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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

FREVO: UM OUTRO CARNAVAL BRASILEIRO

Vinicius
“A gente trabalha o ano inteiro / por um momento de sonho / pra fazer a fantasia / de rei ou de pirata ou jardineira / pra tudo se acabar na quarta-feira”. O ‘Poetinha’ Vinicius de Moraes, com a simplicidade e riqueza de sempre, bem descreveu o carnaval: “a felicidade do pobre parece / a doce ilusão do carnaval”, canta o início da estrofe. A poupança suada do ano inteiro para comprar o pano e costurar a fantasia, para um sonho de apenas três dias que termina na quarta-feira! Uma espécie de ‘ópio do povo’, talvez? Ora, aos muito ricos cabe a happy hour, a viagem ao Caribe, festas todos os fins de semana - um ‘ópio’ bem mais longo e dispendioso do que a curta diversão dos que vivem nos morros e periferias.

Carnavalescas modelos 
(Já escrevi muito sobre carnaval, em especial sobre os desfiles das escolas, que a TV transfigurou de coisas simples, como blocos e cordões, até chegar à Avenida como festa de pobre para rico e gringo verem, coisa que Mário de Andrade chamava de “macumba pra turista”. Estrelas da TV e modelos seminuas, sem samba no pé, tornaram-se o adereço principal dos desfiles, abrindo alas na imprensa e lentes das câmeras durante o ‘tríduo momesco’: uma gigantesca ‘selfie’ global.)

O belo Mardi-Gras de New Orleans
Mas existem outros carnavais. Os franceses, os norte-americanos, como de New Orleans, os lendários carnavais de Veneza, mas há outras lindas folias brasileiras que vale conhecer, em especial aquelas mais distantes do ‘Sul-maravilha’, como dizia o Henfil. Uma das mais impressionantes é a do frevo, palavra que vem de ‘frever’ - popular para ‘ferver’, dada a agitação da dança de ritmo frenético, no embalo da frevança (ou frevolência).

No Recife do final século 19 surgiram os sinais da nova dança, cujo nome mereceu o primeiro registro em um artigo de 1908 do jornalista Osvaldo de Almeida. O frevo mescla influências da capoeira e do maxixe à polca-marcha, tudo misturado em um caldeirão musical pelos músicos de bandas militares e civis, com rápidos dobrados, polcas, marchinhas e choros. Os instrumentos do frevo são adequados à portabilidade pelos músicos: clarinetas, requintas, saxofones, metais (trompetes, trombones e tuba) e percussão.

Passo do Frevo
Junto ao grupo de músicos segue o alvoroço da multidão, energizada pelo grande número de síncopas e contratempos com deslocamentos de acentos rítmicos. Os nomes dos passos vão de curiosos a divertidos: capoeira, coice de burro, ferrolho translado, parafuso, pernada e tesoura. Com sombrinhas nas mãos e passos quase olímpicos, a dança exige uma energia de folião e preparo de atleta.

Luiz Gonzaga, Sivuca e Capiba, no centro do grupo
De Surubim (nordeste de Pernambuco) saiu o maior nome da história do gênero, o compositor Capiba (1904-1997), que já teve um trio (chamado “O Mundo Pegando Fogo”) com os magos Hermeto Pascoal e Sivuca.

Instrumental do frevo (Revista O Grito!)
O frevo guarda pouca ou quase nenhuma semelhança com as danças baianas, que têm profundas raízes negras, como batuques, maracatu e coco. O gênero pernambucano possui várias modalidades, como o frevo (ou marcha) de bloco, que usa instrumentos como flautas e clarinetas agregados a cordas como bandolins, violões e banjos, além da percussão. O frevo de rua é o ritmo típico do carnaval pernambucano, é dança de agitação eletrizante, agitadíssima. As músicas do frevo de rua geralmente não possuem letra, pois é quase impossível dançar o ritmo e cantar, tanto pelo enorme movimentação corporal quanto pela sofisticação das linhas melódicas e o alto volume do instrumental. Há também o frevo de abafo, cuja música exige dos metais (trompetes, trombones e bombardinos) notas longas em alto volume; o gênero serve, como o nome sugere, para o grupo abafar o som de uma outra banda que se aproxima.

Frevo de bloco
E há o melancólico frevo-regresso, que canta a saudade e a tristeza do retorno, nas madrugadas das quartas-feiras de cinzas, cortejo para casa ao fim dos dias de festa. E o frevo-canção tem similaridades com o samba-canção carioca (comum nos bailes), mas tem personalidade própria, não é um afluente do gênero do Rio de Janeiro.

Clube Vassourinhas de Olinda
O frevo tornou-se muito popular no Brasil inteiro com o conhecido Vassourinhas (no plural mesmo), composto por Matias da Rocha e Joana Batista Ramos em 1909 para o baile do Clube Carnavalesco Vassourinhas. Além de ser a música mais tocada e repetida nos carnavais de Olinda e Recife, Vassourinhas costuma ser parte da agitação dos finais de baile de Norte a Sul, junto com Cidade Maravilhosa e o Hino do Flamengo, cantado por todos os torcedores, para levantar o pessoal. Quem conhece a letra “Se essa rua fosse minha / eu mandava ladrilhar / com pedrinhas de brilhante / pra Vassourinhas passar”? (Depois passou-se a cantar “com pedrinhas de brilhante / para o meu amor passar”. A letra do Vassourinhas foi adaptada do cancioneiro popular brasileiro, cantada em passo lento, e traz de forte influência ibérica: "Se essa rua, se essa rua fosse minha / eu mandava, eu mandava ladrilhar / com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante / para o meu, para o meu amor passar")

Mestre Zé Keti
O frevo faz parte do fim de baile no Brasil inteiro, preparado pelo descanso da lindíssima marcha-rancho Máscara Negra, de Zé Keti, em ritmo bem lento: “Tanto riso, oh, quanta alegria / mais de mil palhaços no salão / arlequim está chorando pelo amor da Colombina / no meio da multidão”. Voltando ao frevo, por sua importância cultural, o gênero foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade em 2012 pela UNESCO.

A linda Recife. Destaque para a Sinagoga, provavelmente
herança do período de ocupação holandesa
O Sudeste e Sul brasileiros não elevam à altura devida a importância cultural de Pernambuco para o país, e na música popular, seu frevo, folguedo surgido bem antes da formação da primeira escola de samba carioca (Estácio de Sá). O espetáculo da frevança agita o público, acelera corações, sangue a ‘frever’, contagiando a todos com uma enorme e luminescente alegria. (Veja e ouça, abaixo, o Vassourinhas, em ótima e virtuosística gravação. Logo depois, um recifense nato, o insigne compositor Marlos Nobre, executando ele mesmo, ao piano, seu Frevo nº 2, prova de que a música de concerto é permeável - e deve, como queria Mário de Andrade - a todas as influências da melhor música popular brasileira)








Um comentário:

  1. Dama das Camélias

    No Brasil, não tem miséria...
    É o melhor país do mundo!...
    ‘Té a pilhéria é coisa séria,
    Ministrando o submundo!

    Lá em Brasília, não tem léria,
    Nem político vagabundo...
    Quando surge u’a vil matéria,
    Mandam logo pro além-mundo!

    Nesta terra gloriosa... —
    Nunca houvera u’a só tragédia;
    Sempre fora a mais formosa,

    E a mais bela das comédias...
    Mui extremosa e cobiçosa —
    Qual a Dama das Camélias!

    Pacco

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