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sábado, 2 de fevereiro de 2013

SANTA MARIA, MÃE DE DEUS!

Teatro Procópio Ferreira

Quando cheguei em Tatuí, há cinco anos, uma das primeiras coisas que fizemos foi dotar o Teatro Procópio Ferreira de todas as necessidades relativas à segurança: porta de “pânico” do saguão para a rua (acionada por barra horizontal com passagem para muitas pessoas de uma vez), as quatro folhas das duas portas que dão para fora do auditório também dotadas do mesmo sistema, assim como as duas portas laterais, para uso em caso de emergência. Novos extintores, um hidrante de parede com um alarme de incêndio em cada um dos três andares, luzes de emergência, detectores de fumaça, filme explicativo projetado em telão antes dos eventos, tudo realizado em curto espaço de tempo. Houve também treinamento de pessoal para caso de acidentes: um ônibus levou uma caravana de 30 futuros brigadistas de incêndio para um curso com especialistas em Itapevi.

Spot de led
Depois, começamos a troca dos velhos spots com lâmpadas de cilindros de vidro. Eles raramente estouram, mas pode acontecer, e caem ainda incandescentes, partindo-se e trazendo perigo de cortes e queimaduras em músicos e primeiras filas da plateia. Os velhos spots estão sendo gradualmente substituídos por novos, de led, que projetam luz mais clara e com menor consumo, sem aquecimento e sem riscos. São precauções que nos deixam dormir tranquilos; têm custo alto, mas são primordiais, nada no mundo vale um acidente, nem todo o dinheiro do mundo paga uma vida.

Claro, estou falando da estúpida, insana e cruel tragédia que fez mais de 230 mortos e acima de uma centena de feridos na aprazível Santa Maria, RS, durante uma balada de jovens na madrugada de domingo, 27 de janeiro. A boate Kiss estava sem alvará, não tinha preparação alguma contra incêndio ou mesmo saídas de emergência e tampouco as autoridades se preocuparam com esse foco de encrencas que são eventos de multidões em recintos fechados. Pior: o isolamento acústico foi feito com material sintético de espuma inflamável (eu nem sou a favor da lã de vidro, prefiro a lã de rocha). Como se não bastasse, o sufocamento que matou essas mais de duas centenas de jovens poderia ter feito menos vítimas se os seguranças, no início do pânico, não tivessem tentado recolher as comandas – leia-se aqui o dinheiro, e entenda-se, cercando a saída do inferno sob ordens ou de “moto proprio”, tentando cobrar as despesas.

Boate Kiss, antes da tragédia 
Não vamos procurar um bode expiatório para despejar-lhe a culpa, todos são culpados. E chega de “vamos aguardar os laudos para afirmar...”, ladainha tão típica de autoridades ganhando tempo para arrumar explicações que não os comprometam politicamente. O que todos viram cruelmente nas TVs e jornais por si basta, cada que tire suas conclusões. Houve erros absurdos, omissão, negligência, descaso, imprudência, e fome de dinheiro – a casa tinha mil jovens, quando a lotação máxima era 600. Administração pública, proprietários, seguranças... Mas vamos ao estopim (literalmente) da tragédia, que me trouxe à luz uma reflexão sobre o momento cultural por que passamos. Um dos músicos, acostumado a efeitos de pirotecnia, estoura um sinalizador que emite fagulhas, como parte do show. Pois foi exatamente o que provocou o fogo, cuja fumaça tóxica tomou a vida de mais de 230 jovens, todos com um futuro pela frente, em uma cidade agradável com uma universidade federal de muito boa reputação, inclusive na música.

Mário Vargas Llosa
Mário Vargas Llosa, escritor, crítico, pensador e dramaturgo peruano premiadíssimo, acaba de publicar um novo livro, La Civilización Del Espetáculo (Ed. Alfaguara, Espanha, em vias de ser lançado no Brasil). Diz a sinopse: “A banalização das artes e da literatura, o triunfo do jornalismo (N. do A.: incluindo aí a TV) sensacionalista (...), a ideia temerária de converter em bem supremo nossa natural propensão à diversão”. Em entrevista a Laura Revuelta, do jornal ABC, de Madri, Llosa continua: “contentam-se com que a literatura cumpra uma função mais ou menos imediata, e seja uma literatura de consumo”. Trocando em miúdos: que não obrigue a pensar, não traga exigências para o público a não ser engolir sem precisar mastigar (e isso, claro, se aplica a todas as manifestações artísticas nesses tempos recentes). Adiante, Llosa deixa clara a omissão da classe intelectual, que passou a segundo plano.

Supershow
Abre-se espaço para o espetáculo, luzes, muitas luzes, volume altíssimo, grandes concentrações de pessoas, luxúria, espetáculo, espetáculo, espetáculo, não interessa quem são os artistas, o povo quer espetáculo. Daí, efeitos especiais, fogos e artefatos como o sinalizador que apontou àquela juventude sadia e alegre o caminho da morte. Não interessa se é Claudia Leitte, Ivete Sangalo, Michel Teló, se canta ou grita, se a música é ruim. O povo quer em primeiro lugar o “big show”. O espetáculo é o fim, o artista apenas o meio. Sem espetáculo a maioria desses artistas não se sustentam: que seria deles se usassem um violão, um piano, um pequeno “combo” para acompanhá-los? Sem esses monumentais aparatos que convidam o inconsciente coletivo a aflorar em orgias sensoriais e sensuais de pouquíssimo conteúdo? Nada. Apenas mulheres lindas, às vezes afinadas, cantores bocós, mas a música deles é de função imediata, como disse Llosa, e de muito pouco ou nenhum significado. Sem alma nenhuma, só foguetório.

Roda Viva, 1968
Chico Buarque, em sua peça teatral Roda Viva (1968), parece ter antevisto até onde chegaria a espetacularização (essa palavra vai pegar) da mídia: na cena, os ídolos eram devorados, e carne viva era mostrada para os espectadores para provocar repugnância. Só que a mídia de hoje tem mostrado isso, no episódio Santa Maria, e o povo, embasbacado, parece que tem algum desejo inconsciente de desfrutar dias inteiros dessa banalização da morbidez. É o show da vida!

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