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sábado, 30 de junho de 2018

BACH E HÄNDEL: ENTRE TAPAS E BEIJOS

Bach, sisudo
Já falamos, neste espaço, sobre a farta produção do compositor Johann Sebastian Bach (1685-1750). No período em que foi Konzertmeister (mestre de concerto), ele compôs uma cantata por mês e às vezes uma peça para cada domingo ou feriado. (Já sua prova para o cargo de Kapellmeister - mestre de capela - da Igreja foi tão extensa que em tudo se assemelhava, guardadas as proporções, a uma sustentação oral no plenário para investidura em nossos altos cargos jurídicos: os temas incluíram latim, bíblia e legislação).

Erfurt
Bach produzia muito, mas como necessitava de boa renda para o sustento de sua enorme prole, em 1730 chegou a escrever a um amigo, Erdmann, queixando-se da saúde pública da cidade de Erfurt, que “lamentavelmente havia melhorado muito”. Para piorar, completou, o saneamento havia progredido a olhos vistos, e por causa disso já escasseavam as encomendas de músicas para cerimônias fúnebres. (Parece não muito sincera a afirmação de Bach de que ele havia trabalhado incessantemente a vida inteira, e que quem pegasse no batente como ele obteria os mesmos resultados. Era falsa modéstia, ele se sabia genial: ego inflado, escreveu nada menos que 37 peças a partir das iniciais de seu sobrenome, B-A-C-H - em alemão, Si bemol, Lá, Dó e Si).

Fagotista, por Gerard Portielje
O compositor era muito rancoroso e cheio das vaidades, tanto que após um de seus intermináveis ensaios não hesitou em ameaçar na praça Geyersbach, um jovem fagotista que teria feito à boca miúda bochichos desairosos sobre o mestre após uma repreensão. Bach já havia registrado queixa contra ele, e, naquele dia, na rua, enquanto alguns colegas tentavam apartar a briga, o músico brandia um pedaço de pau e Bach passou a ameaça-lo ensaiando de sacar a espada. Valeu-lhe uma reprimenda superior pela impaciência como chefe.

Apesar do pavio curto, o temperamento do mestre fora do trabalho era em geral o de um bonachão que gostava de levar músicos e amigos a um café ou cervejaria para rir, beber, cantar e tocar com os colegas. Mas o talento de brigão era recorrente: em 1717 queria porque queria ser Kappelmeister de Sachsen-Weimar, para cujo duque trabalhava, mas o cargo que lhe foi negado. Vencidos os argumentos, passou do sério e foi devidamente retirado do palácio e preso. Um mês depois, a prisão foi relaxada (palavra que soa mais para afrouxar do que soltar)

John Taylor e suas desastradas intervenções
Já muito idoso, Bach estava cego e apoplético, e um cirurgião inglês, John Taylor, foi chamado para aliviar o sofrimento do mestre. Esforçou-se para curá-lo, mas foi malsucedido, e levou-o de vez à morte (Taylor tentou salvar Händel, dois anos depois, e igualmente falhou, deixando-o cego). E se a ciência da época não era mais de serventia ao mestre, restou-lhe apelar em súplicas à misericórdia do Pai. Pouco antes de se encontrar com Aquele de dizia ter sido sua única fonte de inspiração, ainda chegou a conhecer seu neto, filho de Johann Christian e Elizabeth. A esposa Anna Magdalena trouxe-lhe rosas, e ele as apreciou, achou-as maravilhosas apenas tocando-as com os dedos, dizendo que pelo tato podia sentir-lhes a beleza.

A bela, jovem e talentosa esposa Anna Magdalena
No leito de morte, Bach pediu ao genro Christian que pegasse partitura e pena, e passou a ditar nota por nota o coral Com Isto, Apresento-me Diante do Vosso Trono. Também solicitou aos presentes, ao seu redor, que cantassem Todos os Homens Deverão Morrer, coral por ele composto sobre versos de Lutero. Com um sorriso, inteiramente cego àquela altura, disse que, finalmente, seus olhos veriam o Salvador. Depois de tal súplica e da devoção de uma vida inteira, o Senhor finalmente acedeu em recebê-lo, naquele julho de 1750. Partiu de forma absolutamente conformada, entregando-se, como parece ter antevisto na declaração de amor, um tanto mórbida, que havia deixado no livro de notas dedicado à esposa: “estando tu ao meu lado, irei com alegria para a morte e o descanso. E como será lindo meu fim, se tuas belas mãos me cerrarem os olhos”.

Händel e sua espada, por Philip Mercier
Cenas de desavenças que nada devem às de Bach foram protagonizadas por George Friederich Händel (1685-1759). Ambos tiveram música e brigas em comum, além de fracassos nas mãos do cirurgião John Taylor. Durante um ensaio de uma ópera de autoria de Johann Mattheson, este, que fora tutor de Händel, tentou afasta-lo do cravo, irritado que estava – naquela época, era comum uma espécie de regência dividida entre o cravista e o primeiro violino, coisa que, claro, nunca daria certo. Após alguns bate-bocas, a discussão resvalou para a baixaria, passando de meros xingatórios aos tapas, e depois com ambos desembainhando suas adagas. Mas a fama de impaciente e agressivo de Händel já era conhecida desde quando, possesso de ódio, tentou atirar pela janela Cuzzone, uma soprano de nome um tanto impróprio que se atrapalhava para cantar uma ária da sua ópera Ottone, Re di Germania, em um ensaio.


[O compositor escapou de ser vítima fatal de um golpe certeiro de seu antigo mestre, salvo de uma espadada graças a um dos enormes botões de sua capa – coisa de filme “caubói-espaguete” italiano, como o herói Giuliano Gemma, em O Dólar Furado, na cena em que sobreviveu a um tiro certeiro no coração, felizmente escudado por uma moeda no bolso esquerdo superior de seu colete – daí o título do filme. No caso de Händel, deve tê-lo ajudado também sua protuberante barriga a almofadar o botão do sobretudo contra um golpe da ponta da espada. Ajudou a salvá-lo de alguma injúria maior ser um comilão assumido e inveterado – mestre, além da música, em instrumentos como o garfo e a faca].



Um comentário:

  1. É Professor, parece que os nossos gênios também eram bem temperamentais!!!...

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