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sexta-feira, 22 de maio de 2020

O PÓS-GUERRA, A PANDEMIA,


O TEATRO DO ABSURDO E NOSSAS DÚVIDAS

O mundo tem altos e baixos, disse Cartola com uma pitada de maldição à mulher que o abandonara: “...o mundo é um moinho / vai triturar seus sonhos, tão mesquinho / vai reduzir as ilusões a pó”. Quantas fantasias acontecem entre os vaivéns e as moendas da vida!
O pêndulo do transtorno de bipolaridade oscila entre a euforia - ou mania - e a depressão; outras pessoas, doentes do tipo unipolar, lutam para emergir das profundezas – quando não exibem socialmente uma falsa alegria, o que vem a dar no mesmo. A cumplicidade entre a psicanálise e a filosofia, no caso, é entre irmãs: a última vê ali o niilismo (de nihil, nada, em latim), a negação. O existencialismo simplifica: “sou para não deixar de existir”, disse Sartre; Schopenhauer usa as lentes do pessimismo e Franz Kafka as do absurdo: em “Metamorfose”, seu personagem deteriorou-se até se transformar em uma repugnante barata.

1945. Fim da II Guerra, negação e angústia tomaram conta do mundo, como um longo “blues period”, depressão pós-parto. A arte perdera a fé na condição humana, predominava um pensamento que flertava com o vazio, entre ‘o ser e o nada’ de Sartre. Embalada na psicanálise e na filosofia, à arte coube a missão de representar o vácuo que tomou conta do mundo.
O Balcão de Victor García
Sartre admirava um autor, nascido de uma prostituta e preso quando adolescente: Jean Genet, cujas peças um dia viriam a torná-lo um ícone da intelectualidade. O Brasil pôde assistir, nos anos 1970 – “meninos, eu vi”! - à montagem de seu “O Balcão” pelo argentino Victor Garcia,  cujo cenário era uma gigantesca espiral metálica, um bordel em móbile onde os personagens assumiam seus papeis copulando com  as prostitutas nas personas em que gostariam de ser vistos pela sociedade: general, bispo, juiz; era a transfiguração do personagem em sua fantasia sócio-sexual - o próprio Genet assumiu-se marginal e homossexual porque era através dessa ótica conservadora que a sociedade o via.
Vladimir e Estragon
Mestre do absurdo foi o irlandês Samuel Becket, de “Esperando Godot” (de God, ou Gott ), em que os personagens Vladimir e Estragon aguardam a chegada de alguém que nunca virá - a negação de Deus. Dürrenmatt, em sua “A Pane”, fala do viajante cujo automóvel enguiça na estrada (daí o título). Perto dali, um juiz aposentado oferece ajuda e o hospeda em sua casa. Os que lá estavam assumem seus papeis num absurdo tribunal em que o visitante se torna réu. Condenado em um julgamento vivido como ‘real’ sob enorme pressão, o hóspede termina por suicidar-se.
[No filme “A noite dos desesperados”, de Sidney Pollack,1969, um casal participa de uma interminável maratona de dança até que, exaurida, a mulher (Jane Fonda) pede ao seu par que a mate, e ele o faz. À polícia, declara: They shoot horses, don’t they?, título do filme em inglês - “Eles matam cavalos, não matam?”. O fato teria acontecido em 1919, em plena depressão econômica e pós-gripe espanhola].



O espanhol Fernando Arrabal tem em sua “Fando e Lis” não uma história de amor, apenas conflitos, violência, disputas vãs e insanas. Lis, paraplégica, é conduzida por Fando em sua cadeira rumo a Tor, onde nunca chegam: um duro humor negro. A representação depende, além do talento dos artistas, na maior parte de seu autoconhecimento e dos personagens, seus conflitos pessoais e a busca da felicidade - que não sabem onde está, se no mundo ou no interior de cada um.
Eugène Ionesco, franco-romeno precursor do teatro do absurdo com “A cantora careca” faz um exercício sobre a impossibilidade de comunicação entre as pessoas. Homem e mulher com o mesmo sobrenome discutem sobre a morte, a vida e filhos - até descobrirem que são casados. Real e falso se anulam, tanto um como outro são verdadeiros. O fio condutor da peça é o desnudar da comunicação humana em diálogos sem sentido, fúteis, ambíguos.
O italiano Luigi Pirandello investe na ambiguidade em sua ” (Assim é, se lhe parece ). E subverte o velho conceito de teatro, em “Seis personagens à procura de autor”, quando esses surgem com vida própria, junto a um grupo de atores, situação absurda tal que, ao final da estreia, ouvia-se pessoas gritando “manicômio”, “louco”, tamanha a perturbação que a peça lhes despertou.
Estamos em conflito mundial contra um poderoso inimigo que, diferentemente da II Guerra, por sua natureza tenta abater não uma parte, mas a humanidade inteira. A economia mundial naufraga, como no pós-guerra, e há um oceano de conflitos de ordem social, filosófica e política (há até o niilista moderno e o ignorante negacionista!). Alguns até não escondem sua falta de compaixão pelos mortos, doentes e futuras vítimas. Morrer? “Não lhe custa nada, só lhe custa a vida”, aproveito Gilberto Gil.
Os conflitos psicológicos de hoje tiveram início no ódio de um segmento fanático contra as defesas de outro, que em sua maioria depois se confinaram. Mas, após domada a besta, voltaremos ao ‘normal’? Viveremos os raros altos e muitos baixos do moinho ou serão por ele moídos nossos pessimismos e negações, até percebermos a metamorfose? Será a sociedade nessa ressaca viral um balcão que nos obrigará a assumir as máscaras que quiser nos impor? Seremos personagens à procura de um líder que nos guie rumo ao futuro ou um Godot que nos salve, mas que nunca chega? Continuaremos em conflito e perdidos rumo a Tor, um estranho caminho para Santiago de Compostela que não existe? Teremos de ressurgir do que nos sobrou e para a sociedade mostrar-nos como lhe parecemos?
(Visite e inscreva-se em meu canal: www.youtube.com/user/autrandourado )

sábado, 7 de janeiro de 2017

2017: ESPERANDO GODOT?

Esperando Godot é uma peça teatral da autoria de um irlandês que viveu na França, Samuel Beckett (1906-1989). Escrita entre o final de 1948 e o início de 1949, originalmente em francês (En attendent Godot) e traduzida para o inglês por ele mesmo (Waiting for Godot), pode ser encenada em um palco quase vazio, despojado, o que colabora para compor o clima da situação de angústia em que vivem os personagens principais, Vladimir e Estragon. A obra já foi estudada sob os mais diversos ângulos e disciplinas; Beckett adentrava firme no chamado Teatro do Absurdo, envolvido nas ideias do francês Albert Camus. Em pesquisa realizada pelo Teatro Nacional Real Britânico em 1990, Esperando Godot foi considerada a peça mais importante do século 20 escrita em língua inglesa. Para o mundo todo, Godot deixou uma grande interrogação, um misto de apatia, desesperança e desejo de que alguém surja do nada para resolver todos os problemas. Mas seria realmente esse o desejo?

Samuel Beckett
Sobre a peça, há analises existencialistas, freudianas, junguianas, sociopolíticas e religiosas dos mais variados matizes e origens. Mas à trama: os personagens Vladimir e Estragon ficam esperando por Godot, que simplesmente nunca aparece, e fica óbvia a associação do nome com God, Deus, em inglês, ou Gott, em alemão. E essa espera por alguém que nunca chega nem chegará torna bastante visível a perturbação e o conflito do autor sobre Deus, sua existência ou não e a apatia de Becket em relação a crer na existência do Pai. Certa vez, perguntado sobre se seria cristão, judeu ou ateu, Beckett simplesmente respondeu que nenhum dos três. Transparece então a dúvida de uma luta intelectual-espiritual do autor consigo mesmo, em sintonia com o grande autor e pensador francês Albert Camus (1913-1960), da filosofia chamada absurdismo.

Do Teatro do Absurdo também surgiram nomes que fizeram uma época, como Arrabal, Genet, Albee e Ionesco, autores de um rol de peças que contaminou intelectuais e a juventude de várias gerações, que pararam naquela ‘pergunta sem resposta’, para tomar emprestado o título de uma música de Charles Ives, “Unanswered question”.

Esperando Godot é quase um subtítulo para este artigo que escrevo, mas vestiu como uma luva para o principal: o novo ano, 2017. E onde os dois – Godot e 2017 - se encontram, perguntaria o leitor? Entre as quase duas partes da enorme fenda que hoje divide o país – “eu e minha turma, meu partido, somos contra tudo da outra parte, só nós estamos certos”, e vice-versa, criando um vácuo onde residem os sem-ideologia, os sem-esperança.

Esses são os que não se encaixaram nos estereótipos que moldaram a fogo as opiniões de um número grande de pessoas, hoje em uma espécie de estado melancólico e maníaco-depressivo coletivo, vencidos pela apatia e falta de horizontes. Porque simplesmente não querem enxergar e trabalhar por mudanças. São os que esperam um Godot, mas, como na peça, acham que ele nunca virá. São milhões encarnados em Vladimires e Estragons, esmagados entre as duas correntes majoritárias, “a nossa” e “a deles”, com conceitos pré-moldados principalmente nas redes sociais da Internet.

Deus (detalhe). Michellangelo
Se Godot é inalcançável, porque não palpável, não é visível, como esperavam Vladimir e Estragon, assim é Deus, que é Quem está em toda parte, e sempre esteve, porquanto não precisa “vir”, pois já está. Talvez aí se encaixe essa grande parte da população que, observada sob a ótica da fé, seria formada por agnósticos, ateus, ou mesmo os que não querem nem saber de nada, os conformistas.

Bertold Brecht
Pois 2017 se descortina como um grande desafio, e isso vale para todas as esferas, seja no Governo Federal, Estadual ou Municipal e na vida de todos os cidadãos brasileiros. Se você não espera nada, então se recolha, volte-se para dentro de seu casulo e não contamine os demais. E tenha cuidado para não se tornar mais um “analfabeto político” texto atribuído ao alemão Bertold Brecht, também teatrólogo: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais” (© 1950, mas parece escrito sob medida para os nossos tempos).

E para os que estão cegos de espírito, em dúvida ou conflito de fé ou esperança, para os pessimistas por natureza (mesmo sem nunca terem lido sobre a filosofia do pessimismo de Schopenhauer, um dos homens mais influentes dos séculos 19 e 20), lembro os singelos versos do Chico, em Gente Humilde, que contém uma simples mas bela pérola de confissão de apelo de fé quando as saídas parecem difíceis: “e eu que não creio / peço a Deus por minha gente / a gente humilde / que vontade de chorar”. “Eu que não creio peço a Deus” é uma descrição perfeita àquelas situações em que todos têm de se apegar em algo, algum tipo de esperança. Para esses da “fenda do meio”, é o momento exato. Apeguem-se, pois, e rumem para ajudar, e não destruir o que eventualmente for bom.

Paz e trabalho para um 2017 bem melhor. Só há saídas, houve apenas uma entrada.