LIVROS

LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****

sábado, 22 de agosto de 2020

EDUCAÇÃO 2020: MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL

Um ano letivo comprometido para a educação em todos os níveis. Por mais que aulas à distância, on-line, possam minorar problemas de disciplinas em classes enormes como muitas da Escola Politécnica da USP (Poli), nunca poderão fazê-lo com matérias que necessitam prática, como as de anatomia e dissecação na medicina, laboratórios químicos, aceleradores de partículas ou prática musical. Uma agravante: já estourando na boca do balão, há uma turma para se formar este ano que deveria ceder lugar à próxima a ingressar. Tentar equilibrar tudo isso diante de uma inexorável nova queda na arrecadação do ICMS em 2021 - tributo responsável pelas universidades estaduais cujos orçamentos, no total, que significam uma fatia de 9,5% do arrecadado -, é como sonhar com um novo milagre da multiplicação dos pães: a se prorrogar os cursos dos que deveriam se formar em 2020, haveria uma leva a mais em todas as áreas das universidades e um colapso orçamentário. Fora isso, um Projeto de Lei (529/20) corre em regime de urgência na Alesp para fazer retornar ao Tesouro cerca de 1 bilhão das três universidades e da Fapesp (petição, com já perto de 80.000 assinaturas contra o PL pode ser assinada no link ao final deste blog). 

Aqui e ali, ouve-se um zunzum de cara ou coroa girando, cada lado com uma hipótese: na primeira, forma-se a alunada assim mesmo – porque sobre a outra turma que virá em 2021 não se poderá criar uma frustração em cadeia de gerações de vestibulandos. Esta primeira opção implica em simplesmente formar todo mundo, e não há como evitar que a maioria dos alunos saiam com preparação incompleta, o que em certas áreas significa grave risco à população, no cotidiano futuro: mais acidentes, desastres, perda de vidas humanas. 

A segunda opção, não menos preocupante, é a não abertura de vestibulares para 2021, sem novas turmas no ano letivo, para “esticar” o último ano, com a inevitável decorrente decepção da massa de candidatos, o que não pode ser negligenciado. Contudo, abrir as portas a novas turmas e prorrogar os cursos em finalização é bomba financeira, organizacional e de espaço no colo das universidades, sem pensar no corte drástico que o governo pretende impor. 

Em viés extremamente delicado estão o ensino fundamental e médio, quando a presença física do professor é essencial. Trata-se de classes, porém o atendimento por aluno é intermitente, e quanto mais novas essas crianças, mais a presença do mestre é fundamental. (Miremos no exemplo de um pequeno país ao sul do nosso, o Uruguai, que forneceu tablets a 100% dos alunos de suas escolas públicas, fato que nos obriga a reverenciá-los como exemplo administrativo, olhando para nosso próprio umbigo com a necessária submissão. Mesmo assim, a transferência eletrônica de informação, tomando emprestado um poema do Drummond, “seria uma rima, mas não seria uma solução”. Ajuda, mas persiste a enorme lacuna presencial). 

Na música, batemos de frente com o quase impossível. Fora poucas aulas como história da música, que poderiam seguir on-line, há problemas insuperáveis nas práticas e individuais: o maior deles, técnico, é a absurda perda da qualidade de áudio. Se o mundo um dia viu surgir o estridente fonógrafo, e dele geringonças de maior pureza, o LP e o HI-FI (alta fidelidade), houve a invasão do mercado pelo MP3, que é um tipo de áudio que se pode gravar ou transmitir em formato comprimido – tome-se como exemplo toda a discografia dos Beatles, que cabe em um único CD. 

Depois, surgiu o MP4, formato que traz um vídeo agregado ao som. A fração de espaço da duração de uma mesma música em MP3 em comparação com outra em disco se deve a essa tecnologia surgida em 1993, técnica que comprime – e elimina várias - faixas de frequência, o que significa perdas especialmente nos extremos, os graves e agudos. Pior do que isso, hoje coqueluche, é o som via streaming (de stream, correnteza, onda), a transmissão fracionada de sons e imagens, tornando-a ainda mais leve. E pobre. 

Na área musical, esta é apenas uma parte do problema. O pior é a falta da presença do professor, o carisma pessoal, o respirar o mesmo ar, o ouvir a voz do mestre, o interagir olhos nos olhos com o aluno de instrumento ou canto, nada passível de ser transmitido on-line. Em exemplo extremo, lembro-me de ter assistido a master classes com grandes nomes, como o gênio do violino Yehudi Menuhin (foto), para uma classe lotada. A cada participante que tocava, ele o presenteava com suaves e comedidas palavras. Mas com que efeito! 

O contrabaixista da Juilliard School David Walter (foto), aos 90 anos, após a execução de um Bach por um aluno fechou os olhos, criando um silêncio sepulcral que fez parte fundamental da cena. E foi somente após ficar calado por meio minuto, após o fim da peça, que ele narrou uma sedutora visão poética da obra, que lhe fora dada pelo lendário violoncelista Pablo Casals. Instado a tocar novamente, o aluno fez emergir com suas mãos naquelas mesmas notas uma outra música, ante participantes e professores embasbacados com a transformação. Coisa que nunca aconteceria por ondas de rádio, fios ou frequências comprimidas. Só quem já lidou com isso é que sabe. Que para iniciantes e leigos, aulas individuais on-line, nessa altura do campeonato, podem ter sua serventia, isso nós sabemos. E para ajudar no sustento dos professores, idem. Porém, mais uma vez, apesar da pandemia, pode ser outra rima, mas não uma solução. 

E qual seria a solução? Não sei, e nem quem saiba. Lembrando a célebre anedota do Chacrinha, o “filósofo” de massas favorito da Tropicália: “Eu não vim para explicar, mas para confundir” (e eu aqui não quero confundir, apenas abrir espaço para reflexão). Nós, educadores, temos por obrigação compreender algo complexo por natureza, mesmo que não consigamos propor alguma solução a contento. Fora isso, é procurar em delírios futuristas alguma tecnologia holográfica por teletransporte com olfato e toque físico no próximo século. Mas a realidade é hoje, e é outra. E dói. Na área federal, as perspectivas são ainda piores. Perderemos um ano, mas a vida humana vem primeiro.

***
Petição contra Projeto de Lei do corte nas universidades do estado de SP e Fapesp: http://chng.it/nHgjNgJN
Canal do Youtube: https://www.youtube.com/user/autrandourado
Para adquirir o livro Memórias de Isolamento - Saudosos Velhos Amigos e Outras Crônicas: memoriasdeisolamento@gmail.com

Nenhum comentário: