Domingo passado tive de dar um pulo no
PA hospitalar, nada demais, coisa trivial. Na indefectível espera, economizando
bateria de celular, observava. A porta que abre, a porta que fecha e o gentil
recepcionista que oferece a cadeira de rodas para os que têm problemas e as recolhe
dos que já lhe fizeram uso. Da cadeira à recepção, o papelzinho do protocolo
(que alguém abasteceu na máquina), mais a espera até a triagem necessária, a
mocinha atendendo com perguntas, tomada de pressão, oxigenação, temperatura,
que venha o próximo. Finalmente, a espera da consulta, um casal de idosos se
amparando, outro mais novo se deleitando na rede social, e outros que se
pudessem estariam embalados por Morfeu em outras redes, dos bons devaneios. Veio
meu atendimento, depois de outro e antes de mais outro (e de outro que se lhe
seguiu). Processo reverso, a baixa na recepção, o adeus ao homem das cadeiras
de rodas, home sweet home.
Por
trás daquele pessoal na vanguarda do atendimento há funcionários da limpeza e
da assepsia, de arrumação, e nos quartos lá em cima trabalho dobrado, nos casos
de internação, sem falar nos aposentos das UTIs e na roda-viva do setor que
cuida da pandemia, com pessoal e cuidados triplicados. A cada canto arredondado
do piso do chão junto à parede, o que não se vê e talvez nem se imagine.
Há o
pessoal de cirurgia, clínicos, os de laboratório e farmácia, os motoristas e
seus assistentes de viagens; há um grande número de enfermeiras e enfermeiros
que fizeram da luta profissão, servindo aos pacientes com abnegação e carinho,
suportando o pior quase sempre com um sorriso (ou não, lembrando Chico: “se uma
nunca tem sorriso / é pra melhor se reservar / e diz que espera o paraíso / e a
hora de desabafar”. É a imensa malha da saúde a trabalhar pelos cidadãos -
melhor chamá-la de rede mesmo, pela extensão e organicidade. Não se pode
esquecer do galo de Tecendo a Manhã, do João Cabral: “ele precisará
sempre de outros galos. De um que apanhe o grito que um galo antes / e o lance
a outro / e de outros galos / que com muitos outros galos se cruzem / (...) /
para que a manhã / desde uma teia tênue /se vá tecendo (...) / E se encorpando
em tela / entre todos / se erguendo em tela, onde entrem todos / se
entretendendo para todos / no toldo (a manhã) / que plana livre de armação”.
Outro universo, agora estamos em uma escola. As
recepcionistas atendem as crianças, medem-lhes a temperatura, dão instruções sobre
como se portarem, distanciamento, álcool em gel, máscaras, prestando máxima atenção
no uso desses protetores. Internamente, as carteiras da salas já promovem as
distâncias protocolares, inspetores observam e controlam. Para os que estão em
casa, em revezamento, técnicos preparam as câmeras que filmarão as aulas. Amanhã
troca de turma. Tudo funciona como um relógio para que as crianças e jovens não
se decepcionem e retomem seus estudos escolares com vigor e saúde, rumo ao
futuro.
Ambos os universos descritos acima, o da saúde, em pleno funcionamento
em alguns lugares, e o da educação, especialmente, são quase miragens. O mundo
da saúde que citei é uma exceção, há incontáveis cidades que sequer possuem uma
UBS, pessoas infectadas pela Covid-19 são colocadas em filas de espera por uma
vaga ou... Já o belo esquema escolar mal atingiria seu início, pois há
municípios e lugarejos onde sequer há luz, esgoto encanado, e a informática é
um sonho de uma dessas noites de verão. Talvez seja a realidade de vários
países europeus, mas não do nosso. Não sonhemos com os pés lá fora.
Mas como promover as tão desejadas melhoras na economia sem
libertar o povo da sombra do jugo do carrasco pandêmico? Sangrando os cofres
públicos para rápido consumo sem explicar claramente de onde virão os recursos,
em irresponsabilidade fiscal? Distribuir ao Zé Povino o suficiente para que uma
família deguste sua ração direto de uma panela com as mãos por alguns dias?
Quem sabe deixar de comprar satélites absolutamente fora de
prioridade e sem licitação, manter estrito rigor nas luxuosas compras da Forças
Armadas, evitar maiores gastos públicos além dos rigorosamente necessários? Por
que entronizar, em postos de comando como ministérios, oficiais de 4 estrelas
absolutamente sem conhecimento na área, como acontece na Saúde, atravancando
negociações externas e arrastando as internas seguindo birras políticas e
preferências ideológicas, com claro prejuízo à nação? Derruba-se as bolsas com interferência
direta na Petrobras, que, ao contrário do que parte da mídia propala, não é uma
estatal direta, como uma autarquia, e sim uma empresa de capital aberto, da
qual o governo é principal acionista – uma sociedade anônima. O mundo inteiro
investe – ou investia - ali, e a despeito de falhas graves em todos os governos
recentes, conseguia-se equilibrar as contas. Com as ações do mundo inteiro em frequente
alta – EUA (Nasdaq), Reino Unido (FTSE), e Japão (Nikkei), o Brasil joga
sozinho no vermelho, quase sempre. Certo, paliativos encobrem a incompetência
brasileira na questão pandêmica, mas são passageiros quanto um auxílio chinfrim
de duração como o amor de Vinicius: “que não seja imortal, posto que chama /
mas que seja infinito, enquanto dure”. E depois?
Jogos claramente de campanha, buscando favorecer eleitores caminhoneiros.
Aos outros, beneficiários de uma pequena mesada que mal lhes sacia a fome por
três meses, e a fundamental exibição de poder: “eu tenho a força”. Como sairemos
dessa?
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