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sábado, 4 de julho de 2020

A ARTE DA FUGA

Bach no leito de morte: compondo

Johann Sebastian Bach (1685-1750) deixou uma obra inestimável para a música ocidental. Nos últimos dez anos de vida, entregou-se a ela com grande devoção (estudou, dois séculos depois, na mesma escola de Lutero em Eisenach). Naquela década, talvez antecipando sua hora, Bach dedicou ao Senhor várias obras, a exemplo de corais, cujo tema rondava a falência do corpo: a morte.
Nesse período, compôs A Arte da Fuga (Die Kunst der Fugue), sem indicar instrumentação, uma generosidade para com os intérpretes: piano, órgão, orquestra ou quarteto de cordas, quem sabe.
Silhueta de Stokowski e Mickey Mouse, em Fantasia
Bach empregou o binômio Prelúdio e Fuga, a exemplo do Cravo Bem Temperado, e outras combinações, como a Tocatta e Fuga (BWV 565) para órgão, em ré menor, transcrita para orquestra por Leopold Stokowski (conhecida do público leigo pelo magnífico filme de animação de Walt Disney, Fantasia, de 1940).
Seções de uma fuga
A fuga é uma técnica que vem da Idade Média. Diversas vozes trabalham em imitação ou replicação, dando impressão de que elas ‘fogem’ entre si. Em A Arte da Fuga, Bach compôs 14 delas – na última, parou no compasso 239, para depois morrer. O filho caçula Johann Christian Bach marcou e anotou as quatro notas que o pai usaria na fuga (ver ilustração abaixo), antes de expirar: Si bemol, Lá, Dó e Si, em alemão representadas por B-A-C-H!

Há ainda quatro cânones em que as vozes se repetem, cada uma tendo início em compasso diferente - quem nunca brincou de cantar “Frère Jacques” na infância? No citado compasso 239 (ver ilustração),
Alcatraz
Agora salto para outras nada canônicas artes da fuga, como as da prisão de segurança máxima de Alcatraz, ilha da baía de San Francisco (EUA), palco de 14 tentativas, a mais espetacular em 1946.
NY Times e "A Batalha de Alcatraz"
Na chamada ‘Batalha de Alcatraz’, seis internos, em violenta tentativa de fuga, dominaram carcereiros, invadiram e assaltaram o depósito de armas e roubaram chaves de celas. A marinha americana abortou a fuga, com saldo de dezenas de feridos e seis mortos. Dois dos líderes foram condenados à câmara de gás e outro, de 19 anos, à prisão perpétua, pela pouca idade.
Outra tentativa, elaboradíssima, foi a ‘Fuga de Alcatraz’: até cabeças imitando as dos rebelados foram moldadas em “papier marché”. Entre mortos na água gelada do mar e desaparecidos, o FBI encerrou o caso inconclusivamente.
Livro de Manoel Leães
No Brasil, após o golpe que o depôs em 1964, João Goulart foi enviado por Leonel Brizola para o Uruguai, onde tinha propriedades; tentou articular um contragolpe com militares, mas falhou, evadindo-se um mês depois para o Uruguai. Nessa fuga, diz o folclore político, estava usando peruca e vestindo roupas de mulher. Contudo, o piloto que o levou para o exílio, Manoel Leães, detalhou a fuga em livro, com requintes de filmes de espionagem: Neusa, esposa de Brizola, lhe dera metade de uma cédula de dinheiro, e a pessoa que o encontrasse com a outra parte seria o elemento-chave para a fuga.

Brizola em entrevista
Indagado por uma repórter durante a campanha presidencial de 1994, o ‘engenheiro’ respondeu indelicadamente que teria escapado como mulher, sim, usando as calcinhas da entrevistadora.
Abraham Weintraub (Wikipedia)
Abraham Weintraub, ministro deste governo por pouco mais de um ano (abril de 2019 a junho de 2020), é daquelas figuras polêmicas que ressurgem aqui e ali na política brasileira. Na pasta da Educação deixou a desejar:  Grafa ‘suspenção’, ‘imprecionante’ e ‘paralização’; trocou ‘asseclas’ (do PT) por ‘acepipes’ – talvez um tira-gosto para suas farpas. E não distingue ‘onde’ de ‘aonde’.
A troça absurda com os chineses
Não tem papas na língua para atacar, como fez com o presidente da França Emmanuel Macron, nem com o povo chinês, nosso maior parceiro comercial. Ironizou o sotaque de sino-brasileiros com o do Cebolinha, da Turma da Mônica, que troca as letras ‘r’ por ‘l’. De seus ataques não escaparam os nossos indígenas – logo ele, judeu, descendente de um povo perseguido, dado a arroubos xenofóbicos contra nativos brasileiros e parceiros orientais!
Fala de Weintraub na reunião de 22 de março
Mas foi em uma reunião ministerial, em 22 de maio, exibindo grande verve, que Weintraub cometeu suas derradeiras diatribes. Apontando para o lado oposto da Praça dos Três Poderes (a Suprema Corte), disse “eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF” (G1). O vídeo ficou em posse do decano do Supremo, Celso de Mello, e foi tornado público com alguns cortes de trechos constrangedores a nações amigas.
Foto "de Miami"
Encurralado por tantos lados e vendo-se em trapalhadas legais, Weintraub anunciou que sairia imediatamente do país, manobra de invulgar habilidade: no dia 20 de junho já chegava em Miami. E como burlou os critérios extremamente rígidos dos EUA para ingresso de brasileiros no país? (Até dos viajantes de países ‘liberados’ exigem isolamento sanitário por duas semanas!) Simples: usou sua condição de ministro com passaporte diplomático - isento, portanto, de todos os embargos da Imigração. Desceu em Miami livre, leve e solto.
O truque foi ter sua exoneração do cargo retificada após a chegada em Miami. A data do decreto original vigorou até sua entrada nos EUA, mas por pouco tempo: no dia 23, em edição extra (nº 118, seç. II, pág. 1), novo decreto presidencial retificou o ato, fazendo retroagir a exoneração para “a partir de 19 de junho de 2020”.
A sede do Banco Mundial
Divulgou-se que Weintraub assumiria uma cadeira na diretoria executiva do Banco Mundial - cargo para cuja investidura não se é nomeado, mas eleito, confirmando indicação do país, e só  dali a três meses. Para Lucas Furtado, subprocurador do TCU, a alteração na data “confirma fraude” (Estadão, 23/06). Desde logo houve reações, de intelectuais brasileiros e nações estrangeiras à Associação de Funcionários do Banco Mundial.
Sim, já houve escapadas mirabolantes na história. Mas nenhuma fuga logrou o final perfeito. Nem as do devoto Bach.
                                                                             ***
Livro: Memórias de Isolamento - Saudoso Amigos e Outras Crônicas: memoriasdeisolamento@gmail.com
Canal do Youtube - A Vida de Eleazar de Carvalho: https://www.youtube.com/watch?v=LpQs_7vwewY&t=5s
Para procurar em todos os programas, copie e cole: https://www.youtube.com/autrandourado


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

OS BICHOS E A MÚSICA


Seja em  nosso folclore, no de outras regiões ou países, seja na música clássica, popular ou de vanguarda, a fauna sempre está presente. A associação entre animais e música surge tanto pelo som quanto pela aparência de um instrumento, pela forma da obra ou pela técnica de composição. Caranguejo, do latim cancer, o crustáceo, dá nome a uma dança do fandango do sudeste brasileiro. E é também um tipo de composição canônica – também do latim, canon, que quer dizer regra, e é forma que vem de meados do século 13. Vozes de uma mesma curta melodia vão ingressando em compassos diferentes, até que elas se entrelaçam em uma cantilena sem-fim, como na conhecida brincadeira infantil Frère Jacques.
Serpentão
Cobra é uma dança do fandango paulista em que homens e mulheres, organizados em sinuosas filas (de onde o nome da festa), dançam, sempre acompanhados por violas caipiras e violões. Gilberto Gil canta Procissão em sua religiosidade sincrética - ora católica, ora umbandista, como bom baiano -, lembrando o andar sinuoso do réptil: “Olha, lá vai passando a procissão / se arrastando que nem cobra pelo chão / e as pessoas que nela vão passando / acreditam nas coisas lá do céu”. O serpentão (em francês, basson serpent, ou basse-cor), é um instrumento de sopro derivado do corneto, criado na França do final do século 16. Tinha voz grave e formato de “S”, e reforçava a voz dos baixos nos coros das igrejas. Caiu em desuso no séc. 19.
Pedro e o Lobo é uma obra sinfônica brincalhona e didática de Sergei Prokofiev (1891-1953) cujos personagens são Pedro (violino), seu avô (fagote), o ágil gato (clarineta), o passarinho (flauta) e o pato (oboé). E os caprinos? No Brasil, bode não é coisa boa, pode ser a ressaca de um porre, um azar ou coisa ruim, como cantou Macalé nos anos 1970: “Se amarrar algum bode eu mato / se amarrar algum bode eu morro / mas eu volto pra curtir”.
Depois de crustáceo e réptil, um aracnídeo. A tarântula, ou caranguejeira, é uma aranha peluda que desperta medo, mas seu veneno, no século 19, era usado para fins medicinais. Tarantulismo seria um distúrbio mental, compulsão frenética para dançar, mazela atribuída à picada do bicho. Dança em agitado compasso 6/8 originária de Taranto, na Itália, à tarantela, no século 17, eram atribuídos poderes de neutralizar o veneno daqueles bichos peçonhentos. Pelo velocíssimo andamento, requerem virtuosismo do instrumentista, como nas tarantelas de Liszt, Glière, Saint-Saëns, Sarasate, Bottesini e vários outros.
A divertida tarantella (Brittanica)

Cavalo marinho
Ah, os equinos! Na capoeira, cavalaria é um toque que serve para avisar os jogadores quando a polícia se aproxima. A cavalgata, ou cavalhada, tradição que vai do sul do Brasil à Bahia, é algo entre cena de dança com espadas e duelo com lanças sobre cavalos, representando a luta entre mouros e cristãos durante a ocupação da Península Ibérica. O cavalo-marinho é um festejo pernambucano das comemorações natalinas que vão até o dia dos Reis Magos. Acompanhado por rabeca e percussão, perfila com bovinos: boi-bumbá, o bumba-meu-boi maranhense, ou o boi-calemba do Recife. Mas muito cuidado! Nunca diga boi com abóbora perto de um carnavalesco, a expressão se refere a samba ruim, mal-ajambrado.
Cavalo marinho, o bicho.

Falando em bovinos, cabe lembrar o boi voador, animal empalhado a mando de Maurício de Nassau, governador da colônia (séc. 17), que deu troco  à negativa da coroa holandesa de financiar uma ponte sobre o Capiberibe, entre Maurícia e Recife (o reino neerlandês advertira: verba para ponte “só no dia em que boi voar”). Às suas próprias expensas, Nassau fez  a ponte, mas encomendou um boi empalhado, sob roldanas, que atravessou o rio, na inauguração, como um teleférico. Inspirou Chico Buarque na divertida “Boi Voador”, que liga a anedota de Nassau com o período em que a censura havia proibido falar do boi gordo retido no pasto, retardando o abate: “Quem foi, quem foi / que falou no boi voador / manda prender esse boi, seja esse boi o que for”.
Besouro (Fiocruz)
Há também insetos como o besouro, um coleóptero pesado para as finas asas traseiras que o fazem voar (as dianteiras servem apenas de carcaça). Elas têm de se agitar com muita velocidade para alçar o bicho a voo, fazendo zumbido. O compositor russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908) é autor de uma ópera, A Lenda do Czar Saltan, em cujo terceiro ato o príncipe Gvidon, filho do monarca, pede a um pássaro mágico que o transforme em um besouro, para que possa ir ter com seu pai - a música descreve o voo errático e agitado do inseto. Mas o “Voo” descolou-se da ópera e passou a ser mais conhecido como peça de concerto de grande dificuldade, tendo sido gravado por boa parte de nossos virtuoses do piano e violino. O lendário flautista James Galway usa a técnica da respiração circular (circle breathing), para que o “voo” não sofra interrupção – ele inspira pelo nariz enquanto assopra no bocal o ar armazenado.
(worldwide.org)
O Elefante dá nome a  um solo dos contrabaixos em O Carnaval dos Animais, do francês Camile Saint-Saëns (1835-1921), o quinto dos catorze movimentos que representam diversos bichos. O 13º, O Cisne, é repertório de dez entre dez violoncelistas, em cuja versão para balé a fenomenal Anna Pavlova fez um cisne inspiradíssimo (1905), sublime dança de luta contra a morte até o momento derradeiro. Assista:


Uma tese sobre bichos e música seria um trabalho interminável. Busquei apenas homenagear os animais, nossos companheiros e inspiração. E os melhores amigos!