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sábado, 6 de janeiro de 2018

TRAPALHADAS POLÍTICAS NA MÚSICA BRASILEIRA - I

Cultura não era preocupação para um Governador da Paraíba do passado. Revoltado com seu antecessor Tarcísio Burity, dos anos 80, que ado­rava música de concerto, Wilson Braga, recém-empossado naquela capitania, indagado sobre a manutenção da Orquestra Sinfônica respondeu que não era muito chegado ao ramo, prefereria criar uma "san­fônica". Para completar, teria dito, na época: "Num dô dois conto pra tócador di bumbo!" Burity, o mecenas paraibano, foi alvo de tiros pelo seu sucessor em um restaurante de João Pessoa em 1994. Sobreviveu. Sanfona versus sinfonia, no fundo palavras tão afins, para nós, músicos, viraram bandeira de guerra na política dos coronéis.
Inácio de Loyola
Por volta de 1968/69, éramos estudantes secun­daristas no Rio de Janeiro, no Colégio Santo Inácio. Em período de violenta repressão e censura, organizamos um festival de música estudantil - coisa inédita para a época, especialmente pela repercussão que o evento obteve junto à imprensa. O regime de exceção havia con­seguido coisas impossíveis: escolados na doutrina jesuíta - que tinha entre seus iniciados de Santo Inácio de Loyola ao líder Fidel Castro, levou-nos a discutir posições nos instrumentos musicais e na política. Na verdade, continuaríamos uma tradição musical, já que os também inacianos Mário Henrique Simonsen (ex-ministro, barítono e crítico bis­sexto) e Edu Lobo (1943), entre outros, já haviam aberto o caminho no colégio.
Cazuza
Formaram-se grupos, festivais, e de nossas fileiras brotaram o violonista Marcos Farina, do conjunto de choro Galo Preto, Ricardo Medeiros, contrabaixista e arranjador, Ricardo Chaves, guitarrista radicado desde sempre nos Estados Unidos, o grupo O Terço e um certo Luís Maurício Pragana dos Santos (de minha sala, do mesmo dia/mês/ano de meu nascimento), de quem falarei logo adiante, além do Cazuza, um pouco mais novo do que nós, e Lobão. Maurício Villela tornou-se jornalista, o violonista Marcos Caramuru tornou-se diplomata e foi assessor de Zélia Cardoso de Mello e Pedro Malan, enquanto o compositor Luis Eduardo Soares, o “Motor”, tornou-se cientista político e depois todo-poderoso na Secretaria de Segurança de Anthony Garotinho, Governador do Rio empossado em 1999 (querendo transformar a segurança, Luís virou escândalo ao ter seus telefones grampea­dos por setores da polícia. Fugiu para os EUA). Isso foi parte de minha rica vida no Santo Inácio, com meus colegas a quem também devo muito. 
De volta dos Estados Unidos, em 1982, reencon­trei Luís Maurício Pragana no bondinho de Santa Teresa, bairro pós-hippie como o Greenwich Village. Após um curto papo, Luis pareceu indignado quando lhe perguntei se ainda fazia música: é que eu não sabia que ele havia largado seu conjunto Veludo Elétrico e se ungido Lulu Santos, e menos ainda que seus temas românticos abriam a novela das oito. Mesmo comercial, seu conhecimento musical dos Beatles levou a um disco-music que não era bate-estaca, era coisa de qualidade. Filho de almirante, no colégio era meio caído pela direita. Hoje, é vermelhaço (ou escarlate, casou-se com a Scarlet Moon).
Lincoln, no Geetysburgh
A orientação do colégio era rígida, na mais pura tradição jesuíta. Decorávamos "Última flor do Lácio, incul­ta e bela, és a um tempo esplendor e sepultura", o dis­curso de Gettisburgh, do Lincoln ("four scores and seven years ago...") e as capitais e rios do mundo todo. Foram-se países e capitais e uma ou outra catarata, mas ficaram os ensinamentos. Assistíamos à missa, na última aula sexta-feira, mas se quiséssemos poderíamos ir para salões enormes, em silêncio e com um livro na frente o dobro do tempo da celebração. Às vezes, íamos à Igreja, e quando o padre se virava para o altar, levantando a hóstia sagrada, fugíamos pelos fundos.
No colégio representávamos Becket, líamos Marcuse, Althusser, Reich e Leandro Konder, mesmo sem entender muita coisa. E ouvíamos Caetano, Gil, Chico e Vandré. A música era uma válvula de escape, uma forma de passarmos nossos recados. E a censura prévia fazia cortes idiotas, como no meu "um grito vivo de verdade". Seria a frase um chamado à guerrilha? Eram do agrado do poder Os Incríveis, com " eu te amo, meu Brasil, eu te amo, meu coração é verde, amarelo, branco e azul-anil" (nós cantávamos: "E quem não ama vai..."). Há que se reconhecer, entretanto, que a ditadura deixou espaço para nossa criatividade e verdadeira especialização em criar mensagens subliminares, de duplo e até triplo sen­tido. A poesia era a metáfora metrificada!
Antigo prédio da Fefierj (hoje Uni-Rio), ex-UNE, depois derrubado
Nos anos setenta, fora nomeado interven­tor no Instituto Villa-Lobos da FEFIERJ do Rio de Janeiro (hoje UNIRIO) o General Jaime Ribeiro da Graça. Escolado na ‘inteligência’ do SNI, nosso diretor era versado em dialetos de subversivos e drogados (que na época, como se dizia, eram armas do “plano de Moscou para cooptar a juventude”). Graça ministrava cursos na Escola Superior de Guerra e havia publicado um ou dois livros com exemplos de diálogos entre bichos-grilos: “Oi, cara, tá numa boa”? Respondia o outro: “Tô numa pior, gente boa, preciso descolar algum”. E ainda se fazia música com um barulho desses.

O prédio da FEFIERJ era o da então proscrita UNE, símbolo proibido e posteriormente demolido pelo Governo. O edifício parecia simbolizar uma ameaça de recrutamento da sadia juventude carioca para as hostes soviéticas. O general Graça mandava revistar frequentemente os alunos em suas calças, meias e cabelos; os policiais à porta da escola buscavam baseados de maconha ou, se dessem mais sorte, livros de capa vermelha, mesmo que fosse a História da Música do Carpeaux. Seguiam à risca a máxima do filme Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, de Elio Petri, com interpretação fabulosa do Gian Maria Volonté: Repressão é Civilização (repressione è civiltà).

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