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sexta-feira, 23 de setembro de 2022

CENTENÁRIOS

 


N
ossos antepassados marcavam, a cada nascer do sol, referência para contar os dias. Depois, o ano. Século e milênio passaram a ser parâmetros maiores a preservar a memória do tempo. A palavra “ephemerides” surgiu do latim c.1523, significando memorial dos dias, calendário. Em um conceito mais amplo e para efeito deste texto, refere-se a fatos marcantes, de cem anos atrás. Fazer um glossário de efemérides centenárias não é coisa fácil, especialmente quando envolve pessoas. Assim busquei, dentro do possível, afastando as datas de falecimento. Folheei o caudaloso A Vertigem das Listas, do escritor e estudioso italiano Umberto Eco, que analisou os inúmeros tipos de listas e catálogos de nossa cultura ocidental, elaborados desde a antiguidade.

A turma da Semana de 22

H
á cem anos, em 1922, aconteceram no Rio os “Jogos Olympicos da Independencia”, abertos na piscina do Fluminense F. C. pelas equipes do Brasil e da Argentina, seguindo-se o “primeiro jogo latino-americano de water-polo” (Estadão, 15/09/1922). Também foram oficializadas a letra do Hino Nacional e a bandeira, e dada a largada para o avanço do modernismo, na chamada Semana de 22: Tarsila, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Villa-Lobos, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e outros. (Cem anos depois, neste bicentenário da Independência, em 7 de setembro, não houve celebração; apenas uma sessão solene do dia 8, no Congresso Nacional, com a presença de autoridades do legislativo e judiciário [grifo], representantes de 24 nações e o presidente de Portugal). É por esse marco histórico, 1922, que lembramos e saudamos, dentro do que a memória permite e a documentação oferece, fatos e personalidades. Entre fazê-lo por datas ou ordem alfabética, foi preferível agrupa-los por áreas, dando maior coerência à listagem.

Bibi Ferreira

1922
foi um ano pródigo no nascimento de artistas de teatro e cinema, como Bibi Ferreira, de 1º de junho: uma atriz completa, além de cantora e diretora de teatro. Não me esqueço dela na Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, peça da qual participei como músico: Bibi estrelou com brilho máximo. Pouco depois, em 23 de agosto, Tônia Carrero, outra atriz fenomenal, sedutora, voz encorpada e par frequente de Paulo Autran (meu primo de segundo grau), de 7 de setembro, mestre das peças de Molière, como O Avarento - cuja última encenação foi interrompida por motivos de saúde e encerrou sua carreira em 2006. Em 19 de outubro vinha ao mundo Dias Gomes (de O Pagador de Promessas), teatrólogo, também autor de telenovelas. No dia 3 de abril, Doris Day, atriz e cantora norte-americana, estrela de O Homem que Sabia Demais, de Hitchcock; em 24 de dezembro, nascia a também norte-americana Ava Gardner, parte da história do cinema. Por fora dessa raia, dia 8 de novembro, surge Aldemir Martins, artista plástico de quem tenho uma gravura que se encontra na casa onde meus pais moravam, no Rio: um rapaz na janela tocando violão cercado por notas musicais sem linhas de pauta.

Pasolini

F
oi um ano bastante generoso para o cinema de arte, com o cineasta e escritor Pier Paolo Pasolini, de 5 de março, autor de Teorema e O Evangelho Segundo Mateus - apesar de ser comunista e engajado politicamente; em 3 de junho vinha ao mundo o também cineasta francês Alain Resnais, mestre da Nouvelle Vague, de obras-primas como O Ano Passado em Marienbad e o histórico Hiroshima, Meu Amor. Fora desta raia, o jurista brasileiro Hélio Bicudo, de 5 de julho, figura de proa na luta pelos direitos humanos e prócer dos movimentos pela democracia no Brasil.

Jack Kerouac

A
literatura nos trouxe o poeta e romancista americano Jack Kerouac (Anjos da Desolação), de 12 de março, revolucionário da ‘geração beat’, cult de uma juventude rebelde. No dia 1º de maio, nascia aqui o romancista e jornalista mineiro Otto Lara Resende, dono de um assobio de ventríloquo e quase vizinho de meus pais, com cujos filhos André e Bruno volta e meia brincávamos. Logo a seguir, em 19 de junho, o mundo conheceria o também mineiro Paulo Mendes Campos, poeta, escritor e jornalista belo-horizontino e amigo de meu pai e do Otto. Em 18 de novembro nascia José Saramago, festejado escritor português, Nobel de 1998, de cuja obra destaco Ensaio Sobre a Cegueira.

Gilberto Mendes

N
o canto lírico, em 1º de fevereiro, a soprano italiana Renata Tebaldi, arquirrival de Maria Callas; cantores da MPB: dia 20 de março, Nora Ney, também compositora, em 7 de abril Dircinha Batista e no dia 13 Dona Ivone Lara, figura de proa e primeira mulher autora de um samba de enredo (Império Serrano, 2012); em 17 de outubro, Luiz Bonfá, cantor e compositor da bossa-nova (musicou a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius). Do jazz, em 22 de abril, nasceu Charles Mingus, contrabaixista, compositor e ativista norte-americano, e no dia 29 o belga Toots Thielemans, virtuoso gaitista. Em um 13 de outubro, na música de concerto, o docente e meu colega da USP Gilberto Mendes, ícone da composição de vanguarda (música concreta e aleatória) e criador do Festival de Música Nova. No dia 16 de dezembro, o húngaro Zoltán Kodály (Suíte Hári Ianos), compositor, pedagogo musical e etnomusicólogo. Na política, é de de 22 de janeiro Leonel Brizola, líder inconteste, duas vezes governador do RJ e RS, e em 26 de outubro Darcy Ribeiro, antropólogo, educador, escritor e político.


E
m 1922 nascia também o jornal O Progresso de Tatuhy (grafia original), marco da política, da cultura da vida na cidade de Tatuí, do Médio Tietê paulista. A ele, seu editor Ivan Camargo, aos fundadores (in memoriam), os mais efusivos parabéns!

 

sexta-feira, 29 de maio de 2020

PANDORA, REALITY SHOWS,


TERAPIAS DE GRUPO E COMPORTAMENTO

Pandora, por Lawrence Tadema (dom. púb.)
O convívio entre pessoas em um mesmo ambiente é uma caixa de surpresas como a de Pandora, a primeira mulher criada por Zeus, na mitologia grega. Segundo descrições e ilustrações antigas, uma caixa ou pote, a depender do autor. No recipiente, estavam guardados os males do mundo, contou Hesíodo, em seu “Os trabalhos e os dias”. Zeus, por capricho, havia feito uma provocação (e nem colocou aquele tipo de aviso que diz “não abra”, mas não foi preciso): Pandora, curiosa que só, destampou o pote, de onde escapou o que há de ruim na Terra.
As pessoas isoladas em um ou poucos ambientes contíguos ficam expostas gradativamente aos sentimentos conflituosos nelas reprimidos. É como se a tampa do pote de Pandora deixasse escapar aos poucos seu conteúdo, a partir de uma fresta. Muito explorado em dinâmicas ou psicoterapias de grupo, o despertar desses ingredientes sociais ocultos vem surgir como uma pequena amostra, o microcosmo da sociedade representada em cada homem e seu plural.
Assim nasceram os reality shows da TV dos anos 1990, com The Real World, e logo depois Idols e Big Brother, franquias vendidas a emissoras mundo afora. Os telespectadores desses shows parecem sentir certo prazer em acompanhar fusões nebulosas entre realidade e cena, esta obviamente submetida a scripts definidos, jogos programados e disputas criadas pela produção, tudo para despertar emoções e reações. Quanto mais agressivas, maldosas ou sensuais essas reações e os complôs, mais o espectador se delicia com o que pode ser uma fotografia intestina dele próprio, seus ódios e desejos ocultos. (Confundem-se ao chamar os participantes de “brothers”: Big Brother, nome do programa, é o ‘grande irmão’ de “1984”, livro de G. Orwell, é a máquina que tudo vê e a todos controla, como as câmeras e microfones do show).

Reality show alemão
Telespectadores escolhem anjos e demônios por empatia ou repulsa, torcendo contra ou a favor de um ou outro. Vislumbram suas próprias vidas na tela e podem tecer comentários aos seus convivas sem se identificarem nas cenas da forma que as veem, o buscar do íntimo de cada um, parte da fórmula do sucesso do programa.

Já tratei do Teatro do Absurdo, surgido na desolação do pós-II Guerra. Autores criavam situações terríveis vividas por personagens geralmente enclausurados em um ambiente, apartamento ou casa, o que durante o conflito mundial seria o medo de ir à rua e ser atingido por bala perdida, granada, bomba - ou topar com nazistas. Terminada a guerra, o medo permaneceu, e junto com ele certa descrença na humanidade e na razão da existência. O gênero do Absurdo é uma criação neurótica sobre situações igualmente neuróticas, mas tem, além da erudição, a observação crítica a diferenciá-lo dos fúteis reality shows que se pretendem ‘reais’.

A Terapia (ou psicoterapia) de Grupo envolve um certo número de pacientes e um terapeuta, e se abre em uma gama de formatos, como arte-terapia, Terapia de Comportamento Cognitivo (CBT), terapia de dança e musicoterapia, entre outros. Nesses grupos são tratados medo, ódio, neurose, apatia e depressão, além de serem desenvolvidas técnicas coletivas de relaxamento e de adaptação para melhor convívio social – modelos analisados por Charles Montgomery em Role of dynamic group therapy in psychiatric treatment (Cambridge: CUP, 2018).
Enquanto a terapia de grupo tem profissionais aptos a intervir, quando necessário, nos reality shows a mediação é feita por um apresentador sem qualquer preparo, que dá combustível aos acontecimentos. E, claro, sempre com um olho na contabilidade eletrônica, conforme o público que interage, e indiretamente, um outro da emissora, por meio das medições eletrônicas de audiência – sem falar no retorno financeiro dos anunciantes e eventual merchandising em cena. Surgem mais e mais imbróglios, e a produção da TV os estimula, sendo as séries de jogos e disputas elementos fundamentais à criação da atmosfera fértil para as crises se desenvolverem. Se ultrapassar certo limite, o participante é punido, lançado à execração dos demais ou até expulso.
Os isolamentos sociais de hoje em razão da pandemia são grupos sem controle e sem os voyeurismos dos reality shows, sem mediadores ao microfone e menos ainda terapeutas profissionais. Como em todas as situações de grupo - no lar, no círculo de amigos, no clube, na sala de aulas ou no trabalho -, um dos que fazem parte do conjunto assume sua posição de líder, seja por uma determinante social (pai, mãe, chefe) ou espontaneamente, quando o grupo é homogêneo. Se há intrigas ou debacles mais fortes, é ele o indivíduo que tende a interferir.  
O conflito no trabalho, por Resnais/Laboritt
Pela lente da chamada sétima arte, Alain Resnais, cineasta francês, repercutiu, em Mon oncle d’Amérique (“Meu tio americano”), de 1980, as ideias do médico e filósofo Henri Laboritt sobre estudos dele acerca do eu (self ) e a sociedade. Analisa essa relação em que “todas as criaturas lutam por equilíbrio (homeostasia) em seus ambientes, nos quais se manifestam como comportamentos de controle nos personagens do filme”, diz o cientista, comparando as reações desses personagens em ambientes estressantes às dos ratos de laboratório: disputa, fuga e inibição. A criação artística é um rico meio de compreensão dessas tensões.
Arte é fantasia, imaginação, neurose; é crítica social, política, científica, tudo o que brota na mente e vem a público sob um ponto de vista estético e filosófico. Se não aponta soluções, desperta perguntas. Que acendem uma luz.
(Ewan Townhead)

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sábado, 30 de março de 2019

MEU TIO DA AMÉRICA


Mon oncle d’Amérique é um filme (1980) do francês Alain Resnais, autor também do amargo Hiroshima, mon amour. Na trama, um fazendeiro é diretor de uma empresa em fase de cortes de empregados. Convivem Janine Garnier, atriz de ambições e amante de um senhor casado, e Jean Le Gall, ativista político e escritor em crise existencial. Pano de fundo, as ideias do neurocientista Henri Laborit, também narrador do filme.
Henri Laborit
Segundo Laborit, há quatro elementos que regulam a conduta das pessoas: o consumo, a recompensa, a punição e a inação. Revolucionou a psiquiatria em 1952 ao introduzir novas drogas em alguns tratamentos e teve sua participação no filme duramente criticada pela comunidade científica. Era adepto do chamado behaviorismo, teoria que analisa indivíduos e animais pelo seu comportamento e associa as atitudes das pessoas às suas neuroses e doenças. É o retrato de uma intensa disputa no trabalho que leva a alucinações. Eis a América de Resnais.
As 13 colônias: o início de tudo
Em busca dessa competição, do ‘fazer a América’, fui para os EUA em 1977, com chances para estudar nos melhores lugares e sonhando com trabalho. Mas já saindo do aeroporto de Boston veio o primeiro choque: um enorme outdoor parece que alertava para o que eu iria encontrar: Competition. That’s what makes America great! (Competição. É o que a faz a América grande!). Uma nação erguida por 13 colônias de culturas e Igrejas diversas disputando terras, cultivo, gado e dinheiro. Competia-se dentro de cada uma e todas entre si. Mais tarde, ciência, esportes, jogatina, ascensão na vida, busca pela excelência em todas as atividades, ser a maior nação.
Sly & the Family Stone
Em 1974, eu já havia estado em NY. Resolvi ir a um show do grupo de funk (nada daquilo que se ouve por aqui) Sly & the Family Stone, ritmo e balanço evocando o lema de George Clinton, shake your ass and your mind will follow (o ‘sacuda seu traseiro e sua mente seguirá’). Era no famoso Radio City Music Hall, e fui sozinho.
Lá, grupinhos e gangues davam medo. Recém-chegado, vi que tinha apenas uma nota de US$ 100 – o equivalente a coisa de R$ 1.900, em valores atuais. No caixa não havia troco, e um monte de pivetes cercou-me para ‘ajudar’. Salvou-me um contrabaixista de apelido Yinka, do Harlem, que veio ao meu encontro e foi logo se apresentando. Fomos ao show, um deslumbre, mas declinei do convite para ir ao gueto nova-iorquino ouvi-lo tocar. Seria às 2h da manhã, loucura.
Essa experiência de 1974 ajudou-me a lidar com a vida nos EUA a partir de 77. Ainda não estava em condições de competir para os bons cachês de orquestras, então fiz como muitos brasileiros, usei minha alma latina para ganhar algum dinheiro com música enquanto estudava. Surgiu um convite para tocar salsa com um violinista cubano de alcunha William Fox.
Roxbury, Boston
Metrô para Roxbury, saindo perto do New England Conservatory e cruzando a chamada limit zone (zona do limite). Basicamente, um bairro-gueto enorme, brancos, negros e latinos, brigas e sensação de insegurança à flor da pele. Mas precisava daquilo para me preparar para o ingresso no curso superior dos meus sonhos. Em uma das viagens, um sujeito, de pé no vagão, calmamente enrolou seu baseado e começou a fuma-lo. Ninguém deu a mínima. Claro, fiquei preocupado, imaginei polícia invadindo, essas coisas. Fui discreto, perguntei se ele não tinha medo de ser preso. Pronto: abriu a torneira, dizendo-se herói da guerra do Vietnã, vítima de uma bomba, puxou a barra da calça mostrando a prótese de madeira. E gritava salvei a América, ninguém manda em mim, coisas do gênero.
Veteranos, os vets
Muito comum ver esses ex-veteranos de guerra – e ex-presidiários – de todas as origens pelas ruas, alguns dóceis e outros nada, praguejando em voz alta para si mesmos. Ou com camisetas de recordação: visit fascinating Vietnam. Quando quietos, e não surtados, não incomodavam, mas não se sabia no que poderiam se transformar de repente. Mas ou eu tocava o barco ou terminaria por desconfiar e ter medo de todo mundo. A América já não era tão ‘Disneyworld e Hollywood’ assim (conforme vou ilustrando neste espaço), mas o intento de estudar cada vez mais, seguindo os conselhos do professor, era ouro – nunca aceite menos do que primeiro, disse.
Consulado dos EUA em SP: fila para vistos
Nós aqui temos bandidos e psicóticos. Americanos também (e têm terroristas de sobra, brotam da noite para o dia). Aqui, por um visto de turista ou estudante nos EUA vive-se uma odisseia. Meu permanente obtive lá mesmo, depois de anos, e só após interrogado sob juramento, o passado remexido. Nas filas dos consulados no Brasil é frequente candidatos a turista nos EUA terem o visto negado de pronto, às vezes sem saberem o porquê.  Há muito tempo existe um rígido controle de entrada e o atual presidente americano ainda quer apertar mais e mais, vide o muro na fronteira com o México. Há um cuidado policialesco com quem quer entrar no país, mesmo que por via legal.
Pero Vaz de Caminha
O Brasil é terra onde se plantando tudo dá, disse Vaz de Caminha. Do bom e do ruim, ‘banana pra dar e vender’. É positivo turistas injetarem recursos aqui, mas não dá para ‘fazer o bem sem olhar a quem’. Enquanto isso, nossos marginais de estimação sequer viajam para os EUA. E não apenas os turistas americanos – jovens, casais de idosos, recém-casados e yuppies - terão aqui as portas abertas, o perigo também terá. A massa entrando livremente não terá rosto nem passado, e pode haver consequências. Enquanto isso, nossos pivetes, punguistas, organizações criminosas e 'arrastões' também estarão ávidos por fazer a festa que nos dá péssima fama. Haverá competição.