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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O CASO DO ESTRANHO ATENTADO A CRISTINA KIRCHNER

 


Segundo o The Guardian (2/09), filmes mostram um homem forçando passagem entre militantes e aproximando uma pistola contra o rosto de Cristina Fernández de Kirchner, vice e ex-presidente da Argentina. Jornalistas disseram que a arma apontada contra Kirchner não foi disparada, e ela teria se agachado. Por que este homem não a matou, tendo a posição, a arma com cinco balas no pente e a ocasião? Esta é a pergunta que intriga investigadores, alimenta especulações e controvérsias: ainda segundo o Guardian, o ministro da Segurança Aníbal Fernández disse que a pistola estava carregada, e “não disparou apesar de o gatilho ter sido puxado”. Há contradição entre testemunhas, jornalistas e o ministro, que tem fortes ligações com Kirchner.

Bersa .32/7,65 mm

A perícia dará a palavra final sobre controvérsias básicas, já que é estranho várias pessoas dizerem que a arma “sequer foi disparada”: resíduos de pólvora na mão do criminoso, na arma, marca na cápsula (ou não), munição tão velha que sequer machuca - o que definitivamente não foi o caso - ou que nem sai da cápsula, “bala podre”. As declarações do ministro Aníbal Fernández de que o gatilho chegou a ser puxado mas não houve disparo, e do presidente Alberto Fernández de que Kirchner sobreviveu “porque a pistola, carregada com cinco balas, não disparou” são plausíveis, mas há mais arestas e dissensões do que convergências.


(A esta altura, leitores aficionados de Sir Conan Doyle, autor de mais de 60 livros sobre Sherlock Holmes, e Agatha Christie, “A rainha do crime”, já estão elucubrando alguma charada macabra: Alberto, o presidente argentino, tem Fernández no sobrenome, assim como o ministro Aníbal e a própria Cristina Kirchner. Mas quem arriscaria um ‘elementar, meu caro Watson’, ou faria o jogo da culpa do  Assassinato no Expresso Oriente? Fernández é um sobrenome razoavelmente comum na Argentina, difícil extrair alguma coisa daí.)


Conforme o jornal El Clarín (2/09), o suspeito (N.: mais do que suspeito: foi preso em flagrante) se chama Fernando André Sabag Montiel, é brasileiro, tem 35 anos e uma passagem de pequena monta na Polícia; usa tatuagens com símbolos neonazistas, como o ‘sol negro’, e fazia referências a grupos extremistas nas redes sociais.

La Nación

Alguns militantes relataram ao jornal La Nación que “o gatilho não chegou a ser apertado, e nenhum tiro foi disparado”. Divergências cabais, já que outros disseram: “estávamos fazendo um cordão de isolamento, e de repente (...) o homem apertou o gatilho”. Logo surge a coloração política de filmes dos anos 1970: no dia 23 de agosto – pouco mais de uma semana antes -, a Promotoria argentina ingressou com um pedido de 12 anos de reclusão para a vice-presidente. Acusada de corrupção, Kirchner teria beneficiado empresários de Santa Cruz, seu reduto político, e interferido em contratações de altíssimos valores para grandes obras rodoviárias - segundo o Ministério Público, enquanto ela era presidente. Especulações passaram a se avolumar: logo depois do atentado, Kirchner, depondo à Justiça em seu apartamento, disse que não teria se agachado para esquivar-se de um possível tiro, mas para pegar um livro que estaria autografando e caíra, e que soube da pistola somente após ser escoltada para fora da confusão.

Naidenoff

A Folha deu espaço ao senador Luis Naidenoff, do partido de oposição de extrema-direita Unión Cívica Radical, que declarou que o assunto diz respeito apenas à Argentina, mas acrescentou que “o silêncio público de Bolsonaro é lamentável” (no dia seguinte, o presidente disse: “Mandei notinha. Lamento”). Naidenoff insistiu que o caso não tem nada a ver com o que ele chamou bolsonarismo. E mais: “Sabemos que Bolsonaro vem fazendo declarações contra o peronismo” (obs.: movimento do partido Justicialista, fundado por Juan Domingo Perón); “mas daí a associar as atitudes do agressor ao bolsonarismo é precipitado e raso”. Menos esclarecimentos, mais lenha na fogueira das especulações, porém dados novos poderão surgir. Naidenoff e outros dirigentes oposicionistas condenaram o atentado, e reprovaram o fato de o presidente Fernández decretar feriado na sexta, dia 2, convocando seus apoiadores para manifestações nas vias portenhas.


Brenda Uliarte

A luz sobre o crime tão somente no que tange ao atentado em si parece agora depender da perícia em dois pontos aparentemente simples, já que o criminoso recusou-se a depor à juíza corregedora de Comodoro Py, María Eugenia Capuchetti. Fatos nebulosos,  eventuais subterrâneos e possíveis ligações perigosas do rapaz e suas conexões neonazistas e afins, se não surgirem elos robustos, cairão na vala comum das teorias conspiratórias. Brenda, namorada do criminoso, garante que ambos não são nazistas - mas o romance tem apenas um mês! (Brenda foi presa em 4/07). É claro que, de uma forma ou de outra, sem ter havido motivação clara – o rapaz pode ser um psicótico -, surgem ilações políticas pelos motivos e repercussão, ambos terrenos férteis para explorações, em momento politicamente delicado.


Rua Tonelero, Copacabana, Rio, 5/08/1954: Carlos Lacerda, inimigo visceral de Getúlio Vargas, foi ferido em um atentado em que morreu o major Rubem Vaz. Foi incriminado o chefe da Segurança de Getúlio, Gregório Fortunato – uma deixa para Lacerda acusar o presidente de ter urdido a trama para matá-lo. O então presidente suicidou-se 19 dias depois. Como no caso Lacerda, o affaire Kirchner é embalado em névoas, suspeitas e contradições, entre ficto e fato. Resta esperar.

 

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

AS CARTAS NÃO MENTEM, JAMAIS

 

A carta de Caminha

Na história do Brasil
, cartas têm registrado momentos da maior importância. Desde a de Pero Vaz de Caminha, primeira delas e marco da chegada portuguesa com impressões que ele não sabia se de uma simples ilha. Gaspar de Lemos zarpou rumo a Portugal, no dia 1º de maio de 1500, para entrega-la ao rei D. Manuel I: “Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho (...) Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal”. 1º de maio de 1943: inspirado na Carta del Lavoro (1927) de Mussolini, Getúlio Vargas baixou o decreto-lei nº 5.452, da nova legislação trabalhista brasileira, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que após talhos e retalhos deu garantias básicas ao trabalhador - ou ao menos aos que lograrem ter seu registro efetuado.


Porém, outra carta
, de 23/08/1954, daqui a poucos dias, completará 68 anos, o marco histórico final do nome de Getúlio: sua Carta-testamento, que falava das “forças e interesses contra o povo”, encerrando-a com o histórico “dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. Matou-se logo depois com um tiro no peito. Foi uma carta sem destinatário outro que não os anais históricos, simbólica como a perfuração do projétil que manchou de sangue o bolso do paletó de listras de seu pijama. (Com seu estilo próprio, reservando-se uma vida de bon-vivant boêmio, Villa-Lobos, um dos maiores compositores de nossa história, vaidosamente declarou suas obras “cartas que escrevi para a posteridade, sem esperar resposta” – frase gravada na lápide da sepultura onde jaz, até hoje, no Cemitério São João Batista do Rio de Janeiro. Buscou, com aquela frase, que sua obra o levasse à imortalidade. Triunfou, mas não como já é comum nos dias de hoje com artistas de teatro e músicos ingressando na Academia Brasileira de Letras, mas criando ele próprio a Academia Brasileira de Música – tendo como modelos a Academia Francesa, fundada em 1635, da qual ele próprio foi integrante, e a própria ABL, de 1896.)

Colonos alemães no Rio

Entre 1852 e 1853, foram publicadas no Günther Fröbel germânico cartas de alemães que vieram trabalhar nas fazendas de café do Rio de Janeiro, incentivando a emigração para a dura labuta na colheita em sistema de coparticipação, substituindo o trabalho escravo que já não rendia, ante sua inevitável abolição, em 1888. E o faziam liderados até por grandes latifundiários e políticos, como o Senador Vergueiro, da fazenda Ibicaba. Três décadas após a Independência e 35 antes da Lei Áurea, o sistema caiu no desagrado dos europeus. Cinco anos depois, a Prússia tornaria crime as publicações e a intermediação de emigrantes para o Brasil. Embora pouco divulgadas, as ações de colonos alemães e suíços no país mostravam a urgente necessidade de reorganização do Estado brasileiro.


Assinada pelos barões ingleses e o rei John
, a Carta Magna (do latim magna charta, Grande Carta), do princípio do século 13, estabelecia os pilares do constitucionalismo. A primeira versão em solo brasileiro veio apenas em 1548, pelo Governador-Geral, seguindo-se a Luso-Brasileira de 1822, que não vingou, a de 1824 e, finalmente, a de 1891, já na República. A de 1934 foi promulgada pelo Congresso a fim de acabar com o poder getulista de governar sozinho por decretos e decretos-leis. Vieram as de 1937 e 1946, até que, já dentro da ditadura de 64, com a oposição isolada pelo AI-4, um Congresso manietado pela ditadura elaborou a de 1967, que prenunciava o AI-5, para concentrar mais ainda o poder nas mãos dos ditadores, e cujos preceitos por eles ditos constitucionais duraram quase duas décadas (o texto foi revisado em 1969).

Celebração da Constituinte de 1988

Finalmente, após muita luta e encerrando o Estado de exceção, a chamada Constituição Cidadã de 1988 estabeleceu os reais princípios do Estado Democrático de Direito: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Art. 1º, parágrafo único). Foi em defesa deste histórico documento que, no dia 11 de agosto de 2022, movimentos de professores, estudantes, empresários, trabalhadores, intelectuais e artistas em 25 universidades e 65 municípios, incluindo todas as capitais, aglutinaram milhares de pessoas nas ruas, reverberando as manifestações da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP, cuja Carta às Brasileiras e Brasileiros ainda naquele mesmo dia completou 1 milhão de assinaturas. Foi muito além da defesa intransigente das urnas eletrônicas, uma das grandes conquistas brasileiras!


(Em 1977, o ilustre professor Goffredo da Silva Telles, no “território livre” das arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - para acomodar toda aquela gente -, dirigiu-se ao púlpito para a leitura da Carta aos Brasileiros. Enquanto Goffredo subia à tribuna, conversas e burburinhos se calaram. As 14 páginas foram ouvidas sob tensão, pois ainda vivíamos sob um regime de força, enquanto o orador clamava “contra a opressão de todas as ditaduras”. Em nome dos juristas, advogados e estudantes presentes, exclamou “A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o Estado de Direito, já!”)

Defender a nossa Carta, com C maiúsculo, é dever de todos os brasileiros. Juntos, caberá repetirmos as palavras finais do documento da USP e torná-las nossa bandeira, junto ao auriverde pendão da esperança: “...em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!!!!”



 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

SOBRE O BRASIL E A ARGENTINA

 


A
Argentina é um país amigo que apesar das diferenças culturais tem em comum conosco a bagagem latina. Algumas diferenças: dominada pelos espanhóis, a Argentina proclamou sua independência em 9 de julho de 1816. O Brasil, “descoberto” e colonizado pelos portugueses, tornou-se independente seis anos depois, em 7 de setembro de 1822. A Argentina é um vasto país: 2.800 mil km² (8º maior do mundo), quase 33% de nosso território, 8.510 mil km² (5º).


D
emograficamente, não se repete tal proporcionalidade: com quase 212 milhões de habitantes, o Brasil tem 4,86 vezes a população do país vizinho, de 43,6 milhões. Na música, porém, somos bem chegados: o imponente teatro Colón (1908), de Buenos Aires, Meca da ópera na América Latina que passou a receber as grandes companhias, inspirou a ideia de fundação dos teatros Municipal do Rio (1909) e de São Paulo (1911). Aqui é terra de Villa-Lobos e Guarnieri, lá, de Maurício Kagel e Ginastera; esbarrando nas tênues fronteiras entre o clássico e o popular, cá temos Jobim, eles Piazzolla. E se exaltamos o samba e a bossa nova, lá eles desfrutam do maravilhoso tango. Cá se toca violão e sanfona, lá violino e bandoneón. Enquanto falamos e escrevemos em português, entre eles é o espanhol, belo idioma, tão similar!


O
futebol é paixão nos dois países! A seleção argentina levou duas copas do mundo (1978 e 1986), aqui colecionamos cinco (58, 62, 70, 94 e 2002), longe de uma equivalência em termos populacionais. Em ídolos somos parceiros: Pelé (80 anos), o mestre perfeccionista, vigoroso e temido pelos adversários, e o mago Diego Maradona, um artista simplesmente  venerado, um ícone de sua terra, para tristeza do povo falecido em 2020 aos 60 de idade. Ambos célebres por escreverem a história do futebol recente com gols, dribles e lances homéricos.


C
ontudo, há um viés belicista que frequentemente extrapola todos os limites do razoável, tanto entre brasileiros e argentinos quanto entre estes e uruguaios, uma rivalidade ferrenha que se pode creditar ao passado histórico, desde as guerras do Prata e da Cisplatina (1825-1828), quando da disputa territorial entre o Brasil e a Argentina envolvendo a província onde hoje fica a República do Uruguai.


H
á uns 20 anos, fui participar de um debate na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), em São Leopoldo, RS. Logo no princípio da conversa reparei que na plateia um grupo menor sentava-se isolado em uma área à esquerda. No intervalo, indaguei a um colega debatedor, que me explicou: meio à parte, sentavam-se os uruguaios. À direita, a partir do meio para cima, os argentinos, e, na frente, um bom número de brasileiros. Assaltou-me uma sensação desconfortante. Ora, éramos todos músicos, e naquela mesa eu me sentia à vontade com um uruguaio, um argentino e talvez outro brasileiro.


T
erminadas nossas exposições, fomos levados a uma bela churrascaria. Lá chegando, sentei-me à mesa onde já estavam alguns uruguaios. O papo começou bem, à nossa frente uma imensa ‘costela no bafo’ - à argentina, aliás -, assando bem ali no chão para nos provocar, até que entra um grupo maior, com certa euforia. Da cadeira do lado, meu vizinho uruguaio perguntou:
¿son los argentinos? Respondi que sim, e no ato, após trocarem poucas palavras entre si, retiraram-se. Até em nosso meio musical essa rixa transparece, especialmente em ‘ringue’ livre, o trabalho, e aqui, mesmo entre os residentes e os naturalizados.


V
oltando à Argentina, temos muito em comum: ambos sobrevivemos a violentas ditaduras durante longos períodos (10 anos, eles, e 21, nós) - tortura, mortes, censura e até ‘acordos’ entre as repressões dos dois países, tristes laços que 'desapareceram' de um hotel até com nosso pianista Tenório Jr. No passado, ambos tivemos líderes populistas com um pé no fascismo mussolinista, Perón e Getúlio.


E
m 2020, na saúde, o presidente argentino Alberto Fernández anunciou que na terça-feira, dia 5 de janeiro de 2021, daria início à vacinação em massa com a Sputnik-V russa contra a Covid-19. O Brasil ainda claudica, entre o negacionismo e a inércia, deixando o povo mercê de uma nova e imprevisível onda da doença. Enquanto isso, o Senado argentino – sem entrar em discussões ideológicas ou de credo – aprovou, por 38 contra 29 votos e uma abstenção, o aborto espontâneo até a 14ª semana de gravidez.


R
acismo e Xenofobia andam de braços dados, preconceitos que têm como mote a ideia de supremacia e superioridade de uma raça ou país sobre outro (entre regiões atende nos dicionários pelo nome de regionalismo). São eles os instigadores do ódio, das guerras, das violações aos direitos dos cidadãos e obstáculos ao diálogo pelas conquistas sociais entre países, regiões e cidades. Surgem como muralhas de preconceitos entre Sul e Nordeste, brancos e pretos, cariocas e paulistas ou mesmo uma cidade e outra - genericamente, todos os que se considera fora do seu time.


T
emos o que admirar nos argentinos, pois se em várias coisas os superamos, em outras por eles somos superados - trata-se de nobreza de hermanos vecinos estendermo-nos as mãos. Afinal, há que se reconhecer que em 1936 a Argentina já havia recebido o Nobel da Paz, com Saavedra, enquanto o de 1970 foi desviado de Dom Hélder Câmara por uma guerra de informações tendenciosas e falseadas do presidente Médici com seus diplomatas em Oslo e Paris. A Argentina voltou ao Nobel da paz com Esquivel em 1980. Salve, latinos! Como tal, devemos nos orgulhar também de Jorge Mario Bergoglio – Francisco, o Papa – um líder sábio, pluralista, generoso e à frente de seu tempo.