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domingo, 2 de dezembro de 2012

NOITES CARIOCAS - II


No Bolero aprendi que a noite, além da boemia e do meretrício, é pródiga em malucos, vigaristas e vendedores de coisas e almas. Uma negona gorda, com roupa tribal afro, raspando seu afoxé com uma jiboia enrolada no corpo, recebia gorjetas dos fregueses sentados nas mesas da calçada. Mas o melhor da noite é coisa de inexplicável origem: a mentira. Como se mentia, deslavada e descaradamente, história de pescador era bagrinho no puçá perto daquela lábia. De gol da linha de fundo a sair com a Sofia Loren, quando ela esteve no Brasil, de ter sobrevivido a acidente aéreo a atravessar a praia a nado, tudo era possível: mentia-se sobre tudo e todos.
Outra doença noturna era o esquecimento. Os mais velhos de casa, com décadas de serviço tocando, chegavam em casa na Pavuna ou coisa que o valha já sob a luz do dia, e acordavam às dez da matina para comer, pegar trem e ônibus para voltar para trabalhar, coisa que matava qualquer um. Havia um trompetista, um sujeito de rosto cadavérico e enormes olheiras, que tinha por hábito uma extrema precaução com o esquecimento. Em tom de chacota, o baterista logo no primeiro dia me contou que o Wilson era tão esquecido que tinha mania de voltar, depois de ir embora, para conferir se não havia deixado nada. E assim foi: terminada a apresentação, nós ainda desmontando ou empacotando nossos instrumentos, chega o Wilson e inspeciona o seu lugar, abre o estojo que carregava, confere seu trompete e vai embora, ante a indiferença aparente de todos – que logo depois transformou-se em sonora e divertida gargalhada geral.

Bibi Ferreira como a Medéia, na Gota d'Água: insuperável
Não foram tempos muito longos, pois logo passei a atuar em peças musicais, como Mais Quero Asno que me Carregue do que Cavalo que me Derrube, auto do Gil Vicente com Tereza Raquel e Otávio Augusto, e A Gota d’Água, do Chico Buarque e Paulo Pontes, direção musical do Dori Caymmi. Depois, minha opção definitiva pela música clássica e a mudança para os Estados Unidos transformaram  tudo. Mas cresci muito nas noites cariocas, foi uma ótima escola. “Ai, que saudades que eu tenho / da aurora da minha vida / da noite carioca querida / que os anos não trazem mais”. (Obrigado, mestre Casimiro!).

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