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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

TATUÍ, 185 ANOS: CAIPIRA E COSMOPOLITA!

(íntegra do texto publicado no dia 6 em ‘O Progresso’)

Em julho passado, um fanático assassinou 77 pessoas na Noruega, em nome de uma suposta “limpeza” racial (qualquer semelhança com certo personagem do século passado não é mera coincidência). Em seu manifesto de 1.500 páginas, Breivik delira e diz que o atraso do Brasil “se deve à sua miscigenação”. Não vou discutir coisas estúpidas, porque é hora de comemorar Tatuí. Mas antes de fazê-lo quero lembrar Nova Iorque, cidade que John Kennedy alcunhou “Nação de imigrantes”, e que é até hoje a ‘capital do mundo’, apesar dos recentes solavancos econômicos. Em Nova Iorque, cruzam-se livremente pelas ruas pessoas identificadas com sua origem: judeus ortodoxos com chapéu e tranças, árabes em trajes de seus países rezando ajoelhados em direção a Meca, negros com cabelos ‘dreadlocks’, latinos com ponchos tocando flautas de pã, enfim, uma riqueza sem limites.
Em Tatuí, palavra que veio do tupi-guarani, há traços indígenas em muita gente, cabelos negros (“as asas da graúna”, da “Iracema” de José de Alencar) mesclados com etnias de tantas origens. Como não sei se há dados estatísticos sobre o assunto, fiz uma brevíssima sondagem de sobrenomes comuns na cidade, seja de celebridades, conhecidos meus ou pinçados da lista telefônica.
Dá para começar com os sobrenomes da atriz Vera Holtz e do advogado Ari Berger (‘montanhês’, família chegada da Alemanha em 1861): os dois são de origem germânica. (Friederich Holtz veio trabalhar na Real Fundição Ipanema, e lá casou-se com uma sueca, Strombeck). O Vice-Prefeito Voss (Al.: ‘raposa’, ‘esperto’) leva sobrenome da Baixa-Alemanha; já o do ilustre escritor Paulo Setúbal (cidade de Portugal), do Prefeito Municipal Luiz Gonzaga Vieira de Camargo e dos vereadores Tarcísio Ribeiro, Oséias Rosa e José Maria Cardoso (Zétakão), além de Marcelo Peixoto (Port.:‘peixinho’), todos são de origem lusitaníssima. Fábio Menezes (Esp.: ‘habitantes de Mena’) Bueno (Esp: ‘bom’, em espanhol), o gaulês de Cimira Cameron e os italianíssimos Wladmir Saporito, Schincariol, Tomazela, Gianelli, Pavanelli e Gianesella também fazem parte deste ‘melting pot’ (‘panelão de mistura’) genealógico.
Entre os músicos que fizeram crescer a arte dos sons no passado de Tatuí, veio de Veneza o sobrenome Del Fiol; Nacif Farah tem origem árabe (bem como Jorge Rizek, Mário Shazan e Raquel Fayad); já Bimbo Azevedo vem de berço português. Há na lista telefônica uma profusão de Hessels (47 deles) e suas famílias de origem alemã (chegadas em 1828 a Santo Amaro, SP), orientais como Celso Koyama, Hamaguchi, e Hamayama; os Poles (36 sobrenomes na lista) da Ana Valéria da OSESP e do nosso ‘Mingo’, contador, sobrenome trazido da Itália por Giovanni Poles, em 1888, bem como os Lorenzetti do supermercado, da vidraçaria e de nossa assistente Natália, do Conservatório. E um sem-fim de nomes de novos cristãos surgidos durante a perseguição de judeus e mouros pelos reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão, após a queda de Constantinopla (1453): os clássicos Carvalho, Ribeiro, Bezerra, Garcia (como o trompista Luís), Salgueiro, Silva, Pereira (como o regente da Banda Jovem...), Salles (do Clóvis e do Jhony), uma infinidade de sobrenomes portugueses oriundos dos judeus sefardim - palavra do hebraico, plural de sefaradita -, convertidos em Portugal há quase 5 séculos e meio. 
Imigrantes chegando ao Porto de Santos em 1907
Foto: Museu do Imigrante. Domínio público
A população realmente negra é pouco numerosa, em Tatuí, já que a jovem cidade após erguida não viveu tanto a escravidão, até libertando seus escravos já antes da Lei Áurea. Por isso, somada a parcela negra e mestiça, aqui se deu essa rica miscigenação, com os antepassados indígenas já bem diluídos no sangue de inúmeras famílias. Há tatuianos de diversas origens no Brasil e mundo afora, na Europa, nos Estados Unidos; tantos e tantos que, saídos das fornadas não da vizinha Ipanema, mas do Conservatório, seja encorpando as boas orquestras ou as cátedras universitárias e conservatórios, grupos de teatro ou casas de ópera, levam a bandeira da ‘Capital da Música’ e da ‘Cidade Ternura’. Não por coincidência, destroçando as teorias fascistas do assassino Breivik, a Nova Iorque multirracial também é conhecida pelo seu carinho: recentemente, a crítica de turismo elegeu a cidade norte-americana ‘a metrópole mais hospitaleira do mundo’, com o que concordo em todos os graus. Se Nova Iorque cresceu com seus ‘guetos’ de negros no Bronx, Harlem, Brooklin Heights, South Brooklin e Queens, judeus no Brooklin e orientais no Chinatown, São Paulo também criou seus nichos: italianos no Brás, Bixiga e Mooca, orientais na Liberdade, judeus em Higienópolis, árabes no Mercado e no Centro. Mas Tatuí miscigenou, e com o tempo vai temperar cada vez mais esse caldo europeu, indígena e negro com várias outras etnias brasileiras.
Deixemos o lunático norueguês pagar na cadeia por sua ‘raça pura’. Vamos abrir alas para todos serem felizes, contribuindo para uma mistura fina ainda mais rica, “pero sin perder la ternura” (da cidade) ”jamás” ou arredar o pé um milímetro da tradição. Parabéns, Tatuí!

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