ir embora, mas sempre levando o bem mais precioso que o artista carrega consigo: “... tange, ferra, engorda e mata / mas com gente é diferente / Se você não concordar / não posso me desculpar / não canto pra enganar / vou pegar minha viola / vou deixar você de lado / vou cantar noutro lugar” – cravou Geraldo Vandré, em sua linda “Disparada”. 


A viola pode chegar ao mais fino acabamento e construção: peças de ébano, marfim ou osso, pinho canadense, abeto, e ainda algumas da cepa nacional, como o jacarandá da Bahia (de primeiríssima linha), cedro, mogno, chegando a ser adornada com arabescos (que não negam a origem islâmica!), detalhes escavados, desenhos decorativos, roseta ou mosaico, na boca do instrumento, filetes artísticos (madeira mais escura ou mais fina incrustada em finas tiras simples ou duplas – ver imagem) e até banho de ouro nas cravelhas (ou tarraxas), que são mecanismos que servem para afinar o instrumento. O tamanho da viola é o de um pequeno violão, sendo que os ombros superiores (as curvas de cima) são menores do que os inferiores. 
Viola filetada nas bordas: brazdaviola.com.br


Moçoila da fazenda
Por isso o ditado: a viola é sempre linda, sempre bela, e especialmente quando tocada. Exerce fascínio não só sobre quem a ouve, mas também sobre quem a vê, tamanha obra de arte em si que ela é. O corpo mais feminino do que o do violão é sinuoso como o da jovem moçoila da fazenda. Mas voltando ao ditado “por dentro, pão bolorento”, emigrado da cultura portuguesa para Minas Gerais, quer dizer que por trás de muita beleza pode haver algo de bastante podre: uma linda mulher de passado vadio, um político de terno vincado que fala bonito mas tem história que passarinho não bica, um cantor empavonado e de bota lustrada sem voz nem afinação, enfim, tudo o que parece lindo como uma bela viola, mas que não toa nem afina como seu som nem seduz com sua beleza, virtudes reservadas aos ouvidos e olhos sensíveis ao que o homem sabe criar de mais belo. 



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