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sexta-feira, 17 de julho de 2020

ELOGIO DA MENTIRA


“Elogio da Loucura”, do neerlandês Erasmo de Rotterdam (1466-1536), padre, humanista e pensador, é um ensaio crítico-satírico sobre os vícios da Igreja Católica Romana e da sociedade da época. Sua versão do Novo Testamento influenciou decisivamente a Reforma Protestante. Assim pensei o título deste artigo: longe de ser uma apologia ao ato de faltar com a verdade é uma irônica digressão crítica sobre a arte de mentir.
"Tudo o que quero é a verdade, dê-me um pouco de verdade"
John Lennon satirizou profissões e contrastes sociais entre ricos e pobres em “I don’t wanna be a soldier, mama, I don’t wanna die” (“Eu não quero ser um soldado, mamãe, eu não quero morrer”), uma dicotomia radical que chega a “Eu não quero ser um advogado, mamãe, eu não quero mentir”. Ora, a função precípua do exercício da advocacia, seja um representante particular ou dativo (cedido pelo Estado), é defender o cliente. Não raro alguns rejeitam uma causa, seja por se julgarem suspeitos ou por razões de foro íntimo, que podem ir da não concordância com o pleito a outros motivos, como os de natureza religiosa.
Uma das mais populares das 201 fábulas catalogadas de Esopo (620-564 a.C.) é conhecida no Brasil como “Pedro e o Lobo” (em inglês, do grego, “The boy who cried wolf!”, “O garoto que gritou lobo!”), que entre nós ficou conhecida com o nome de um menino. Há diversos outros títulos em outros idiomas, como “O pastorzinho e os fazendeiros”, mas todos reportam à ideia inicial de Esopo, a história da criança que toda vez que ia ao bosque retornava gritando “socorro, tem um lobo!”
No princípio, os gritos de Pedrinho apavoravam, mas, não tendo sido encontrado o animal por diversas vezes, passaram a ignorar seus pedidos desesperados. Até que um dia... Crau! (Não poderia faltar a ‘moral da história’ da fábula: aos mentirosos contumazes, se um dia contarem a verdade, não será dado crédito).
Mary "Wilcox" Baker
No século 19, Mary “Wilcox” Baker ficou conhecida como “A princesa Caraboo”. Segundo a história, a moça, de personalidade confusa, mudou-se do interior para trabalhar em Exeter como baby-sitter, onde se tornou famosa como contadora de histórias. Mudou-se para Londres, e, tresloucada, inventou que era uma princesa que fora sequestrada por piratas e tinha logrado fugir nadando até a praia. É difícil hoje aceitar que a história teve credibilidade, mas as pessoas da época, comovidas, queriam crer que tudo era mesmo sincero.
Hitler e Goebbels

Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, disse: “repita uma mentira muitas vezes e ela se tornará verdade” (vulgo “uma mentira repetida dez vezes...”).  A psicanálise chama isso de ‘efeito de ilusão da verdade’. Imagine um jogo de grupo no qual os participantes, em círculo, têm de dar notas à verossimilhança de certas frases, como “uma ameixa seca é uma ameixa desidratada”. Porém, se a frase for “uma tâmara é uma ameixa seca”, se alguém afirmar que é verdadeira, pessoas do grupo podem crê-la real, daí criando a ‘ilusão da verdade’, que surge facilmente em situações coletivas.
Mao e seus guarda-costas
Grandes ditadores, como Mao-Tsé-Tung, criaram fantasias acerca de seus poderes às vezes quase sobre-humanos. Em 6 de julho de 1966, aos 77 anos, Mao teria atravessado o caudaloso rio Yangtze, sucesso que, ao lado de fotos e outros documentos maquiados e montados, reverteu uma curva de decadência política e o reergueu como o grande líder da revolução chinesa,. Um grande líder tem de demonstrar força, uma quase indestrutibilidade, quando não é tido como imortal, caso de Sebastião I, de Portugal - mesmo morto, ele tinha seu retorno aguardado pelo povo – daí a expressão ‘sebastianismo’.
Estátua de El Cid, em Valencia
El Cid (do mourisco, ‘o senhor’), ou Don Rodrigo, príncipe de Castella, foi um líder guerreiro do século 11 na luta entre cristãos e mouros. Senhor de tantas vitórias, não poderia morrer, seu exército seria derrotado. Reza a lenda que, após seu assassinato em um ataque dos mouros ao seu castelo em Valência, em 1099, sua esposa teria colocado seu corpo em uma armadura sobre um cavalo, empunhando escudo e lança, colocando-o à frente de seu exército. Com El Cid à frente, símbolo de luta e vitórias, os inimigos, apavorados, fugiram, mas foram capturados e mortos – a figura inerte de El Cid liderando a vitória.
O perjúrio (perjury, em inglês), no Brasil é crime chamado falso testemunho, tipificado no Art. 342 do Código Penal: “fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade”, com pena de 2 a 4 anos e multa. Pode-se ficar em silêncio em um inquérito policial, como facultam a lei brasileira e a 5ª emenda americana, mas em juízo o cidadão é obrigado a dizer a verdade.
Já a chamada mentirinha social é aceita, com as devidas cautelas, como quando alguém está com dor de barriga e manda dizer a quem telefona que está em reunião. Há ainda outras, danosas à sociedade, como as fake news. No dia 8 de junho, sob uma pressão bilionária de anunciantes internacionais que retiraram suas contas do Facebook, a maior rede social fechou no Brasil um número enorme de perfis que, juntos, tinham até um milhão de seguidores com potencial de compartilhamento, fato que vem se somar ao inquérito que tramita no STF e à CPMI instaurada no Congresso. O tema: propagação do ódio, do racismo e de informações falsas por meio da Internet. A mentira vai ao banco dos réus, mas há uma precaução a ser tomada no combate a mentiras criminosas: que tomem o cuidado de nunca atropelar a liberdade de expressão em seus limites legais.
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[Livro:  Memórias de Isolamento  - Saudosos Velhos Amigos e Outras Crônicas. Pedidos pelo e-mail  memoriasdeisolamento@gmail.com ]

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

OS BICHOS E A MÚSICA


Seja em  nosso folclore, no de outras regiões ou países, seja na música clássica, popular ou de vanguarda, a fauna sempre está presente. A associação entre animais e música surge tanto pelo som quanto pela aparência de um instrumento, pela forma da obra ou pela técnica de composição. Caranguejo, do latim cancer, o crustáceo, dá nome a uma dança do fandango do sudeste brasileiro. E é também um tipo de composição canônica – também do latim, canon, que quer dizer regra, e é forma que vem de meados do século 13. Vozes de uma mesma curta melodia vão ingressando em compassos diferentes, até que elas se entrelaçam em uma cantilena sem-fim, como na conhecida brincadeira infantil Frère Jacques.
Serpentão
Cobra é uma dança do fandango paulista em que homens e mulheres, organizados em sinuosas filas (de onde o nome da festa), dançam, sempre acompanhados por violas caipiras e violões. Gilberto Gil canta Procissão em sua religiosidade sincrética - ora católica, ora umbandista, como bom baiano -, lembrando o andar sinuoso do réptil: “Olha, lá vai passando a procissão / se arrastando que nem cobra pelo chão / e as pessoas que nela vão passando / acreditam nas coisas lá do céu”. O serpentão (em francês, basson serpent, ou basse-cor), é um instrumento de sopro derivado do corneto, criado na França do final do século 16. Tinha voz grave e formato de “S”, e reforçava a voz dos baixos nos coros das igrejas. Caiu em desuso no séc. 19.
Pedro e o Lobo é uma obra sinfônica brincalhona e didática de Sergei Prokofiev (1891-1953) cujos personagens são Pedro (violino), seu avô (fagote), o ágil gato (clarineta), o passarinho (flauta) e o pato (oboé). E os caprinos? No Brasil, bode não é coisa boa, pode ser a ressaca de um porre, um azar ou coisa ruim, como cantou Macalé nos anos 1970: “Se amarrar algum bode eu mato / se amarrar algum bode eu morro / mas eu volto pra curtir”.
Depois de crustáceo e réptil, um aracnídeo. A tarântula, ou caranguejeira, é uma aranha peluda que desperta medo, mas seu veneno, no século 19, era usado para fins medicinais. Tarantulismo seria um distúrbio mental, compulsão frenética para dançar, mazela atribuída à picada do bicho. Dança em agitado compasso 6/8 originária de Taranto, na Itália, à tarantela, no século 17, eram atribuídos poderes de neutralizar o veneno daqueles bichos peçonhentos. Pelo velocíssimo andamento, requerem virtuosismo do instrumentista, como nas tarantelas de Liszt, Glière, Saint-Saëns, Sarasate, Bottesini e vários outros.
A divertida tarantella (Brittanica)

Cavalo marinho
Ah, os equinos! Na capoeira, cavalaria é um toque que serve para avisar os jogadores quando a polícia se aproxima. A cavalgata, ou cavalhada, tradição que vai do sul do Brasil à Bahia, é algo entre cena de dança com espadas e duelo com lanças sobre cavalos, representando a luta entre mouros e cristãos durante a ocupação da Península Ibérica. O cavalo-marinho é um festejo pernambucano das comemorações natalinas que vão até o dia dos Reis Magos. Acompanhado por rabeca e percussão, perfila com bovinos: boi-bumbá, o bumba-meu-boi maranhense, ou o boi-calemba do Recife. Mas muito cuidado! Nunca diga boi com abóbora perto de um carnavalesco, a expressão se refere a samba ruim, mal-ajambrado.
Cavalo marinho, o bicho.

Falando em bovinos, cabe lembrar o boi voador, animal empalhado a mando de Maurício de Nassau, governador da colônia (séc. 17), que deu troco  à negativa da coroa holandesa de financiar uma ponte sobre o Capiberibe, entre Maurícia e Recife (o reino neerlandês advertira: verba para ponte “só no dia em que boi voar”). Às suas próprias expensas, Nassau fez  a ponte, mas encomendou um boi empalhado, sob roldanas, que atravessou o rio, na inauguração, como um teleférico. Inspirou Chico Buarque na divertida “Boi Voador”, que liga a anedota de Nassau com o período em que a censura havia proibido falar do boi gordo retido no pasto, retardando o abate: “Quem foi, quem foi / que falou no boi voador / manda prender esse boi, seja esse boi o que for”.
Besouro (Fiocruz)
Há também insetos como o besouro, um coleóptero pesado para as finas asas traseiras que o fazem voar (as dianteiras servem apenas de carcaça). Elas têm de se agitar com muita velocidade para alçar o bicho a voo, fazendo zumbido. O compositor russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908) é autor de uma ópera, A Lenda do Czar Saltan, em cujo terceiro ato o príncipe Gvidon, filho do monarca, pede a um pássaro mágico que o transforme em um besouro, para que possa ir ter com seu pai - a música descreve o voo errático e agitado do inseto. Mas o “Voo” descolou-se da ópera e passou a ser mais conhecido como peça de concerto de grande dificuldade, tendo sido gravado por boa parte de nossos virtuoses do piano e violino. O lendário flautista James Galway usa a técnica da respiração circular (circle breathing), para que o “voo” não sofra interrupção – ele inspira pelo nariz enquanto assopra no bocal o ar armazenado.
(worldwide.org)
O Elefante dá nome a  um solo dos contrabaixos em O Carnaval dos Animais, do francês Camile Saint-Saëns (1835-1921), o quinto dos catorze movimentos que representam diversos bichos. O 13º, O Cisne, é repertório de dez entre dez violoncelistas, em cuja versão para balé a fenomenal Anna Pavlova fez um cisne inspiradíssimo (1905), sublime dança de luta contra a morte até o momento derradeiro. Assista:


Uma tese sobre bichos e música seria um trabalho interminável. Busquei apenas homenagear os animais, nossos companheiros e inspiração. E os melhores amigos!