LIVROS

LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****

sábado, 29 de junho de 2013

MILHARES DE PERSONAGENS EM BUSCA DE UM AUTOR


Seis Personagens
Título de uma obra do dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936), Seis Personagens em Busca de um Autor (Sei Personaggi in Cerca d’Autore), relata o drama de seis personagens que sobem ao palco do teatro em protesto por terem sido excluídos da peça pelo autor. Reivindicação: que o diretor da peça encenasse também suas próprias histórias, tornando-se o autor de suas vidas. Na confusão, abre-se uma discussão que coloca na berlinda autor, diretor, atores... um voo filosófico sobre o próprio processo criativo – e até além dele, claro. A peça se divide entre um texto “real” e a discussão paralela com os seis personagens, realidades distintas no mesmo palco. Claro, os personagens querem representar-se a si mesmos, não aceitam terem sido alijados pelo autor. Querem libertar-se do jugo dele, o verdadeiro dono da caneta, do poder.

Grupo com máscaras de Anonymous
Decidir quem são os autores de hoje, e quem é personagem de si mesmo não é apenas uma reflexão pirandelliana, é também um salto de maior envergadura na atualidade brasileira. Se são personagens sem nome, sem espaço, sem rosto, querem, por óbvio, assumir suas individualidades sem paternalismos, querem sentir-se também autores no palco da vida, ao invés de condenados a simples observadores. No palco das ruas, querem se assumir com vida própria, além da vida cotidiana de cidadão comum.

O dândi vândalo destruindo a entrada da Prefeitura de SP
O Brasil tem visto, há dias, desenfreadas multidões em busca de seus autores, personagens rebelados tanto contra os criadores, donos da caneta, quanto os diretores de cena. Não existe nesta peça espaço para partidos políticos (não há face, só persona), e os que se apresentaram buscando dividendos partidários são rechaçados e, como em algumas cenas expostas na mídia, até hostilizados pela massa. E todos maldisseram um baderneiro profissional, rapaz forte – braço bom pra lavoura, diria minha avó –, um escroque cuja maior diversão é a baderna, seja onde for! Foi ele, um desocupado bem nutrido e “sarado”, vagabundo profissional, quem esteve à frente da tentativa de invasão e depredação do prédio da Prefeitura Municipal de São Paulo. À semelhança dele, punks e skinheads, antes inimigos (alguns contratados por partidos radicais), agora unidos promoverem saques, depredações e arruaças.

Immanuel Kant
Que estamos vivenciando um fenômeno único, isso é inegável. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) dizia que um fenômeno é um objeto do conhecimento, mas não em si mesmo, e sim na relação com quem passa a conhecê-lo, pelo ponto de vista de ideias e experiências anteriores. Isso traz a certeza de que existe um fenômeno, sim, especialmente comparando acontecimentos recentes com nossas ideias e experiências do passado.

Atores e músicos em 1968:  linha de frente
Para ser mais claro, essa revolução sem discurso e desarmada que foi plantada a partir dos vinte centavos de aumento na tarifa dos ônibus não tem nada a ver com a “passeata dos cem mil”, movimento histórico contra a ditadura, a tortura, as prisões, a censura e pela libertação dos presos políticos do final dos anos 1960. Naquela época, braços dados ou não, faziam o “escudo”, na linha de frente, Odete Lara, José Celso, Chico, Caetano, Gil, Gal, Milton, Nana e um cordão de gente da cultura, além de religiosos de batina. O ideal era um só: o fim da ditadura. Foram todos filmados, fotografados, fichados e posteriormente tiveram suas vidas vasculhadas, obras censuradas, e muitos exilados ou presos. Tudo por um ideal único e bem definido: o fim do regime.

Os personagens de hoje são quase anônimos, a organização – sim, claro, ela existe e é razoavelmente bem feita, só que não se vê – se utiliza de perfis ocultos nas redes sociais, entre seus articulados autores. Confusão, distorções e aberrações, claro, ocorrem em qualquer lugar onde se reúna uma multidão, e não é exclusividade brasileira. (Já o vandalismo é um efeito colateral burro e perigoso das aglomerações). Qualquer coisa entalada na garganta acaba sendo cuspida nesses momentos: além do “vintinho”, o que se quer é o fim da Copa 2014 (veja aí um outro fenômeno, já que até hoje éramos o “país do futebol”) e dos gastos monumentais, em troca de educação e saúde. O fim da corrupção, a prisão do José Dirceu, o grito por uma nova ordem.

Danny, le Rouge, no comando da massa em Paris, 1968
Mas qual seria essa nova ordem? Ninguém sabe, e esse será outro fenômeno a ser compreendido, se progredir o movimento. Sem imaginar, nem de longe, que isso possa vir a se repetir, lembremos que em 1968 a estudantada francesa, tendo à frente o inteligentíssimo Daniel Cohn Bendit (1937), o Danny Le Rouge (Dany, o Vermelho), chega ao poder. Assume, e um dia depois o abandona, por não saber o que fazer.

Nesse Brasil efervescente de hoje, não há plano de poder das massas, não há sequer um plano para se chegar a algum lugar. Trata-se apenas de uma convulsão causada por um descontentamento geral dirigido a vários destinatários, sem rua e número bem definidos. Essas convulsões são o (epi)centro das atenções no país inteiro, e seus olhos voltam-se agora a Brasília. Os comandos de rua acontecem via mensagens de celular e radiotelefones, auxiliados pela organização e mobilização pelas redes sociais, arquitetadas por uma intelligentza oculta nas mensagens virtuais.

2013: ocupação do Congresso Nacional
Falta muita coisa ao movimento, especialmente as que arrastaram multidões, como no passado: a presença de líderes sindicais, estudantis e artistas de teatro e MPB. Um amigo, importante jornalista de mídia nacional, bolou uma anedota magistral: disse ele que os artistas da MPB de hoje estão se articulando para engrossar o apoio ao movimento. Aguardam, apenas, a liberação dos cachês pela Lei Rouanet. Essa é uma das diferenças gritantes: as passeatas recentes não têm face, os líderes não sobem em Kombis para discursar em megafones, artistas se calam. Os manifestantes apenas se movimentam, “buzinando a moça e comandando a massa”, e tentam evitar a repressão – que se faz necessária diante de vandalismos. Aglomeram-se à revelia de vagabundos, radicais partidários e dejetos sociais como os movimentos punk e skinhead, de modismos e nomes importados e crueldade sem pátria. Resta ver o que sobrará, se a massa não se cansará até mudar alguma coisa mais além dos 20 centavos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário