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sexta-feira, 14 de maio de 2021

UM FURACÃO CHAMADO PAULO GUSTAVO

 


Confesso que antes pouco dele sabia, só que era da TV, do cinema, dos anúncios, e uma figuraça. Não dava para não rir com a Dona Hermínia, sua personagem mais conhecida, sátira às mulheres do gênero, ao seu estilo mais irreverente. Fazia um escrachado retrato da classe média, melhor comediante do que os talk-showmen da moda –poderíamos chamar, lembrando a vanguarda do cinema do fim dos anos 1950, de nouvelle humour. Tinha uma verve cênica personalíssima e uma presença impagável, um physique du rôle (o físico do papel, como se diz em teatro) que seduzia o Brasil além do cômico. Comecei a prestar mais atenção no Paulo, para mim alguém novo despontando nas ribaltas, enquanto ele já escalava o pico de uma bela carreira com perspectiva de ir muito mais longe: uma investida internacional já se lhe esboçava naturalmente. Mas quem era Paulo Gustavo?


Um niteroiense que logo, como tantos, atravessaria a Ponte para o Rio, ou, lembrando a música: “só mesmo vendo como é que dói / (...) trabalhar em Madureira, viajar na Cantareira e morar em Niterói”.  Pois logo aventurou-se em uma seara desafiadora, o monólogo, gênero em que o personagem deve interagir consigo mesmo, preenchendo a cena de per si, e superava-se. Assim foi com Minha Mãe é Uma Peça (2013), trocadilho bem carioca de peça, como sinônimo de “figura” e uma encenação teatral. Foi seu primeiro grande sucesso, que puxou um livro homônimo, e logo um filme e as versões 2 e 3 da “Mãe”. Em 2020 estreou 220 Volts, na TV Globo, em substituição ao programa Profissão Repórter. Crescia na plateia e nos bastidores ressuscitando um humor irreverente, sadio, algo como as chanchadas da Atlântida de Oscarito, Zé Trindade e Grande Otelo. Homérico era o pastiche da dona de casa com bobes no cabelo, as pernas longilíneas, atuação sempre espontânea e bem improvisada. Foi um ator de si próprio, e bem lhe cabia um predicado antigo: era uma pândega. E chegou a recordista de bilheteria do cinema brasileiro com Minha Mãe é Uma Peça 3: incríveis 11,5 milhões de pagantes!


Nascido Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros, manteve, sem artifícios, o duplo prenome, e, mesmo aspirando à fama, não buscou o modismo do falso charme diferenciador, ou a ajuda de algum numerólogo para ungir-se artisticamente Paullo, Gusttavo ou ambos. Gay assumidíssimo, encontrou sua cara metade no dermatologista Thales Bretas, formalizando a união em 2015. Sonhando uma vida de casal para chamar de sua, a dupla teve, por meio de barrigas de aluguel, dois lindos bebês, Gael e Romeu. Materializava-se ali o sonho da típica mãe de classe média suburbana brasileira, a incrível Dona Hermínia.


No dia 4 de maio, Paulo deixou público e família, caindo vitimado pela Covid-19 após longa e inglória batalha, abraçado simbolicamente a uma torcida em seu favor que impressionava não apenas pelos números, mas também pelas demonstrações de carinho. Em seu legado, além e acima de tudo, grandes surpresas, como um lado até então praticamente desconhecido: naquele mesmo dia, o Padre Júlio Lancelotti, conhecido por sua bandeira Pastoral do Povo da Rua, da Arquidioceses de SP, revelou que recebera de Paulo R$ 1,5 milhão para que fosse construído um hospital especializado no tratamento de câncer. Por tudo isso e muito mais, Paulo recebe e continuará angariando em retorno uma enorme admiração póstuma de fãs e personalidades brasileiras, torcida que continua a crescer em proporção impressionante. Sem os narizes torcidos dos homófobos de plantão, calados pela simpatia e carinho.

Copastar (divulgação)

O ator tinha dinheiro suficiente não apenas para doar – como fazia no anonimato - vultosas quantias de dinheiro a instituições beneméritas. Por isso, pôde internar-se para tratamento da doença no Hospital Copa Star. Recebeu o melhor em tudo, e até, última esperança, o chamado ECMO (sigla em inglês para Oxigenação por Membrana Extracorpórea), ou ‘respiração artificial’. Com o oxímetro em queda livre, o aparelho trabalhava diuturnamente na oxigenação sanguínea do ator. Mas não bastaram a melhor tecnologia, não foram suficientes as incontáveis preces, homenagens e mensagens nas redes sociais, e as declarações e juras eternas de seu companheiro Thales. Quis o destino levá-lo antes que fosse alçado a uma consagração ímpar, rara em nosso cenário artístico.



Um aspecto chama a atenção sobremaneira: Paulo e Thales, nascidos homens mas declaradamente bissexuais desde adolescentes, com seus lindos bebês a quem dedicavam carinho parental, ao menos não sofreram ataques dos carniceiros homófobos a querer-lhes os fígados ou dos que odeiam declaradamente aqueles que fazem uma opção diferente da sua, por motivo que não cabe aqui discutir para não cair no lugar comum. Nem os palavrões de praxe, as piadas, as ilações grosseiras sobre a intimidade do casal, a alcova. Pelo contrário, um desfile de celebridades mostrou simpatia irrestrita, de Ludmilla a Caetano, de Marcelo Adnet a Elza Soares. O país já vem se acostumando a uma realidade muito antiga, que agora ‘sai do armário’: gente famosa como Lulu Santos, Nanda Costa e Daniela Mercury, por exemplo, que assume suas relações afetivas tal qual casais héteros.  A questão que se coloca agora é a comoção causada pela partida do ator, sua generosidade como ser humano, o carinho demonstrado pelas pessoas e um afeto geral por sua mãe, consubstanciada na hilária Dona Hermínia, inspirada em Dona Déa, adorável caricatura brega das mães da classe média e média alta brasileiras, retrato das amadas mães de todos nós.

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