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sábado, 9 de fevereiro de 2013


MACHADO DE ASSIS, O CONSERVATÓRIO E A ÓPERA DE SATANÁS I
Machado de Assis
Meu pai volta e meia dizia que se todo mundo lesse Machado de Assis menos mortes aconteceriam nas mesas de cirurgia, menos viadutos e prédios cairiam e menos burocracia teríamos no país. Ora, diria o leitor, por quê? Porque a escrita de Machado, a maneira de arquitetar os mínimos detalhes, de envolver quem lê, ensinando-o a participar de suas tramas e mistérios, exigem mais do que uma mera leitura de frases. Mesmo simples e direta, requer raciocínio e organização mental para compreender a ourivesaria do autor, e mesmo sob essa aparente simplicidade, por mais contraditório que possa parecer, não é  uma literatura para se engolir sem bem mastigar.
Kindle
Rever os clássicos é fundamental. Beber o que é de melhor na fonte, sair da rotina dos jornais, dos novos lançamentos e dos livros técnicos. Voltar a Machado é mergulhar no que melhor se escreveu em nossa língua, um seletíssimo grupo de autores. A ideia de começar uma releitura de Machado veio com um presente que recebi de minha filha Marta: um Kindle, essa maravilha de livro eletrônico que permite ao cidadão carregar uma biblioteca em um aparelho do tamanho de uma caixa de DVD - e baixar livros em poucos minutos a preços muito abaixo dos exemplares impressos. Logo, agreguei à minha coleção móvel o imortal Dom Casmurro, e pus-me a ler. No consultório médico, no descanso, na fila de espera do banco.
Romulo, Remo e Capitolina
O livro, da segunda fase de Machado, desnuda a influência que o autor recebeu do pessimismo e das reflexões sobre a loucura de Schoppenhauer (1788-1860). São características que transparecem nas elucubrações mentais de Bentinho, jovem personagem do livro, e sua ida a contragosto para o seminário, por promessa e voto de sua mãe – preparação para o sacerdócio que ia contra sua paixão ciumentíssima e quase louca pela adolescente Capitu (a bela “dos olhos de cigana, oblíquos e dissimulados”). Aliás, apelido de Capitolina, que é também o nome da loba que amamentou os gêmeos Rômulo e Remo, segundo a mitologia, sendo o primeiro o fundador de Roma (anagrama de Amor). Capitolina, a que amamentou dois ao mesmo tempo, é toda sinal de onde ia a cabeça de Machado em um dos mais belos textos em que dúvida e traição (pairando no ar) jamais foram escritos. E Machado deixa a intuição para o leitor.
Pois foi assim que, envolvendo-me na leitura, pude rever um capítulo curiosíssimo do livro, que Machado inseriu com intenção de provocar o leitor a entrever no drama de Bentinho (diminutivo de “bento”) e Capitu (seu oposto) suas reflexões teológicas por meio do capítulo “A Ópera”. Vamos a um trecho, em que fala um personagem fortuito do livro, o velho tenor italiano: “A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e das comprimárias (N. do A.: papeis secundários), quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e das mesmas comprimárias”. Já naquele tempo, Machado antecipava a anedota comum entre os músicos de hoje: a ópera é o tenor tentando cantar a diva (soprano), e o baixo e o barítono fazendo de tudo para atrapalhar.
A expulsão de Satanás (Leandro Quadros)
E continua o velho tenor: “Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. (...) Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, sendo expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. (...) Compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno. (...) Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos”.

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