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sábado, 26 de janeiro de 2013

UNIVERSIDADE: TÚMULO DA MÚSICA? (1)



Vinicius e Toquinho
O título acima tomei emprestado de uma frase infeliz dita em tom de brincadeira em um bar carioca pelo poeta Vinicius de Moraes – frase pela qual ele pagou até o resto da vida: “São Paulo é o túmulo do samba”.
Vista aérea: Campus da USP - foto divulgação
 Quando ingressei na USP como docente da área de música, ouvi de um colega da área teórica que “instrumento é para conservatório, universidade é para musicólogos e pesquisadores”. Isso foi em 1988. Hoje percebo que, apesar de um certo sabor de veneno da frase boas-vindas que ouvi logo na chegada, agora vista por outro ângulo a ideia passou a fazer outro sentido para mim (estando em afastamento, permito-me algumas reflexões sobre o assunto, e, como diriam os filósofos da ciência, o distanciamento é crítico).
Logo no primeiro semestre, tive que reprovar um aluno, não havia como aprová-lo mediante suas condições técnicas. Daí, logo de início, duas conclusões: primeiro, a aprovação via vestibular junto com outras carreiras deixava frequentemente escapar os bons instrumentistas para, somando todas as notas do vestibular, aprovar os que obtiveram melhor classificação em conhecimentos gerais, português, etc. – e não necessariamente em música. Segunda constatação: as disciplinas ímpares, segundo o “sistema” (ah, sempre ele!!!) só são oferecidas nos semestres ímpares – portanto, o aluno ficou sem repetir a matéria em que eu o reprovei, para só cursá-la no ano, e não no semestre seguinte. Voltou um ano depois, claro, com mais deficiências do que antes. Quando um aluno de medicina ou engenharia começa o curso, ele não conhece nada, em termos acadêmicos, do que vai estudar nos anos faculdade. Em música, ao contrário, é preciso que ele venha de uns bons anos de preparação, ao menos: a universidade seria um espaço de aprimoramento. Para completar, as exigências atuais pra ingresso como professor  - título de doutor -  já afastariam, desde já e de cara, dos concursos públicos, "candidatos" como Nelson Freire, Cristina Ortiz, Antonio Meneses, Emmanuele Baldini, Claudio Cruz, Luís Garcia e Fabio Zanon - este último professor da Royal Academy of Music, por ironia. 
A faculdade particular encontra outros problemas, a começar pelo preço: existe a aula individual de instrumento, que tem custo muito alto, muito caro, o que arrasta a contabilidade do curso inteiro para o vermelho. Daí surgem os quebra-galhos: o aluno estuda teoria na faculdade e paga seu professor “por fora”, pesando no bolso e impedindo que classes menos abastadas frequentem seus cursos de música. Mais ainda, o MEC (um dos modelos nacionais da máquina burocrática) exige uma grade segundo seu modelo para aprovar um curso. Nessa grade, “Instrumento I” está em um lugar no quadro geral, e todos fingem que entendem – parece a fábula O Rei Está Nu – que os alunos de todos os instrumentos estudam em um mesmo horário semanal, o que é simplesmente impossível. Senti coisas como essas na carne porque criei e dirigi um curso de música em uma faculdade de São Paulo. Onde há curso superior de música, ele será deficitário, pois a hora do professor de instrumento ou voz é muito mais cara do que a dos demais docentes. São esses últimos que bancam o déficit financeiro puxado pela música. Fora isso, a hora do professor de direito comporta mais de 40 alunos. A aula individual de música é para apenas 1 aluno, ou seja, custa 40 vezes mais do que em outras áreas.
Nos EUA – falo por experiência própria - o aluno entra no curso superior de música porque é bom músico, está preparado, o “vestibular” se faz tocando. As demais disciplinas, teóricas e acadêmicas, ah, o aluno que se vire para acompanhar. Ou seja, só entra a nata dos instrumentistas. Acontece na Juilliard e na Manhattan School de NY, na New England, de Boston, no Curtis, da Philadelphia, e por aí vai. E ainda há uma competição desenfreada entre os alunos, porque o caminho do músico não conhece atalhos, só muita disputa e suadas recompensas.
Campus da Harvard University
Já tive neste espaço oportunidade de replicar uma história que o educador e economista Claudio Moura Castro publicou, em 2005, nas páginas amarelas da Veja (16 de fevereiro), na verdade uma deliciosa alegoria, chamada “Harvard foi Parar no Irajá” (brincando com a peça de teatro de Fernando Mello estreada em 1973, cujo título era “Greta Garbo, Quem Diria, foi Parar no Irajá”). Conta Moura Castro que Larry Summers, o Presidente da venerável Harvard University, veio ao Brasil assistir ao desfile de escolas de samba a ficou tão apaixonado que comprou casa em Nilópolis e até iria sair na Beija-Flor. Gastou centenas de milhões de dólares com estrutura e professores e lá, no Irajá, montou sua primeira filial fora dos EUA. Maravilha!!!
Depois de esmiuçar o funcionamento da Harvard – como, por exemplo, a liberdade de se criar e extinguir cursos e disciplinas de acordo com a conveniência da universidade -, Castro faz um termo de comparação com nossas faculdades travadas pelos grilhões da burocracia. Em Harvard, o Presidente emite o diploma do aluno, não há por que passar à aprovação de um MEC. E é um certificado com duas assinaturas que garante emprego em qualquer lugar do mundo. Mas voltando à “Nova Harvard” de Irajá, não demorou muito e chegou uma comissão do MEC. Logo, recebeu um parecer de nossos doutos avaliadores do MEC e, pobre Harvard tupiniquim, nem no Irajá ficou: ironiza Castro que o Ministério mandou fechá-la por falta de compatibilidade com o nosso abençoado “sistema educacional”. Logo após, segundo Castro, Mr. Larry Summers teria recebido convite de 189 países para abrigar sua “Nova Harvard”. (Leia a parte II na semana que vem)

10 comentários:

  1. Eu não tive como segurar meu grito indignado de "PQP"!!!

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  2. Excelente texto Professor! Concordo muito contigo. Sempre pensei desta forma, pois fui "vítima" desse sistema educacional "abrasileirado" e vivi isso na pele. Tive que lutar muito para conseguir pagar aulas particulares de Violino e muito novo comecei a trabalhar como professor no Polo de Tatuí, com meu salário me sustentava e pagava meus estudos musicais.
    Tive alguns amigos que tinham uma situação financeira melhor desde criança, então pode pagar aulas para estudar e hoje estão trabalhando nos grandes centos musicais da Europa.


    Abraços!

    Anderson Castaldi

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  3. E minha vontade de ir embora só aumenta...

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  4. Vamos deixar o MEC(ismo) fora do Conservatório de Tatuí. Não vamos deixar que os burocratas da música venham ofuscar o brilho desta joia artística. É preciso ficar atento porque eles agem nas sombras da arte. Obrigado,

    Manoel Marques

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  5. É isso, Manoel, fugimos dele como o diabo da cruz. E poderemos ter nosso curso superior sem eles para atrapalhar. É seguirmos na linha de pensamento que estamos conduzindo para chegarmos lá.

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  6. Olá, Professor Henrique, como estás? Estudei na Escola Municipal de Música, com o saudoso Sandor Molnar Jr, na época sob sua administração. É de uma tristeza profunda o que "fazem" com o ensino de música aqui no país. Obrigado por ter postado. Foi de grande valia para mim. Grande abraço, mestre.

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  7. Olá, parabéns pelo seu texto e é um alívio saber que ainda existem músicos que pensam assim!

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  8. Parabéns Henrique!

    Infelizmente é assim que as coisas andam aqui e só pioram.
    Uma vez perguntei para o Antonio Menezes sobre a prova para se tornar professor em Basel e ele me disse que só teve que tocar, mais nada...
    As universidades aqui no Brasil estão se enchendo de doutores e mestres que nunca deram aula, nunca tocaram em uma orquestra profissional, nunca formaram um aluno sequer e alguns mal fizeram um recital na vida!
    Ridículo!
    Abraço

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