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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

“O CAPITAL”

Do livro mais enfadonho ao filme mais entediante
(Íntegra do texto publicado em ‘O Progresso’
no fim de semana)

Das Kapital” é o título do livro mais importante de Karl Marx (1818-1883), filho de mãe judia de classe média, homem de inteligência fora do comum e cultura enciclopédica. Marx atropelou a então rígida ciência econômica com sua filosofia e sua visão política revolucionária. A ele, a economia deve a consolidação de conceitos como a ‘mais-valia’, o do controle do poder econômico sobre o poder político, a contraposição entre divisão social do trabalho (capitalista) e divisão técnica do trabalho (no regime socialista) e tantos outros que, pela sua importância, são parte do cotidiano de especialistas do mundo inteiro. O livro é um trabalho enorme, seco, cruel, que a maioria absoluta dos próprios economistas desconhece em pormenores – à exceção dos que, por ideologia ou necessidade de estudo, resolvem se aprofundar. O problema é que, como meu pai sempre disse (na época da União Soviética), “nem os russos aguentaram ler aquilo”.
O livro é insuportável (eu juro que tentei ler, em meus tempos de estudante, mas não consegui) é farinha de mandioca sem torrar, sem tempero e sem feijão. E para ser engolida sem água. E olhe que eu leio tudo o que passa pela frente – tirando ‘best-sellers’ e auto-ajuda, além da literatura de quilate rasteiro, todos fora de meu interesse. Melhor ler outros títulos da Marx, como “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, em que ele se dedica a um dos seus melhores talentos, a análise histórica; “A ideologia alemã”, em que já esboça seus pensamentos revolucionários, e até o “Manifesto Comunista” (1848), que hoje parece divertida e adolescente cartilha panfletária  escrita a quatro mãos com Engels, cujo texto termina com a célebre frase: “proletários de todo o mundo, uni-vos!”
O grande Sergei Eisenstein, cineasta de obras-primas do realismo socialista como “Couraçado Potemkin", de1925 (foto ao lado), já havia pensado em fazer um filme sobre Marx e “O Capital”. Porém, Alexander Kluge, agora em pleno século 21, nos brinda com o sonho não realizado de Eisenstein a partir de material que o russo coletou em... nada menos do que 29 horas de filmagem. Em uma misturada sem fim, Kluge remete a Einsenstein, à revolução bolchevique, à vida de Marx e tenta embolar tudo isso com o “Ulisses”, de James Joyce.
Meu pai sempre disse que um grande livro não dá grande filme, e vice-versa. Um grande livro tem um conteúdo psicológico que o filme não reproduz no interior das pessoas, a escrita traz ‘imagens’ e uma ‘trilha sonora’ diversas na mente de cada indivíduo. Já o filme traz um impacto de menos de duas horas cujo conteúdo se mistura por igual, multiplicado pelo número de espectadores, com sua música e cenário prontos e imutáveis, e, cada vez mais, tecnologia de ponta que pode faz um gibi de terceira virar um fenômeno de bilheteria.
“O Capital” é um texto de suma importância para a história da humanidade, mas é um péssimo livro de se ler. O filme parece querer superar de longe essa chatice: leva ‘apenas’ 9 horas e meia. Isso mesmo. Vou repicar o célebre Oswald de Andrade: “não vi e não gostei”. Parece o absurdo dos absurdos, mas não me disponho a perder 9h30 nem para ver a Marilyn Monroe ‘viva’ em holografia.
Não que não existam obras longas maravilhosas. As grandes óperas de Wagner levam horas cada uma, porém são acontecimentos inesquecíveis entre solistas, coros, cenários, orquestra, música e histórias alucinantes. As “Paixões” de Bach (duas: segundo Mateus e segundo João) são composições longas, mas o conteúdo bíblico, a beleza da música, a variedade dos movimentos (são dezenas!) e a grandeza das obras absorvem e envolvem nesse contexto espiritual quem quer que esteja tocando ou assistindo. Há muitos anos, tendo como regente Lorna Cooke de Varon, toquei com orquestra, solistas, coros de incontáveis vozes, em alguns dos momentos mais inesquecíveis de minha vida: foram 4 horas, incluindo o bufê no intervalo. Um retiro espiritual profundo, uma terapia de encontro.
“O Capital” não tem nada disso. Seguindo o próprio tema do filme, com Marx e seus ‘entornos’, Eisenstein, a revolução de 1917, tudo isso junto à prolixidade ultra-complexa do irlandês Joyce, quase intraduzível do ‘celtic’ (que eles pronunciam ‘keltic’) do “Ulisses”, texto que é difícil até para os ingleses lerem. Se você assistir a esse atentado à paciência (o filme), e tiver a pachorra de provar-me que viu, conte-me. Mas não demore mais do que nove minutos e meio, por favor.

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