LIVROS

LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****

sábado, 18 de maio de 2013

DO IDIOMA PORTUGUÊS À GEOGRAFIA NA MÚSICA POPULAR



O sub do sub: Waleska Popozuda
São de petrificar as letras (ou algo parecido) das músicas de hoje. É claro que quem ouve “A gaiola é puro ecstasy / (...) sai pra lá seu falastrão / bota sua calça e sai voando”, de uma certa Valeska Popozuda, ou qualquer uma do tal de Naldo, todas impublicáveis, vê rasgar de cima a baixo a gramática e a língua portuguesa. Daí, não é de se estranhar que escrevam por aí na Internet ou mesmo em papel coisas do gênero “num to nen aí prus cara, mano,  eles num tá nen aí ou aki, mais isso é o brasil”. Que fazer se esse é o dialeto falado e escrito por boa parte da juventude? Pior: por que muitos estão na escola e continuam a falar assim?

O conhecido professor Pasquale Cipro Neto usa, com frequência, letras de Chico e Caetano para explicar nosso idioma. E já que precisamos adaptar nossas escolas ao ensino da música, ainda que de forma embrionária, por que não empregar as boas letras para que, aliadas ao canto ou à audição, levem a uma melhor compreensão do nosso idioma? Um exemplo: nas redondilhas do Chico, em Paratodos, ele alterna a inclusão ou omissão do artigo definido “o”: “O meu pai era paulista / meu avô pernambucano / o meu bisavô mineiro / meu tataravô baiano...”. (Veja e ouça o clipe abaixo). Pasquale explica que, em inglês, não é permitido usar artigo (“the”) antes de possessivo (“my”): não existe “The my house is big”, diz-se apenas “my house is big”. Mas em português pode ser chique, como brincou o Chico. Pasquale vai explicando outras tiradas inteligentes do cantor – não por acaso, filho de historiador e parente torto do filólogo Aurélio.



Petrolina, o Velho Chico e Juazeiro
Com Caetano, que o professor considera admirável –  acrescento eu, de cultura invejável -, Paquale investe na geografia do baiano: “Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia / tudo esbarra embriagado de seu lume / dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia / só vigia um ponto negro: o meu ciúme / (...) Velho Chico, vens de Minas / (...) Juazeiro, nem te lembras dessa tarde / Petrolina, nem chegaste a perceber /sobre toda estrada, sobre toda sala / paira, monstruosa, a sombra do ciúme”. Pasquale lembra que Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, são cidades separadas pelo Velho Chico, apelido do rio São Francisco, o que as faz “rivais” (do latim “rivus”: regato, ribeiro). É o “Ciúme”, título da canção. Mais ainda, Caetano, com “Velho Chico, vens de Minas...”, lembra que o rio nasce em Minas Gerais, completando sua lição de geografia musical. E declara com sua verve: “sobre toda estrada, sobre toda sala / paira, monstruosa, a sombra do ciúme”.

Castro Alves
Com sua formidável criatividade, Caetano busca em outro poeta baiano, Castro Alves, inspiração óbvia para sua letra Um Frevo Novo. Disse Castro Alves, em Ao Povo o Poder: “A praça? / a praça é do povo / como o céu é do condor”. Em seu frevo, Caetano toma emprestados os versos, cantando: “A Praça Castro Alves é do povo / como o céu é do avião”. Pronto, já teríamos aí material para cantar e para entender Caetano, trazer à cena o poeta Castro Alves, num “pulo do gato”, um truque de cena. Alunos jovens querem interesse, querem ser despertados para algo que os atraia, algum tipo de desafio à sua inteligência. Dar aulas sem vida, mostrar um fraco espírito de liderança sem atrair para o que é bom e acessível, é ajudar o aluno a trilhar o caminho da indiferença rumo à ignorância. É mais fácil para ele ver TV, achar que é coisa de macho ouvir funk carioca em alto volume no som automotivo, cantar coisas repetitivas e sem sentido que prescindam do uso do cérebro ou apenas curtir ser “o tal” cantando palavrões e sacanagem.


Chuva, Suor e Cerveja
Continuando com mestre Caetano, como a ele se refere Pasquale, podem ser exploradas diversas figuras de linguagem em diversas letras do baiano. Muitas vezes, é a aliteração, que o Houaiss define como “repetição de fonemas idênticos ou parecidos”: “acho que a chuva ajuda a gente se ver” e “a gente se embala / se embora / se embola / e só para na porta da igreja” (em Chuva, Suor e Cerveja). E mais, sugere o som da chuva com a aliteração dos sons “ch” e “j”: Acho, chuva, ajuda, gente se ver. Ser poeta assim não é para qualquer um. O frevo contagia, os alunos poderiam cantar e ainda analisar o português escorreito de Caetano. Com a criatividade livre do professor em classe, dividindo com sua turma o conhecimento humano.

E tome um pouco de história também, em músicas do Chico como Ana de Amsterdã, da peça Calabar, que este ano completa 40 anos de no triste papel de primeira censura total a uma obra de teatro pelo regime de exceção. E falando em teatro, lindas músicas também tem A Gota d’Água, bela versão do compositor para Medéia, tragédia milenar de Eurípedes transportada para um subúrbio carioca - texto em que, a quatro mãos com o falecido Paulo Pontes, ele faz um retrato da tragédia grega, mas com roupa atual: “Pra mim / basta um dia / não mais que um dia / um meio dia / Me dá / só um dia / e eu faço desatar / a minha fantasia / (...) Pois se jura, se esconjura / se ama e se tortura / se tritura, se atura e se cura / a dor / na orgia...”. E segue Chico, pela voz da Bibi Ferreira (na peça, de cuja estreia e primeiros 8 meses participei), bordando um emaranhado de duplos sentidos que para meio entendedor baste, além do requinte no uso das figuras de linguagem (no caso, a sequência de terminações em “ura”). É para o professor mostrar e explicar, encontrar elos com a boa prosa e a boa poesia, e fazer cantar. (Veja e ouça abaixo Bibi cantando Basta um Dia). E daí puxar os versos geniais de Fernando Pessoa: “Em horas inda louras / lindas Clorindas e Belindas, brandas / brincam nos tempos das Berlindas / as vindas vendo das varandas”.




Paulo Freire: 41 títulos Honoris Causa no exterior
- mas e aqui??? - 
A música brasileira é pródiga em ótimos exemplos da rica língua portuguesa. Além de Caetano, Chico, Jobim e o irreverente Gilberto Gil, há Cartola, Noel e Aldir Blanc, donos da mais fina veia poética. Fazer cantar é o que há de melhor. Por que as aulas não se tornam mais divertidas, os professores de todo o Brasil mais livres no cumprimento de suas disciplinas, mais próximos da boa cultura, da boa arte e do bom português? Por onde andam os ensinamentos do saudoso Paulo Freire? Ainda há tempo de se evitar o colapso final em nosso idioma. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário