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sexta-feira, 1 de maio de 2015

AFINAL, O QUE VEM A SER MPB?



A resposta seria fácil, se fosse possível separar compositores, gêneros e épocas em escaninhos e catalogá-los com etiquetas de biblioteca. Na música não há transições bruscas, apenas transformações que vão acontecendo naturalmente. Veja a música de Beethoven: seria ela romântica, como querem alguns? A rigor não, o mestre alemão remete ao classicismo de Haydn, e sua técnica abriu caminho para os que o sucederam, de Brahms a Wagner, românticos em linhas opostas. Na verdade, pode-se antecipar algum traço romântico em Beethoven na última fase, porém mais pela dramaticidade e peso da orquestração, inovando com a agregação de um coral uma música carregada de forte emoção. Mas dramaticidade também pode estar em obras de Bach, como a Paixão Segundo Mateus, e em outros estilos de época.

Torneio de Cururu no Conservatório de Tatuí
Arte de Jaime Pinheiro. Foto de Kazuo Watanabe 
Nossa música popular remonta aos anos das primeiras catequeses pelos jesuítas, que com influência indígena gerou fenômenos como o cururu, rico improviso paulista sobre rimas temáticas religiosas. Isso, fora a grande contribuição dos negros, que selaram, eles sim, os principais rumos que essa ampla mescla europeia-indígena e afro-brasileira nos trouxe. Nosso folclore tem de coco e jongo, de raízes africanas, ao bumba-meu-boi, de ascendência mourisca via Portugal, partes do rico perfil da cultura brasileira, caldeirão onde são bem temperados sons e ritmos.

Modinha (musicabrasileira.org.br)
A modinha brasileira já no século 18 encantou os portugueses, que contribuíram em suas origens, e o gênero lá voltou por mãos brasileiras, influenciando por sua vez a própria música lusitana. De Portugal veio parte de sua matéria-prima, aqui manufaturada com as cores nacionais e para lá reexportada com todos os benefícios, tal qual produtos industriais aqui beneficiados e exportados. Nos encontros dos modinheiros juntavam-se violões e violas (em Portugal, ‘viola braguesa’), e surgiram outras influências, como a polca e a mazurca polonesas, agregando outros instrumentos, como a flauta. (Ouça abaixo Célia Coutinho, voz, e Francisco Migone, interpretando Modinhas Imperiais).


Chiquinha Gonzaga
Estava aberto o caminho para o choro. Após suave transição, lá estavam a Chiquinha Gonzaga de “Atraente”, de 1877, uma polca com todo sabor de choro. Com ela, o Ernesto Nazareth de “Odeon” (gravado apenas em 1912), talvez os mais importantes artistas dessa paternidade.



Pixinguinha, João da Baiana e Donga

Donga, João da Baiana e Pixinguinha, cultores do samba, foram figuras importantes como precursores do gênero, sendo “Pelo Telefone”, de Donga, o primeiro registro fonográfico (1916) do gênero (gravação abaixo) – trunfo, claro, que foi alvo de disputas e polêmicas, se era samba ou não, típica querela do mundo artístico. Mas tinha lá seu jeito de maxixe. 



Noel Rosa
A terra natal do samba, com grande segurança, pode ser marcada no mapa como sendo a Vila Isabel carioca, igualmente alvo de disputas e brincadeiras musicais quanto à “nacionalidade” do ritmo, defendida com unhas e dentes por Noel Rosa em “Feitiço da Vila”: “A Vila é uma cidade independente / que cria samba mas não quer criar patente”. Equiparou com ironia o bairro carioca à altura de estados do Brasil, como em “Palpite Infeliz”: “São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba”. E no Estácio nasceu a primeira escola de samba, assim chamada porque o grupo ensaiava em uma escola, não porque ensinasse o ritmo carioca. “O samba é um privilégio / ninguém aprende samba no colégio...”, sentenciou Noel, em “Feitio de Oração”.

Nara Leão (colunas.cbn.globoradio.globo.com)
Daí em diante o samba afeiçoou-se a diversos lugares e tradições e abriu-se ao mundo: vieram o samba paulista, com características próprias e sabor caipira nos compassos e nas vozes, o samba de enredo, o samba-canção, e toma de inventar samba, como o samba-rock, o samba-funk, sem falar na sedução do jazz norte-americano que já havia se imiscuído no samba no final dos anos 1950, em apartamentos de Copacabana e Ipanema, onde a vizinhança impunha que tocassem baixinho, a bateria “como uma caixa de fósforos”, como pedia João Gilberto, e vozes suaves de “crooner”, quase sussurrando com os lábios próximos ao microfone, o charme da Nara Leão. (Abaixo, Nara Leão interpreta Jobim)

Nata da Bossa, em casa: Jobim, Vinicius, Bôscoli, Menescal e Carlos Lyra
(jobim.org)
Dali surgiram Carlos Lyra, Menescal, Bôscoli e outros, até Jobim trazer influências assumidas de Debussy e Villa-Lobos. Depois, Chico, Gil, Caetano, Ivan Lins, Gonzaguinha, geração nascida entre duas ditaduras e lapidada à revelia do golpe de 1964. Chega o irreverente tropicalismo de Gil, Caetano e Mutantes dos anos 1970/80, e novas transformações abriram um novo período da fértil para a MPB.

É preciso entender MPB como um movimento, e não genericamente “ao pé das letras” de uma simples abreviatura. Alguns pesquisadores da época, como Augusto de Campos (em “Balanço  da Bossa”) defendiam que o Brasil estava retomando a “linha evolutiva” de sua música popular, e entendiam o movimento como uma renovação constante. Fosse a MPB qualquer música popular feita no Brasil, ela viria desde os primórdios, da modinha e outras manifestações, até os dias de amanhã. Mas o que se convencionou chamar de MPB é um movimento, e essa referência reflete um período exato, finca origens em uma era em que Noel, Wilson Batista, Ary Barroso, Dolores Duran e um rosário de nomes históricos abraçados pela classe média urbana, aliada a influências externas, lhe deram novas roupagens.

Zélia Duncan (foto: divulgação)
Não se sabe quando a MPB exatamente começa e menos ainda onde termina, ou se vai terminar, pois vestiu-se de camaleão com Raul Seixas, Cazuza, Cássia Eller, Ana Carolina, Zélia Duncan, Zeca Baleiro e tantos outros.

Concluindo, a quem interessar possa: a MPB é um movimento surgido na classe média urbana brasileira, e como tal está em constante mutação. Suas palavras-chave maiores talvez sejam transformação e qualidade.


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